ENTREVISTA A MOTA AMARAL


por
Isabel Gray, Cidália Silva e André Smith





Uma delegação de três estudantes de Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas da Universidade de Montreal entrevistou, no passado sábado, dia 25 de Outubro pelas 11:30 horas da manhã, no Hotel Loews, o Dr João Bosco Mota Amaral, Presidente da Assembleia da República de Portugal que teve a gentileza de conceder-lhe um encontro exclusivo. Foi, para nós, estudantes de Português da Universidade de Montreal, uma honra poder entrevistar a segunda figura do Estado Português. Ficamo-lhe gratos por isso. O Doutor Mota Amaral é um homem inteligente, bem falante e simpático. Assim que nos avistou, veio acolher-nos calorosamente, o que nos encorajou pois, nós estudantes, sentíamos, até ali como cordeiros no meio de lobos….

João Bosco Mota Amaral foi durante cerca de 20 anos Presidente do Governo Regional dos Açores. É de referir que foi Chefe de Redacção da revista Rumo nos longínquos anos de 1965 a 1969. Ainda no domínio do jornalismo, registámos a regularidade das crónicas que foi publicando no Diário de Notícias entre Janeiro de 1996 e Abril de 2002. Escreveu, entre outras, as seguintes obras: O Desafio Insular, 1990; Natal Açoreano (sic), 1993; O Caminho da Vitória, 1994; Autonomia e Desenvolvimento - Um Projecto para os Açores, 1995; Em Louvor de Timor, 2002; A Autonomia dos Açores em Acção.

LUSÓGRAFO: Estamos neste momento a produzir um jornal didáctico O Lusógrafo e, nesse âmbito, lembramo-nos de entrevistar aquele que um dia foi também jornalista e hoje é a segunda figura do Estado Português,neste momento, de visita oficial ao Canadá. Gostaríamos que nos dissesse quais os objectivos da sua visita e as localidades que já visitou ou pensa visitar.

MOTA AMARAL: A minha visita vem na sequência de um convite do Senhor Milican, deputado federal da região de Kingston, Toronto, para participar nas celebrações do cinquentenário da primeira vaga de imigração portuguesa no Canada. Celebrações que entre outras actividades, tiveram lugar na segunda-feira passada, no Parlamento Canadiano, em Otava. Estas comemorações são a prova do respeito e do apreço que a comunidade portuguesa merece no Canadá. Reconhecimento naturalmente merecido, já que, os portugueses, em meio século, deram um notável contributo para o progresso do Canadá. Esta minha visita representa, acima de tudo, um encontro amistoso com as comunidades portuguesas a que me associo para comemorar estes 50 anos de presença portuguesa no Canadá. Não venho pois tratar de assuntos específicos, porque isso cabe aos responsáveis dos governos nacionais e dos governos regionais.

LUSÓGRAFO: Sabemos que já visitou o Canadá por várias vezes. Gostaríamos que nos desse a sua opinião sobre o nosso país.

MOTA AMARAL: O Canadá é um grande país, não só pela sua dimensão geográfica mas também pelas suas potencialidades e capacidades e pelo dinamismo do seu povo. É também uma fonte de exemplos extremamente valiosos, relativamente ao convívio multicultural e multiétnico. Paradigmas que podem servir a experiência de países que, cada vez mais, se constituem como sociedades multiétnicas e multiculturais, como é o caso dos países da Europa, onde o multiculturalismo emerge em toda a sua força.

LUSÓGRAFO: Certamente o senhor Presidente da Assembleia da República sabe que o Governo Português apoia os Estudos Portugueses na Universidade de Montreal, como o fazem também os Governos Italiano, Espanhol, Grego e Alemão que apoiam as suas línguas e respectivas culturas. Vemos frequentemente governantes destes países irem à nossa prestigiada universidade à excepção dos governantes portugueses que, nem mesmo quando foi aprovado o primeiro programa académico de Estudos Portugueses do Quebeque, apesar dos insistentes apelos do Professor e Responsável pelo Programa e das inúmeras chamadas de atenção aos organizadores e responsáveis de tais visitas, se dignaram ir à Universidade de Montreal. A que se deve esse facto?

MOTA AMARAL: É pena que não tenha sido convidado pois de outro modo teria ido. É bom que, de futuro, a Universidade dirija os seus convites aos governantes portugueses, nomeadamente da área da Educação e Cultura e estou convencido que terão certamente, muito gosto em marcar presença na Universidade de Montreal.

LUSÓGRAFO: Não sendo de origem portuguesa estamos a aprender a sua língua e a tomar contacto com as culturas que a falam. Que importância atribui ao facto de haver pessoas como nós, de certo modo embaixadores da língua portuguesa e das culturas lusófonas?

MOTA AMARAL: Acho que é um fenómeno interessantíssimo e sinto-me muito satisfeito por constatar isso. É a prova de que a Língua e Cultura Portuguesas são suficientemente atraentes e têm realmente o seu mistério que entusiasma; a Língua Portuguesa tem a sua beleza e significação ecuménica. É uma das línguas mais faladas no mundo. Sinto-me muito satisfeito por ver que, aqui, no Canadá, em virtude de uma significativa presença de gente portuguesa existe um interesse da juventude pelos Estudos Portugueses.

