Das
cerca de sete mil línguas conhecidas do mundo e das
duzentas e vinte e cinco da Europa, o Português, originário
do latim vulgar lusitânico nasceu na velha Gallaecia
romana, foi levado a dois terços do planeta pelos
portugueses, com os descobrimentos, é hoje falada
por mais de 200 milhões de locutores espalhados pelos
cinco continentes, sendo a segunda língua românica
do mundo, a terceira europeia, mais falada no planeta, a
sexta com maior número de locutores e a quinta com
maior número de países que a têm como
língua oficial. O Português, que já
foi língua franca, é hoje uma língua
culta de dimensão internacional e intercontinental,
falada nos cinco continentes e – como havia predestinado
Fernando Pessoa – é uma das poucas línguas
potencialmente universais do século XXI. É
língua materna dos habitantes de Portugal e do Brasil
e de parte significativa das populações de
Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
São Tomé e Príncipe e Timor Lorosae,
países que a têm como língua oficial.
O Português é também falado nos antigos
territórios de Goa e Macau. Como língua materna
ou segunda é falada pelos membros das várias
comunidades de emigrantes, com um número significativo,
na Europa (França, Alemanha e Luxemburgo), América
do Norte (Canadá e Estados Unidos), América
do Sul (Venezuela) e África (África do Sul),
num total de cerca de quatro milhões e meio de locutores.
O Português é a quarta língua mais usada
na Internet e a segunda na “blogosfera”. Num
outro quadro de estudo linguístico pode considerar-se
que a língua portuguesa pertence a uma das oito grandes
famílias de línguas do mundo, a família
indo-europeia, proveniente dos tempos anteriores à
escrita, que compreende mais de 200 línguas, que
vão das línguas latinas, às germânicas,
das eslavas às do norte da Índia.
Para além
destes dados há ainda a considerar a existência
de crioulos de base lexical portuguesa, resultantes do
contacto do Português com outras línguas
da Índia, da Ásia Oriental, da América
Central e do Sul, de África e, fora dos países
que adoptaram o Português como língua oficial:
o Fa d’Ambu, na Guiné Equatorial, o Bioco
das Ilhas do Ano Bom e Fernando Pó, os crioulos
da Alta Guiné (Casamansa), os da Índia (de
Diu, Damão, Bombaim, Korlai, Quilom, Cananor, Tellicherry,
Cochim e Vaipim e da Costa de Coromandel e de Bengala),
os do Sri-Lanka, antigo Ceilão (Trincomalee e Batticaloa,
Mannar e zona de Puttallam), os da Malásia (Malaca,
Kuala Lumpur e Singapura) e os de algumas ilhas da Indonésia
(Java, Flores, Ternate, Ambom, Macassar), conhecidos sob
a designação de Malaio-portugueses e, finalmente
os crioulos Sino-portugueses (Macau e Hong-Kong), sem
esquecer os crioulos Papiamento de Curaçau, Aruba
e Bonaire, nas Antilhas e o Saramacano do Suriname.
Hoje, a língua portuguesa é uma língua
de trabalho em Organizações Internacionais:
União Europeia (EU) , Mercosul, Unidade Africana
(UA), União Latina (UL) e poderá, ainda,
tornar-se um dos idiomas de trabalho da Organização
Mundial do Turismo.
Quando enunciamos estes dados sobre a língua portuguesa,
quase todos os nossos interlocutores, estudantes, colegas,
amigos mostram-se surpresos, quando não cépticos,
o que nos leva a pensar que as escolas e universidades
onde se ensinam a língua e cultura portuguesas
não abordam a história da língua
que falaram Pessoa, Camões, Machado de Assis, Jorge
Amado, Padre António Vieira, José Craveirinha,
Gabriel Mariano, etc. Não espanta, por isso, o
espanto que sentimos por constatar que uma das línguas
mais faladas do mundo seja constantemente reduzida ao
lugar e papel de uma língua insignificante.
Para a compreensão da importância da língua
portuguesa no mundo, servimo-nos do modelo gravitacional
do linguista Louis-Jean Calvet que permite a representação
das relações entre as várias línguas
do mundo como uma espécie de galáxia constituída
por diferentes estádios de gravitação:
à volta de uma língua hipercentral, o Inglês,
pivô do sistema, gravitam uma dezena de línguas
supercentrais (Espanhol, Francês, Árabe,
Russo, Hindu, Malaio, Português, etc) cujos locutores
quando desenvolvem o bilinguismo, têm tendência
a falar quer a língua hipercentral, o Inglês,
quer uma língua do mesmo nível, uma língua
supercentral. É neste quadro, seguindo ainda Calvet,
que podemos considerar que, por exemplo, um português
aprenda, para além do Inglês, o Francês,
o Alemão ou o Espanhol, que são línguas
supercentrais, mas é pouco provável que
se disponha a dominar o italiano, o holandês que
são, por seu turno, pivôs de uma centena
de línguas centrais que, por sua vez, constituem
o centro de gravitação de seis a sete mil
línguas periféricas.
A projecção deste modelo para uma parcela
de um território, um estado ou um grande conjunto
linguístico, determina o seu nicho ecolinguístico,
espaço de coexistência e, por vezes, de conflitos
entre línguas, no qual podem, eventualmente, intervir
políticas linguísticas, ficando por saber
que lugar nele ocupam as identidades (Louis-Jean Calvet).
