Bom dia, minhas senhoras e meus senhores, professora Ana Maria
Fernandes, representante do reitor da Universidade de Brasília,
caros palestrantes e amigos: em primeiro lugar, antes de entrar
no tema a mim atribuído e sobre o qual lavraram um documento
na minha embaixada, recordo que há quatro dias, em uma
outra reunião numa universidade de Ciências Políticas
e Sociais no ramo do Direito Internacional, à minha frente
também se encontravam jovens como os jovens que aqui estou
a ver. Na altura, estavam comigo o diretor-geral de Transações
Bilaterais do meu ministério, dois jovens diplomatas adidos
de embaixadas, e falávamos exatamente sobre relações
diplomáticas bilaterais e o futuro da diplomacia. Este
intróito significa que, com prazer, vejo os mesmos jovens
com a mesma força, com a mesma vontade de saber, e por
isso felicito os organizadores deste evento. É uma dupla
responsabilidade falar neste seminário, porque os senhores
representam o Brasil já de hoje. Não se trata mais
daquelas alegorias de dizer o Brasil de amanhã: é
o Brasil de hoje. E os senhores têm uma grande responsabilidade
— levar este país-continente para o seu caminho,
caminho que, na minha opinião, tem a melhor garantia, a
melhor eficácia e os melhores princípios de nacionalidade
brasileira. Não queria deixar de dizer estas palavras,
porque tenho um prazer imenso de ser embaixador de Portugal neste
país. Amo o vosso país. Tenho dois filhos de vinte
e dois anos que são universitários, e em vocês,
queridos amigos, vejo os meus filhos.
As regras da cortesia mandam que este tipo de intervenções
se iniciem com o agradecimento pelo convite e pelas felicitações
pela bondade da iniciativa. Neste caso particular, permitam-me
que vá além da mera cortesia e que vos dê
conta da sincera honra e do privilégio que constitui para
mim poder estar hoje aqui convosco, nesta verdadeira casa da democracia,
emanação da vontade soberana do povo brasileiro,
para vos falar de língua e de lusofonia. Atrevo-me mesmo
a dizer que só mesmo a Câmara dos Deputados, interpretando
porventura o sentir profundo do povo brasileiro, teria legitimidade
bastante para promover um seminário sobre defesa e proteção
da língua portuguesa, porque defender o idioma é,
como sabemos, defender o que há de mais essencial e mais
profundo numa nação: a sua cultura, a sua história
e a sua identidade. Daí que, não apenas na qualidade
de embaixador de Portugal mas também na de simples cidadão
português, não posso deixar de, antes do mais, vivamente
aplaudir a iniciativa desta Câmara dos Deputados e muito
em particular do deputado Aldo Rebelo ao promover uma troca de
idéias entre tão ilustres personalidades em torno
de algo que constitui, a meu ver, o traço de união
fundamental entre o meu e o vosso país: a língua
portuguesa.
No culminar de uma aventura
histórica iniciada há quinhentos anos por Pedro
Álvares Cabral, começou a construir-se esta portentosa
nação lusófona que é hoje o Brasil.
Cabral foi portador de uma determinada matriz lingüistica,
mas estava decerto muito longe de imaginar que o idioma usado
pelo seu cronista Pero Vaz de Caminha, no extraordinário
relato que fez deste Novo Mundo pleno de maravilhas que apenas
entrevia, haveria poucos séculos mais tarde de tornar-se
elemento constitutivo fundador da grande nação brasileira,
veículo de comunicação de uma das mais fortes,
afirmativas e genuínas culturas do nosso mundo. Acho que
nem mesmo Camões sonharia que, volvidos quinhentos anos,
a língua a que deu forma clássica nos Lusíadas,
haveria de cumprir-se com tamanha pujança nos trópicos;
e que graças à extraordinária criatividade
e plasticidade do povo brasileiro ganhou inovadoras e enriquecedoras
sonoridades, "com açúcar", como dizia
Eça de Queiroz, ou novas e imaginativas expressões
que abriram inexplorados espaços e dimensões para
a nossa língua comum. Tenho uma profunda e sentida admiração
por este país, e não poderia por isso deixar de
começar esta intervenção sem render uma justa
homenagem ao Brasil e aos representantes do seu maravilhoso povo
que são os deputados membros desta Casa.
