Grandes Nomes,

Tristes Vidas

de
Cidália Silva

Todos favoreceram em seus ofícios
Segundo tiveram das vidas o talento:
Fizeram religiosos exercícios
Em rogarem pelo Regimento,
Que de tão viciado pela ambição e pela mediocridade,
Do bom religioso verdadeiro,
Nem vento teve. (canto X, verso, 150)

Nem glória, nem dinheiro
Na vida , eles nunca possuíram.
A História fê-los grandes
E eles grande fizeram a História!

Bom religioso foi Camões!
Grande poeta da Língua Lusa,
Que da corte foi expulso,
Para a Índia foi exilado.
Entre rixas e duelos, um olho lhe foi tirado.
Com jejuns e indisciplina,
Pelo Regimento foi cantando.

Sua pena era sua cama,
Seus versos, o seu pão
E de amores se embriagava
Ao escrever Lusíadas e Redondilhas!

De um boémio, vadio,
Fez Portugal seu Herói.
Hoje de imensa Glória o cobre,
Mas quanto desprezo, em vida lhe valeu :
A maior alma que deitou Portugal,
Cansada de tanto cantar a gente surda e endurecida,
Como um mendigo se apagou.

Padre António Vieira,
Nosso embaixador internacional!
Aos Peixes fazia sermões
Para os jesuítas não insultar
E à Santa fogueira escapar.
Hoje Imperador da Língua Lusa,
Mas quantos tormentos não passou ,
De caravela em caravela, entre tempestades e escorbuto,
para a Língua não lhe cortarem.

Vil afronta, triste história,
Sofreu D. Francisco Manuel de Melo:
Que pela independência lutou,
Mas honras não ganhou.

Com a liberdade cativa,
A memória a ferir-lhe,
Ia ele escrevendo
Suas dores e traições.

Pois, nem cadeas, nem grilhões,
Mudam do peito as razões.
Razões que a Pátria não viu,
Mas que pela Pátria o fizeram sentir
A ironia do fado,
Que é ser Português!

Fortunado e desgraçado,
Foi o nosso historiador,
Foi fidalgo valoroso, ditoso de seus feitos.
Religioso em seus ofícios,
Embora à missa lá não ir:
Pois queria os padres casados
E os homens iguais!
Criador de crónicas reais,
Bem visto, além fronteiras.
Boa vida ele levou entre reis e humanistas.

Por invejas e ignorâncias,
Sustentadas pela ganância
De Azevedos e Carvalhos,
Jesuítas e companhia,
À cadeia foi parar!

Vinte anos lhe valeu sua fama e amizades,
mas morrendo-lhe a idade com as amizades
E a sua verdade, que aos Altos não agradava,
Do cativeiro lhe fez dádiva.

Ao fogo da Inquisição escapou Damião,
Mas profanado foi seu túmulo
e seus restos incinerados.
Pois mesmo depois de morto,
Sua presença incomodava
a Memória Nacional,
Que ainda hoje nos envergonha!

Poeta cidadão,
De veia romântica et liberal
Para o povo ele escrevia,
Não para cortes ou monarquias.

Dramaturgo revolucionário
Desafiando leis e ideologias
Entre amores e folias
Quer nas letras quer na política

De espírito vasto e aberto
Pelo exílio enriquecido,
Alguns tormentos ele passou
Entre invasões e revoluções.

Um teatro Nacional,
A Garrett deve Portugal
Mas por ser vanguardista,
Vários dramas lhe proibiram.

Pessoa ainda tentou
Alguns centavos resgatar,
Para sua Mensagem enviar
À Pátria onde Camões morreu de fome
e onde todos enchem a barriga de Camões,
de Pessoa e de tantos outros que a Pátria ainda ignora
Viver não é necessário o que é preciso é criar
Criar para a Pátria engrandecer,
Sem mesmo agradecer a esses que a engrandecem!

Nessa terra onde nada se discute,
Onde todos pensam igual,
Ditadura, democracia?
Nosso Nobel que o diga!

Para a Espanha se exilar,
Foi o grande Saramago
Renegado e humilhado,
Por ter sido rejeitado
E sua obra censurada.
Pois em nome de Jesus Cristo,
Todos julgam, mas ninguém reza!

Condenado ele não foi
Porque a fogueira se apagou
Mas a Inquisição ainda cá canta
Para julgar e rejeitar
Os vultos da nossa era!

Poucos foram os escritores
Que em vida sucesso viram,
Fala-se de heróis e de prodígios
Glorificando seus vestígios.
Mas quanto não mais valia,
Um pouco mais de cortesia
Tendo em conta seus talentos
Nunca em vida reconhecidos!

Senhor mande-nos um dia
Em que se cumpra Portugal!
Pois é hora, Pátria Lusa
De acabar esta brincadeira
E de livrar-nos desta cegueira:
Inconsciência nacional!
Que mais dia menos dia.
Nem em Português poderemos ler!