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A Língua Portuguesa na Galáxia das Línguas do Mundo e no Ciberespaço

Por
Luís Aguilar

Professor Convidado da Universidade de Montreal e Docente do Instituto Camões
Das cerca de sete mil línguas conhecidas do mundo e das duzentas e vinte e cinco da Europa, o Português, originário do latim vulgar lusitânico nasceu na velha Gallaecia romana, foi levado a dois terços do planeta pelos portugueses, com os descobrimentos, é hoje falada por mais de 200 milhões de locutores espalhados pelos cinco continentes, sendo a segunda língua românica do mundo, a terceira europeia, mais falada no planeta, a sexta com maior número de locutores e a quinta com maior número de países que a têm como língua oficial. O Português, que já foi língua franca, é hoje uma língua culta de dimensão internacional e intercontinental, falada nos cinco continentes e – como havia predestinado Fernando Pessoa – é uma das poucas línguas potencialmente universais do século XXI. É língua materna dos habitantes de Portugal e do Brasil e de parte significativa das populações de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Lorosae, países que a têm como língua oficial. O Português é também falado nos antigos territórios de Goa e Macau. Como língua materna ou segunda é falada pelos membros das várias comunidades de emigrantes, com um número significativo, na Europa (França, Alemanha e Luxemburgo), América do Norte (Canadá e Estados Unidos), América do Sul (Venezuela) e África (África do Sul), num total de cerca de quatro milhões e meio de locutores. O Português é a quarta língua mais usada na Internet e a segunda na “blogosfera”. Num outro quadro de estudo linguístico pode considerar-se que a língua portuguesa pertence a uma das oito grandes famílias de línguas do mundo, a família indo-europeia, proveniente dos tempos anteriores à escrita, que compreende mais de 200 línguas, que vão das línguas latinas, às germânicas, das eslavas às do norte da Índia.

Para além destes dados há ainda a considerar a existência de crioulos de base lexical portuguesa, resultantes do contacto do Português com outras línguas da Índia, da Ásia Oriental, da América Central e do Sul, de África e, fora dos países que adoptaram o Português como língua oficial: o Fa d’Ambu, na Guiné Equatorial, o Bioco das Ilhas do Ano Bom e Fernando Pó, os crioulos da Alta Guiné (Casamansa), os da Índia (de Diu, Damão, Bombaim, Korlai, Quilom, Cananor, Tellicherry, Cochim e Vaipim e da Costa de Coromandel e de Bengala), os do Sri-Lanka, antigo Ceilão (Trincomalee e Batticaloa, Mannar e zona de Puttallam), os da Malásia (Malaca, Kuala Lumpur e Singapura) e os de algumas ilhas da Indonésia (Java, Flores, Ternate, Ambom, Macassar), conhecidos sob a designação de Malaio-portugueses e, finalmente os crioulos Sino-portugueses (Macau e Hong-Kong), sem esquecer os crioulos Papiamento de Curaçau, Aruba e Bonaire, nas Antilhas e o Saramacano do Suriname.

Hoje, a língua portuguesa é uma língua de trabalho em Organizações Internacionais: União Europeia (EU) , Mercosul, Unidade Africana (UA), União Latina (UL) e poderá, ainda, tornar-se um dos idiomas de trabalho da Organização Mundial do Turismo.

Quando enunciamos estes dados sobre a língua portuguesa, quase todos os nossos interlocutores, estudantes, colegas, amigos mostram-se surpresos, quando não cépticos, o que nos leva a pensar que as escolas e universidades onde se ensinam a língua e cultura portuguesas não abordam a história da língua que falaram Pessoa, Camões, Machado de Assis, Jorge Amado, Padre António Vieira, José Craveirinha, Gabriel Mariano, etc. Não espanta, por isso, o espanto que sentimos por constatar que uma das línguas mais faladas do mundo seja constantemente reduzida ao lugar e papel de uma língua insignificante.

Para a compreensão da importância da língua portuguesa no mundo, servimo-nos do modelo gravitacional do linguista Louis-Jean Calvet que permite a representação das relações entre as várias línguas do mundo como uma espécie de galáxia constituída por diferentes estádios de gravitação: à volta de uma língua hipercentral, o Inglês, pivô do sistema, gravitam uma dezena de línguas supercentrais (Espanhol, Francês, Árabe, Russo, Hindu, Malaio, Português, etc) cujos locutores quando desenvolvem o bilinguismo, têm tendência a falar quer a língua hipercentral, o Inglês, quer uma língua do mesmo nível, uma língua supercentral. É neste quadro, seguindo ainda Calvet, que podemos considerar que, por exemplo, um português aprenda, para além do Inglês, o Francês, o Alemão ou o Espanhol, que são línguas supercentrais, mas é pouco provável que se disponha a dominar o italiano, o holandês que são, por seu turno, pivôs de uma centena de línguas centrais que, por sua vez, constituem o centro de gravitação de seis a sete mil línguas periféricas.

A projecção deste modelo para uma parcela de um território, um estado ou um grande conjunto linguístico, determina o seu nicho ecolinguístico, espaço de coexistência e, por vezes, de conflitos entre línguas, no qual podem, eventualmente, intervir políticas linguísticas, ficando por saber que lugar nele ocupam as identidades (Louis-Jean Calvet).