Feita esta imprescindível
menção prévia, gostaria agora de vos transmitir
a minha contribuição para o debate em torno da nossa
língua comum. Foi-me atribuído o tema: "Aliança
Lusófona". Pedem-me pois que vos dirija algumas palavras
no quadro de uma temática geral intitulada "a Aliança
Lusófona". Ora, a expressão "aliança"
supõe, como sabemos, a constituição de uma
união, uma unidade de vontades e de esforços com
vista à prossecução de um determinado objetivo.
O objetivo, neste caso é, claro está, a Lusofonia,
sendo que a referida união de vontades nesta luta pela
lusofonia seria então constituída por uma aliança
entre os povos que partilham a mesma matriz lusófona. Temos,
portanto, assim estabelecida e definida uma "aliança"
que se supõe que congregaria os sete países que
falam português, unidos na prossecução de
um determinado escopo: a Lusofonia, entendida como um largo espaço
multicultural lingüístico comum aos sete países
lusófonos e que cumpriria dessa forma solidificar e promover
ativamente.
Mas, perguntarão,
tratar-se-á de uma "Aliança" contra alguém
ou alguma coisa, ou então porventura de uma aliança
defensiva em face de um suposto ataque já desferido ou
a desferir por uma qualquer entidade externa. Estaremos porventura
aqui a tratar de uma "Lusofonia" acossada, cercada e
que desesperadamente procura defender-se de um inimigo externo,
real ou imaginário? Como certamente já adivinharam,
a minha resposta a esta interrogação de base é
negativa. Bem sei que a comunicação social nos repete
diariamente a famosa palavra "globalização",
com todo o suposto rol de atentados à nossa identidade
cultural a ela associada. Também sei que eminentes acadêmicos
e pensadores tentam regular e pacientemente explicar-nos o fenômeno
a que chamam de "globalização". E por
extensão, o fenômeno da "globalização
lingüística". Uns para "diabolizá-la",
outros para "endeusá-la", e outros ainda para
reduzir a dita a um dado de fato deste final de milênio
com o qual estaríamos inelutavelmente condenados a conviver.
Levando até às últimas conseqüências
o seu raciocínio, alguns estudiosos consideram que no plano
lingüístico a "globalização"
se consubstancia numa espécie de triunfo final da língua
inglesa "globalizada" sobre todos os outros idiomas
do planeta, pelo efeito inevitável de uma lei econômica
liberal que, aplicada à língua, traçaria
um cenário de competição lingüística
à escala planetária, com um vencedor pré-anunciado:
a língua esperantista do século XXI, o inglês
"globalizado".
Neste cenário competitivo
de vitória antecipada do mais forte ou, neste caso, do
idioma mais forte, à língua portuguesa estaria reservado
um mero papel de eventual fornecedor de algumas expressões
a esse "inglês universal" que a prazo seria inevitavelmente
falado por toda a humanidade. Como todas as restantes línguas,
ao português nada mais restaria então do que serenamente
desaparecer e orgulhosamente juntar-se a outras relíquias
do passado como o latim ou o grego antigo. Este exagerado quadro
de catástrofe para o patrimônio cultural da humanidade
que, porventura com excessiva e cruel ironia, acabo de traçar,
não deixa de ser destituído de senso para os cegos
adeptos da dita "globalização lingüística".
Contra tal futuro trágico para o nosso idioma, deveríamos
pois imediatamente constituir uma "guerreira Aliança
Lusófona", destinada a "combater" determinada
e desesperadamente pela própria sobrevivência cultural.
Devo dizer, no entanto, desde já, que não acredito
de modo nenhum em semelhante cenário futuro tão
empobrecedor culturalmente para a humanidade.
Em primeiro lugar, não
podemos obviamente perder de vista a noção de relativismo
histórico de tudo isto. A antes referida "globalização
lingüística" em favor da língua inglesa,
tida já por alguns como uma autêntica visão
de futuro, não passa com efeito de um epifenômeno
dos últimos 30 ou 40 anos. Não esqueçamos
nunca que a nossa própria língua portuguesa foi
durante dois séculos a "língua franca"
de comunicação nos mercados extra-europeus, desempenhando
exatamente o mesmo papel globalizador que hoje tem o inglês.