LUSÓGRAFO: Portugal pescou e pesca o bacalhau em águas canadianas. Sabemos que os bancos da Terra-Nova se estão a esgotar. Neste momento quais são as relações entre Portugal e o Canadá a este respeito?

MOTA AMARAL: A pesca do bacalhau em águas canadianas praticamente desapareceu, pelo que, são poucas as relações que existem entre Portugal e o Canadá nesse domínio. E desapareceu precisamente porque os canadianos defendem as suas reservas com unhas e dentes. Hoje a maior parte do bacalhau que se consome em Portugal vem da Noruega e de outros países nórdicos, onde se pratica a pesca do bacalhau. A antiga frota que vinha todos os anos para as águas da Terra Nova já não existe. Era, de resto, uma pesca muito artesanal.

LUSÓGRAFO: O Senhor Presidente, certamente se lembra do caso do piloto Robert Piché e a sua heróica aterragem nos Açores. Ele já foi homenageado por diversas entidades da aviação civil e políticas do Quebeque e do Canadá. No entanto, o governo português nada fez ainda para homenagear tal feito. Lembramo-lhe que, a bordo, 95% dos passageiros eram Portugueses. Porquê, tão ingrata atitude das autoridades portuguesas?

MOTA AMARAL: Tratando-se de um avião canadiano com tripulação canadiana não é Portugal que tem de homenageá-lo.

LUSÓGRAFO: Tendo em conta o significativo abandono escolar dos jovens das nossas comunidades (e sabemos que, o fenómeno existe também em Portugal) e a manifesta falta de interesse da parte dos jovens luso-descendentes pelos estudos superiores, gostaríamos de saber o que está a ser feito em Portugal para mudar esta lastimável situação.

MOTA AMARAL: É uma situação triste, esta a da desmotivação da gente nova pelos estudos que se vê muitas vezes seduzida pela ilusão de uma vida fácil. Muitos são os jovens que se perdem nos meandros da droga, e de outras misérias dos nossos tempos. Na minha perspectiva, o abandono escolar já não é tão dramático como há tempos que já lá vão, em que as famílias queriam que os filhos fossem trabalhar para ganhar dinheiro. Hoje em dia os jovens estão desmotivados, em relação ao esforço exigido pelos estudos, sobretudo os estudos universitários. É preciso criar condições para que todos os que queiram, possam seguir os estudos superiores. Por outro lado é de lembrar a televisão como um concorrente terrível da escola que molda a cabeça das pessoas, no sentido de pensarem que tudo se consegue sem esforço.

E ficamo-nos por aqui, que o Senhor Presidente tinha à sua espera vários jornalistas de vários órgãos de informação comunitários. Terminamos este nosso encontro, entregando-lhe o jornal Lusopresse, sublinhando a colaboração e apoio que este jornal comunitário tem dado aos estudantes de Estudos Portugueses da Universidade de Montreal, informamo-lo ainda da existência do Carrefour des Jeunes Lusophones du Québec, associação que tem atraído muitos jovens e sobre a qual recaem muitas expectativas.

Não podemos deixar de considerar que esta entrevista nos decepcionou pela maneira vaga e desempenhada como o nosso entrevistado, afável e simpático, é certo, respondeu a algumas das perguntas que lhe fizemos. Nomeadamente, às perguntas relacionadas com a educação dos jovens em Portugal e nas comunidades de luso-descendentes. Se os nossos jovens abandonam os estudo precocemente é porque- no entender de Mota Amaral- estão seduzidos por uma vida fácil sem esforços e mais não ambicionam que a boa vida. Culpadas são a droga, a televisão, a preguiça... Mas, o que fazem as mais altas instâncias do país para mudar esse estado de coisas? – voltamos à carga. Como se diz aqui no Canadá, perante esta questão começou a patinar, pois não nos soube dizer o que, em Portugal, está a ser feito para minorar esta triste situação do abandono escolar e escassa frequência universitária, por parte dos jovens de origem portuguesa.

Mas, o mais absurdo foi quando o interrogámos sobre as razões pelas quais o comandante Piché não tina sido homenageado pelo Estado Português, a segunda figura de Estado Português não nos conseguiu dizer que seria mais logo, precisamente nesse dia, que ele próprio, em nome do Estado Português entregaria a Robert Piché a comenda da Ordem de Mérito. Teria o senhor Presidente da Assembleia da República evitado uma resposta surrealista se tivesse passado os olhos pelo seu próprio programa de actividades. É desolador constatar que um tão importante representante da Nação Portuguesa, tenha uma maneira de pensar tão simplista e tão eivada de preconceitos. O facto desta visita ao Canadá ter um caracter mais amistoso, segundo disse, não impede que seja mais sensível às questões sociais, mais empenhado na difusão e promoção da língua portuguesa, mais esclarecido sobre questões que a Portugal dizem respeito neste grande país da América do Norte.

O nosso encontro, mesmo sendo curto, constituiu uma experiência muito enriquecedora que o jornal Lusopresse e o seu director, Norberto Aguiar permitiu-nos estar ao lado de jornalistas, ainda que por apenas um dia! Ficámos com a sensação de que o trabalho de jornalista é uma tarefa árdua que exige objectividade, saber ler nas entrelinhas, ler o discurso corporal e transmitir aos leitores o verdadeiro sentido das respostas do entrevistado. Finalmente, constatamos que é difícil para um jornalista não jogar com as palavras para dar a impressão desejada e, assim, comprometer-se com a realidade.