Tomemos como exemplo o que se tem passado em Angola, onde o Português é língua materna apenas para metade da população concentrada nos centros urbanos. O resto da população distribui-se por mais de quarenta línguas, sendo o Umbundu (36 %), o Quimbundo (27 %), o Quicongo (10 %) e o Quinoco (5 %), as mais importantes. Não havendo uma língua central, a única forma de entendimento entre as várias tribos é feita por meio do Português, língua super-central. A impossibilidade de impor uma língua como língua nacional, unificadora, tem, consequentemente, favorecido a expansão do Português que, cada vez mais, é utilizado por extractos da população daquele país. Uma situação ímpar no contexto de África que só tem paralelo com o contexto gabonês, em relação ao Francês. É assim que os angolanos se sentem lusófonos, através do Português e ovimbundus, quimbundus e quicongos através das suas respectivas línguas, sem que alguma assegure a sua identidade angolana.

Face aos dados que acabámos de enunciar podemos facilmente constatar que a língua portuguesa e os laços culturais que uma história comum construiu com os povos que a adoptaram como língua oficial, é hoje a nossa maior riqueza e deve constituir a nosso ver, a grande causa nacional deste século. Por isso, Portugal deve lançar as bases para cimentar o inestimável património político e humano constituído por uma comunidade de mais de duzentos milhões de pessoas que têm, para lá da pátria de origem, uma pátria comum que é a da Língua Portuguesa, o que passa por um duplo desafio: a expansão da língua portuguesa e a mobilização do potencial das comunidades portuguesas no estrangeiro, a quem cabe, igualmente, cuidar da permanência e continuidade da sua língua. É hora de vencer a timidez, a incerteza e a confusão em que se deixaram apanhar os nossos conterrâneos que, abandonados à sua sorte, nos vários cantos do mundo, ficando à mercê das políticas ou da ausência delas, definidas pelos países de acolhimento, se esqueceram que lhes cabe integrar o movimento nacional e internacional para a exaltação e defesa da Língua Portuguesa. Para além do dever cívico de defender a língua do nosso país é, igualmente, um prazer proteger um dos mais belos idiomas do mundo. Experimentar o sabor desta língua que sai pálida húmida e única entre os lábios que dizem a morte é como os rios, como menciona Diogo Pires Aurélio, ou como sugere Manuel Alegre, fazer de cada verso uma outra geografia, transformando a língua em algo mais que o falar por falar, como o desejava Jorge de Sena que se debatia há três décadas com os problemas com que, hoje, aqui, nos debatemos: Ouço os meus filhos a falar inglês entre eles. Não os mais pequenos só mas os maiores também e conversando com os mais pequenos. Não nasceram cá, e todos cresceram tendo nos ouvidos o português. Mas em inglês conversam, não apenas serão americanos: dissolveram-se, dissolvem-se num mar que não é deles. Venham falar-me dos mistérios da poesia, das tradições de uma linguagem, de uma raça, daquilo que se não diz com menos que a experiência de um povo e de uma língua. Bestas. As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem esquecidas noutras, morrem todos os dias na gaguez daqueles que as herdaram (Exorcismos, 1972).

Tem-se verificado que, ao fim de três gerações de emigrantes, o Português quase é deixado de falar pelos luso-descendentes em países como a França e Estados Unidos, talvez porque estes países promovam o monolinguismo. Deixada de falar, no interior das famílias, a nossa língua tende a ser esquecida e, com isso, a emergência de novos conflitos identitários já que uma língua é a base de construção de uma identidade. Esta situação não se apresenta da mesma maneira no Canadá, sobretudo no Quebeque, onde se fomenta o plurilinguismo e o multiculturalismo. De resto esta realidade linguística aparece com toda a transparência sempre que se reúnem luso-descendentes, oriundos dos Estados Unidos, Canadá inglês e Quebeque, sendo estes últimos os que, naturalmente falam melhor português, vindo a seguir os do Canadá inglês e, finalmente, os dos Estados Unidos, onde o português é o 12º idioma estrangeiro mais falado, com pouco mais de meio milhão de falantes entre os cerca de 280 milhões de habitantes norte-americanos. Tendo em conta que residem nos Estados Unidos 1.177.112 pessoas de origem portuguesa, o número de falantes não é famoso. É neste contexto que sabe bem recordar as palavras de Mari Alkatiri, primeiro-ministro do mais recente país do mundo, Timor Lorosae, o oitavo país de língua oficial portuguesa, apesar das investidas fortes do inglês:

Neste mundo global deve haver um esforço em definir novas fronteiras globais, fronteiras da língua e da cultura. Como meia ilha que é, Timor-Leste ganha com a língua portuguesa essa fronteira global e ampla, que atravessa oceanos e une continentes. Com a língua portuguesa deixamos de nos sentir apenas como esta ilha para nos sentirmos parte deste mundo global.

A língua é, para além de veículo da expressão de ideias, sentimentos nobres, desejos, uma questão de estratégia geopolítica, pelo que, fazemos votos para que todas as Pátrias da Língua Portuguesa possam neste milénio avançar por caminhos de progresso e de humanismo, a partir do uso da 2ª língua românica do mundo, na velha Gallaecia romana nascida (Fontenla, linguista e grande estudioso da nossa língua).

 

Referências Bibliográficas
C
alvet, Louis-Jean (1999). Pour une écologie des langues du monde. Paris: Plon


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