De Salvador a Nagasaki, passando por Luanda, Calicute, Málaca
e Macau, o português foi durante os séculos XV e
XVI o idioma obrigatório de comunicação para
qualquer mercador, fosse ele flamengo, árabe, indiano ou
japonês, que desejasse comercializar nos portos mercantis
da então apenas esboçada "globalização".
Temos de lembrar, talvez num parênteses, que a primeira
globalização — e todos os senhores sabem disso
— foi feita pelos romanos com o latim, na minha opinião,
e, mais que tudo, com a moeda global, que foi a moeda romana para
toda a Europa, e que a segunda globalização foi
feita, como sabem, pelos portugueses quando deram a volta ao mundo.
Portanto, para nós, não é nada novo. Não
esqueçamos também o papel estruturante como segundos
idiomas que em diferentes momentos do passado recente línguas
de império como o alemão ou o russo desempenharam
na Europa, ou a função de irradiação
civilizadora que o árabe ou o chinês continuam a
desempenhar nos dias de hoje. Não esqueçamos também
ainda que o tratado que pôs fim à Primeira Guerra
Mundial, há pouco mais de 80 anos, foi unicamente redigido
em francês, pela simples razão de que aquele era
então o idioma quase exclusivo da diplomacia de Estado
e ninguém achou necessário traduzi-lo para outras
línguas.
Em segundo lugar, porque
o efeito tendencialmente globalizador que a língua inglesa
hoje de fato exerce se situa apenas no plano do estabelecimento
de um meio de comunicação universal, ou se preferirem
"global", entre povos de todos os pontos do planeta.
Imposto pelas próprias realidades do atual sistema econômico
mundial de mercado aberto e pelas novas tecnologias da informação,
este "esperanto" da pós-modernidade surge como
linguagem universalizante unificadora da "babel" lingüística
do planeta. Porém, não deixemos que a Internet nos
iluda quanto ao suposto império da língua inglesa,
porquanto, se bem que esta tenda de fato a estabelecer-se como
idioma universalista, a sua função de comunicação
global não substitui nem muito menos anula a função
primordial de fortes línguas nacionais, em particular de
línguas plurinacionais e pluricontinentais, como é
o caso da língua portuguesa. Adiante-se, desde já,
que até mesmo na Internet o português ocupa a muito
honrosa posição de quarta língua mais usada
naquele universo cibernético, com mais de 4 milhões
de utilizadores, dos quais 700 mil em Portugal.
De fato, até mesmo
os norte-americanos sentem necessidade de aprender línguas
estrangeiras. Por quê? Certamente porque dentro dos próprios
parâmetros de análise da chamada "globalização"
chegaram à conclusão de que o mundo cada vez mais
competitivo em que vivemos exige o domínio não apenas
da língua de tendência universalista, mas também
de uma ou mais línguas estrangeiras complementares —
para além obviamente da língua materna. Só
dessa forma o homem moderno poderá ser verdadeiramente
competitivo. Muitos dos que aqui estão com certeza já
estiveram em Nova Iorque e verificaram como se ouve falar português,
como se ouve falar espanhol, na Quinta Avenida. E se formos a
Miami, talvez se ouça falar mais espanhol do que inglês.
Os senhores também já notaram que não são
apenas os diplomatas estrangeiros em serviço em Brasília
que falam português. Os empresários estrangeiros
que aqui se instalam decidem imediatamente aprender a língua
de Machado de Assis, porque consideram sem dúvida indispensável
o domínio da língua portuguesa para melhor rentabilizarem
os seus investimentos.
O mundo que se desenha para
o século que aí vem não será, a meu
ver, redutoramente um mundo bilíngüe — língua
nacional mais o inglês norte–americano — mas
sim um mundo trilíngüe ou até mesmo multilíngüe.
A "globalização" em construção
vai-se fazer não somente em torno da superpotência
global, representada pelos Estados Unidos da América, mas
sim de forma multipolar, em torno de diferentes blocos econômicos,
regionais/continentais e em torno de blocos culturais/lingüísticos.