Tomemos como exemplo o que se tem passado em Angola, onde
o Português é língua materna apenas
para metade da população concentrada nos
centros urbanos. O resto da população distribui-se
por mais de quarenta línguas, sendo o Umbundu (36
%), o Quimbundo (27 %), o Quicongo (10 %) e o Quinoco
(5 %), as mais importantes. Não havendo uma língua
central, a única forma de entendimento entre as
várias tribos é feita por meio do Português,
língua super-central. A impossibilidade de impor
uma língua como língua nacional, unificadora,
tem, consequentemente, favorecido a expansão do
Português que, cada vez mais, é utilizado
por extractos da população daquele país.
Uma situação ímpar no contexto de
África que só tem paralelo com o contexto
gabonês, em relação ao Francês.
É assim que os angolanos se sentem lusófonos,
através do Português e ovimbundus, quimbundus
e quicongos através das suas respectivas línguas,
sem que alguma assegure a sua identidade angolana.
Face aos dados que acabámos de enunciar podemos
facilmente constatar que a língua portuguesa e
os laços culturais que uma história comum
construiu com os povos que a adoptaram como língua
oficial, é hoje a nossa maior riqueza e deve constituir
a nosso ver, a grande causa nacional deste século.
Por isso, Portugal deve lançar as bases para cimentar
o inestimável património político
e humano constituído por uma comunidade de mais
de duzentos milhões de pessoas que têm, para
lá da pátria de origem, uma pátria
comum que é a da Língua Portuguesa, o que
passa por um duplo desafio: a expansão da língua
portuguesa e a mobilização do potencial
das comunidades portuguesas no estrangeiro, a quem cabe,
igualmente, cuidar da permanência e continuidade
da sua língua. É hora de vencer a timidez,
a incerteza e a confusão em que se deixaram apanhar
os nossos conterrâneos que, abandonados à
sua sorte, nos vários cantos do mundo, ficando
à mercê das políticas ou da ausência
delas, definidas pelos países de acolhimento, se
esqueceram que lhes cabe integrar o movimento nacional
e internacional para a exaltação e defesa
da Língua Portuguesa. Para além do dever
cívico de defender a língua do nosso país
é, igualmente, um prazer proteger um dos mais belos
idiomas do mundo. Experimentar o sabor desta língua
que sai pálida húmida e única entre
os lábios que dizem a morte é como os rios,
como menciona Diogo Pires Aurélio, ou como sugere
Manuel Alegre, fazer de cada verso uma outra geografia,
transformando a língua em algo mais que o falar
por falar, como o desejava Jorge de Sena que se debatia
há três décadas com os problemas com
que, hoje, aqui, nos debatemos: Ouço os meus filhos
a falar inglês entre eles. Não os mais pequenos
só mas os maiores também e conversando com
os mais pequenos. Não nasceram cá, e todos
cresceram tendo nos ouvidos o português. Mas em
inglês conversam, não apenas serão
americanos: dissolveram-se, dissolvem-se num mar que não
é deles. Venham falar-me dos mistérios da
poesia, das tradições de uma linguagem,
de uma raça, daquilo que se não diz com
menos que a experiência de um povo e de uma língua.
Bestas. As línguas, que duram séculos e
mesmo sobrevivem esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguez daqueles que as herdaram (Exorcismos, 1972).
Tem-se verificado que, ao fim de três gerações
de emigrantes, o Português quase é deixado
de falar pelos luso-descendentes em países como
a França e Estados Unidos, talvez porque estes
países promovam o monolinguismo. Deixada de falar,
no interior das famílias, a nossa língua
tende a ser esquecida e, com isso, a emergência
de novos conflitos identitários já que uma
língua é a base de construção
de uma identidade. Esta situação não
se apresenta da mesma maneira no Canadá, sobretudo
no Quebeque, onde se fomenta o plurilinguismo e o multiculturalismo.
De resto esta realidade linguística aparece com
toda a transparência sempre que se reúnem
luso-descendentes, oriundos dos Estados Unidos, Canadá
inglês e Quebeque, sendo estes últimos os
que, naturalmente falam melhor português, vindo
a seguir os do Canadá inglês e, finalmente,
os dos Estados Unidos, onde o português é
o 12º idioma estrangeiro mais falado, com pouco mais
de meio milhão de falantes entre os cerca de 280
milhões de habitantes norte-americanos. Tendo em
conta que residem nos Estados Unidos 1.177.112 pessoas
de origem portuguesa, o número de falantes não
é famoso. É neste contexto que sabe bem
recordar as palavras de Mari Alkatiri, primeiro-ministro
do mais recente país do mundo, Timor Lorosae, o
oitavo país de língua oficial portuguesa,
apesar das investidas fortes do inglês:
Neste mundo global deve haver um esforço em definir
novas fronteiras globais, fronteiras da língua
e da cultura. Como meia ilha que é, Timor-Leste
ganha com a língua portuguesa essa fronteira global
e ampla, que atravessa oceanos e une continentes. Com
a língua portuguesa deixamos de nos sentir apenas
como esta ilha para nos sentirmos parte deste mundo global.
A língua
é, para além de veículo da expressão
de ideias, sentimentos nobres, desejos, uma questão
de estratégia geopolítica, pelo que, fazemos
votos para que todas as Pátrias da Língua
Portuguesa possam neste milénio avançar
por caminhos de progresso e de humanismo, a partir do
uso da 2ª língua românica do mundo,
na velha Gallaecia romana nascida (Fontenla, linguista
e grande estudioso da nossa língua).
Referências
Bibliográficas
Calvet, Louis-Jean
(1999). Pour une écologie des langues du monde.
Paris: Plon
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