Acho
o texto de Eça de Queirós uma deliciosa hipérbole,
um engraçado exagero, quase uma caricatura muito divertida
que, afinal , ao contrário do que parece querer dizer
o escritor realista, constitui uma hábil ilustração
e uma defesa original das vantagens de falar “sem vergonha”
várias línguas estrangeiras, mau grado as dificuldades
e até a impossibilidade, de falá-las sem sotaque
ou acento, tão bem como a sua própria língua.
Mas, como em todas caricaturas, há uma parte de verdade:
a persistência em falar línguas estrangeiras
trai a identidade nacional, tanto ou mais que trocar uma bandeira
por outra!
Primeiro exagero: Desde logo, o leitor dar-se-á conta
de que o perfeito poliglota a que Eça de Queirós
se refere, é um caso raro. Acho que, no que às
línguas estrangeiras diz respeito, necessário
se torna falá-las com o grau de perfeição
descrita pelo autor, “ com o especial e exclusivo encanto
da fala materna com as suas influências afectivas”,
é uma ficção, um mito. Pode-se tentar
fazê-lo com afectação como o Dâmaso
dos Maias, e neste caso, a palavra “estrangeirismo”
seria apropriada, mas dizer que “o poliglota nunca é
patriota” e falar de “desnacionalização”,
de “abdicação da dignidade nacional”,
duma “lamentável sabujice com o estrangeiro”,
da perdida de “toda a individualidade nativa”,
de “corpos de pobre que cabem bem na roupa de toda a
gente”, de um “instrumento de alta escroquerie”,
etc., é uma inchação verbal, uma caricatura.
O leitor sorri e não toma tudo isso a sério,
nem considera verdadeiro o pensamento do autor.
Pelo contrário, acho que Eça utiliza, de maneira
humorística e paradoxal, atrvés do seu semi-heterónimo
(?) Fradique Mendes, o pretexto de um suposto orgulho da língua
materna e da pátria como a motivação
de base para encorajar os tímidos a falar, até
com um acento horrível e muitas calinadas no vocabulário
e na sintaxe, outras línguas europeias. Talvez seja
só para se desculpar da sua própria falta de
habilidade no domínio das línguas estrangeiras
que fala? Além disso, pelo que se sabe da obra e da
vida de Eça de Queirós, tal patriotismo exaltado
não fazia parte dos seus valores. É verdade
que sendo ele próprio poliglota e cosmopolita poderia
estar a falar do seu caso, mas duvido que cole às características
de Eça a etiqueta de "patriota radical"!
Penso que se trata de uma caricatura de si próprio.
Ele faz do só “possível”, um “dever”
patriótico: um homem só “deve” (pode)
falar. com impecável segurança e pureza, a língua
da sua terra.” “Deve (pode) falar mal, orgulhosamente,
nobremente mal” as línguas dos outros. A justaposição
reiterada de um advérbio e de um adjectivo de sentido
tão oposto, é caricatura. Daí resulta
que o leitor, neste caso, eu próprio, fica convencido
das vantagens dos esforços para aprender e falar tão
bem quanto possível, outros idiomas, e o Português
em particular. Como a língua está intimamente
ligada à cultura, falar as línguas dos outros
é adquirir outros modos de pensar e de sentir, é
sentir-se mais à vontade nas cidades estrangeiras,
caminhar pelas suas ruas e sentir-se mais “em casa”
e menos estrangeiro, deixar o isolamento “das outras
raças” para partilhar a cultura dos outros, são
vantagens que eu pessoalmente vivi quando viajei pelas cidades
de Portugal.
Texto
produzido, a partir da proposta de trabalho contida na Ficha:
A Dissertação