O Hip Hop :
para além da música, uma cultura


Por
Belmira Perpétua

O hip hop continua a definir-se como a música rap, sendo, porventura, esta, a sua faceta mais significativa. No entanto, continuamos a ignorar que o hip hop é muito mais do que os sons que ouvimos quotidianamente, na rádio. O hip hop é também um estilo de vida, uma cultura, com tudo o que o conceito acarreta.
Foi no bairro pobre do Bronx, em Nova Iorque, nos anos 70, que as primeiras formas da cultura hip hop nasceram. Alguns especialistas como Henry A. Rhodes, consideram mesmo que a sua história, pelo rap, remonta aos cantores Griots do Oeste da África. A cultura hip hop é composta por diversos elementos: a música, graffitis, break dancing e as atitudes e maneiras de vestir das pessoas que aderem a este modo de vida.

Nas ruas de Nova Iorque, os graffitis foram a forma de expressão de muitas gangues de rua, envolvidas naquilo que viria a ser reconhecido mais tarde como o hip hop. Por volta dos anos 80, os graffitis grangearam o estatuto de arte. Brathwaite, um famoso artista de graffitis, encorajou este estilo com a falsa afirmação de que os artistas de graffitis se inspiraram em célebres artistas new wave como Andy Warhol, famoso pela sua obra sobre Marylin Monroe. No entanto, o jornalista Richard Goldstein foi o primeiro a ligar os graffitis à música rap, considerando que os graffitis tinham as mesmas raízes culturais ou seja, inseriram-se nos mesmos contextos socio-económicas que os faziam evoluir.

O tempo deu-lhe razão, já que, muitos artistas de graffitis, tornaram-se DJs - Disco Jóqueis, influência da música toast jamaicana no rap americano. As semelhanças entre os dois tipos de música são enormes e o facto de o DJ ser o elemento central da música rap e toast é só a ponta do iceberg. Um dos artistas de graffitis e DJs mais influentes do hip hop nesta época era Kool Herc, um Jamaicano que transformou o rap, introduzindo certas inovações como o break dancing, por exemplo.

Foi ao som dos seus beats que começaram a dançar o break dancing. O Break dancing era uma forma de dança considerada perigosa, porque era constituída de movimentos temerários como o Headspin que requeria que a pessoa rodasse sobre a cabeça ao dançar. Eventualmente, o break dancing deu lugar ao electric boogie. O movimento que proporcionou o êxito deste tipo de dança foi o Moonwalk que o Michael Jackson popularizou. Hoje em dia, o free style é a dança mais praticada pelos adeptos do hip hop. Como o próprio nome sugere, no free style, faz-se o que se quer.

Quer sejam graffitis ou movimentos de dança ou a própria música, a originalidade é importantíssima. Oposta a esta, existe uma outra tendência, a de imitação, que tem também um lugar importante, e que é apreciada pelo seu estilo verdadeiro e original. Podemos também verificar a influência desta dança no vestuário dos hip-hoppers. A dança influenciou o vestuário dos hip-hoppers: para poderem movimentar-se confortavelmete, adoptaram roupas largas e sapatilhas e ainda hoje, os Star de Adidas, sapatilhas que foram usadas por Run-DMC nos anos 80, estão associados ao hip hop. O aspecto, que muitos deploram, o das calças que caem da cintura, também pode ser explicado: provém das prisões, onde o cintos não são permitidos. A sair da cadeia, muitos jovens mantiveram o hábito, adquirido de andar com as calças a cair da cintura. Como é sabido, o Bronx é um bairro pobre, onde a criminalidade era, e é, elevada.

O hip hop foi uma alternativa ao crime para muitos jovens. Deu, e ainda dá voz a quem a não tinha e a quem não a tem. Pela música, os MCs (mike controllers) exprimem-se através de textos que versam assuntos que amiúde se tornaram políticos e controversos. Um bom exemplo das polémicas que o hip hop criou ao longo do tempo resume-se a uma carta que o FBI enviou a Priority Records em que comunicava aos produtores do grupo rap NWA, preocupações relacionadas com os textos do grupo.

Hoje em dia, o hip hop saiu do ghetto onde nasceu e tornou-se numa cultura bastante generalizada e apreciada. O sucesso do hip hop deve-se, em parte, aos textos facilmente compreendidos, mas também, e sobretudo, à música. Como explica Bill Stephney, um guru do rap business, " a centração não era nos textos, era no ritmo, com os DJs a cortar os sons a torto e a direito. O papel do MC era igualar a intensidade da música nos seus textos. Ninguém sabia o que ele dizia. He was just rocking the mike . " Talvez seja essa intensidade da música que faz com que o hip hop tenha sido exportado para todo o mundo, para países como a França, Portugal e aqui mesmo no Canada. E, de certeza, é a música que segundariza os textos, às vezes ofensivos, que certos artistas produzem. No fim, o hip hop pode bem tornar-se uma cultura complexa que, no entanto, acaba por regressar às raízes : a música.