Rossana e Carlos
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Estão os dois na jovem quarentena, modernos,
bonitos e visivelmente ainda enamorados. São peruanos,
de Lima e também lusófonos. O Lusógrafo encontrou-os
no restaurante "Media Naranja - Brasileiro", no distrito
municipal de Miraflores, o mais chique e turístico dos
Municípios da Lima Metropolitana. O objectivo era partilhar
com os nossos leitores as razões da lusofonia deste casal
simpático e a sua visão do mundo lusófono
hoje e no futuro.
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A entrevista tem lugar à noite,
numa esplanada toda iluminada do restaurante, o ar húmido e quente
de Lima neste período do ano. O ambiente é tropical desde
as mesinhas brancas até os tons amarelos e verdes da decoração
que evoca o sol e a selva brasileiros. Só faltam os papagaios.
A música, barulhenta, é tipicamente brasileira, ritmos
do carnaval entre os quais se reconhece a voz da grande cantora Elba
Ramalho. Poderiam ter chamado este lugar de "Meia Laranja"
para o fazer mais real. O dono do local é brasileiro mas não
está lá. O empregado, um peruano, diz-nos que acha que
este é o único restaurante brasileiro em Lima. No entanto
há também um barzinho por perto. Pedimos pastelinhos mistos
e frango à passarinho, com cada um, uma taça de caipirinha
de cachaça.
Lusógrafo: Vocês podem apresentar-se para que os leitores
os conheçam?
Ela: Chamo-me Rossana Enrico Santana, mas todos me chamam de Rossi.
Sou limenha, e tive a oportunidade de morar em Paris e Washington, pelo
que falo também francês e inglês. Sou economista
e trabalho agora no aeroporto de Lima.
Ele: O meu nome é Carlos Alberto Sánchez Centurión,
e chamam-me Carlos ou Carlitos, embora Rossi goste às vezes de
me chamar de "chancho" (rí) especialmente quando sujo
tudo com o meu sorvete preferido (chocolate). Sou médico pediatra,
com um mestrado em saúde pública. Gosto muito da política:
sou vereador do município de Magdalena del Mar, e muito envolvido
na acção social e comunitária especialmente com
a Rede de Municípios e Comunidades de Saúde.
L: Há quantos anos vocês estão casados?
R: Há 15 anos e temos dois filhos: Carlos Andrés (10 anos)
e Maria Fernanda (13 anos).
L: Como se conheceram?
R: Nós conhecemo-nos em Brasília. Eu tinha 19 anos e o
Carlos 21, já havia três anos que ele morava por lá.
L: E o que faziam vocês no Brasil? Estavam lá de férias?
C: Aos 18 anos tive uma bolsa para estudar medicina na Universidade
Federal Fluminense, na cidade de Niterói, na baía do Rio
de Janeiro.
R: Eu tinha uma amiga que morava em Brasília e tinha ido visitá-la.
L: Foi amor à primeira vista?
R: Sim, mas nós namorámos por correspondência só
nos casámos seis anos mais tarde.
L: Como é Rossi que você aprendeu o português?
R: Gostei tanto da língua portuguesa que voltando a Lima, comecei
a frequentar aulas no CEB, o Centro de Estudos Brasileiros.
L: Carlos, você já falava o português quando saiu
para a Universidade Fluminense?
C: Nem uma palavra! Aqui tinham-me dito que durante os quatro primeiros
meses de estudo, poderia escrever as provas em espanhol.
L: E foi isso que aconteceu?
C: Nem pensar! A primeira prova escrita em espanhol tirei zero! O professor
não quis saber de nada: tinha que aprender a língua dos
nativos!
L: E como fez?
C: Na rua! Falando com todo o mundo, indo ao cinema, etc. Depois de
dois meses já falava e depois de quatro meses escrevia. Imersão
total! Durante os sete anos que durou a carreira de medicina aprendi
melhor o português que os próprios brasileiros.
L: Os brasileiros falam mal o português?
C: Falam e escrevem mal. No começo eu pedia-lhes ajuda: Como
se escreve isso? Ou esta palavra tem acento ou não? E eles me
respondiam: escreve como você quiser. Não importa!
L: E você Rossi, nunca viveu no Brasil?
R: Vivi sim, mas vários anos depois. Carlos voltou para o Peru,
casamo-nos, ele fez a sua especialidade em Lima, os filhos nasceram.
Em 1993 toda a família saiu para São Paulo para o Carlos
fazer um mestrado em saúde pública. Voltamos ao Peru em
1996.
L: A adaptação foi difícil?
C: Na minha primeira estadia, foi sim, não por causa da cultura
ou do contexto brasileiro, mas eu tinha muita saudade da minha família.
Além disso tinha que partilhar um alojamento com quatro ou cinco
rapazes, lavar a roupa, procurar aonde comer, etc.
L: Quais são as lembranças que guardam do Brasil e dos
brasileiros?
C e R: Alegria, aconchego, calor humano, muito mais do que os peruanos.
C: Adoro tudo o que é brasileiro.
L: E a língua?
R: O português brasileiro é mais bonito do que o espanhol.
O som é mais agradável, o português de Portugal
não é fácil de compreender com os ssshhhh...(riem)
L: Vocês acham que os brasileiros tem complexos?
C: Não...ou sim, acho... Por causa do racismo. Porque há
racismo entre os brancos e os pretos...
L: E quanto aos portugueses no Brasil, são bem vistos?
C: Sim e não. São uma menoridade próspera, há
bairros portugueses. Mas os brasileiros brincam com os portugueses.
L: Como?
C: Como dizer...julgam que os portugueses são menos inteligentes
do que os brasileiros...ou melhor, que não têm "jeitinho".
L: Jeitinho?
C: Os brasileiros sempre vão poder dar um jeito, é dizer
inventar uma solução a qualquer problema. Segundo os brasileiros,
os portugueses não tem esta habilidade. Talvez uma anedota que
tem muita piada possa ajudar a compreender.
L: Conta.
C: Uma noite um bandido português entrou por infracção
numa loja brasileira cujo dono ainda estava dentro.
Ouvindo um barulho suspeito, o brasileiro apanha uma arma e grita: Quem
vá por lá? Vou atirar.
O português escondido diz: "Miau"!
O brasileiro não convencido repita: Homem, vou atirar!
O português pela segunda vez diz: "Miau"! mais forte.
O brasileiro cada vez menos convencido avança e grita com mais
força: "Quem esta aí, saia ou atiro".
O português aterrorizado grita: "Não atire, senhor,
sou um gatinho...um gatinho"!
L: Assim, ao bandido português lhe faltava o jeitinho! E vocês
que pensam dos portugueses e de Portugal?
C: Conheço pouco Portugal, gostaria de visitar. O Brasil deve
muito a Portugal: cultura, tradições arquitectura, religião
e claro a língua, mas tudo isso hoje misturado com outras culturas.
L: Na vossa opinião acham que A Língua Portuguesa tem
futuro como língua internacional?
C: Se tiver um futuro, será através do Brasil com os seus
200 milhões de habitantes e não por causa de Portugal
nem dos outros países lusófonos...
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