O Brasil e Portugal participam ativamente na construção
de fortes blocos de integração econômicos,
respectivamente o Mercosul e a União Européia, e
vão edificar um forte bloco cultural/lingüístico
que vai ser a CPLP. Por que razão é que Portugal,
quando em finais dos anos oitenta iniciou o processo de internacionalização
da sua economia, decidiu que o destino estratégico fundamental
do seu investimento seriam os países de língua portuguesa
e em particular o Brasil? Pela simples razão de que a partilha
de uma língua comum lhe dá, à partida, uma
vantagem competitiva importante em relação aos restantes
países investidores no mercado brasileiro.
É, pois, por todas
estas razões que defendo a idéia de que a "Aliança
Lusófona" que pretendemos construir não deve
ser nem timidamente defensiva, nem desesperadamente agressiva,
mas sim, serenamente afirmativa. Para tanto, contamos com uma
base de partida extremamente sólida:
- Somos quase 200 milhões
de falantes, com a imensa maioria deles sendo brasileiros, como
sabemos. Este fato faz da língua portuguesa a terceira
língua ocidental mais falada no mundo, depois do inglês
e do espanhol.
- Estamos em todos os continentes,
com uma forte presença em África que faz da nossa
língua, a par do árabe, do inglês e do francês,
um dos quatro idiomas oficiais da Organização de
Unidade Africana. Contamos com importantes pontos de permanência
na Ásia, como Macau e Goa, já para não falar
do futuro oitavo país da CPLP que vai ser o Estado de Timor
Loro Sae, a meio caminho entre a Ásia e a Oceania.
- Pelo número de falantes
somos hoje, repito, a terceira língua mais falada do ocidente,
depois do inglês e do espanhol. A constatação
desse fato faz com que Portugal se bata no seio da União
Européia para que o português seja definido como
uma das quatro línguas estratégicas européias,
se acrescentarmos o francês aos três idiomas antes
referidos. Orgulhosamente e por direito próprio estamos
pois entre os quatro maiores blocos lingüísticos de
matriz ocidental no mundo. Trata-se de uma enorme responsabilidade
para todos, da qual temos de saber estar à altura, pois
assim o exigem os povos que falam a nossa língua.
- A Lusofonia atravessa hoje
um extraordinário momento de pujança e de afirmação
cultural à escala mundial que não é possível
escamotear. A notável vitalidade das literaturas nacionais
lusófonas é um fato indesmentível que o nosso
Nobel da língua portuguesa, atribuído a José
Saramago, apenas veio confirmar. Nomes como Craveirinha ou Pepetela,
em África, e Nélida Piñon ou João
Ubaldo Ribeiro, no Brasil, só para falar de escritores
em atividade, são hoje figuras incontornáveis da
literatura mundial, sem esquecer evidentemente esse grande vulto
da poesia universal que acaba de nos deixar e que foi João
Cabral de Melo Neto. Na música, se Gilberto Gil ou Milton
Nascimento continuam a suscitar admiração e sucesso
mundiais, o êxito extraordinário que Cesária
Évora tem conhecido, cantando em crioulo português
da pequena ilha cabo-verdiana de S. Vicente, sem esquecer os portugueses
"Madre Deus", são a prova cabal de que a música
cantada em português já conquistou o seu espaço
no mercado globalizado.
- E, finalmente, dispomos
de instrumentos institucionais multilaterais já constituídos,
capazes de conferir uma base de sustentação sólida
à desejada "Aliança Lusófona" que
pretendemos construir:
- Com efeito, em julho de
1996 foi constituída em Salvador por Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e S. Tomé
e Príncipe, a Comunidade de Países de Língua
Portuguesa — CPLP. No documento estatutário fundador
da CPLP, logo se estipula expressamente que a organização
internacional nascente assenta em três pilares de base,
a saber: a concertação político-diplomática;
a cooperação para o desenvolvimento; e a promoção
e difusão da língua portuguesa. Este terceiro pilar
é justamente aquele que, por uma razão ou por outra,
menos tem sido desenvolvido. Legitimamente preocupados em acudir
a candentes problemas internos, tidos como prioritários,
alguns países-membros da CPLP terão porventura descurado
este vector essencial da política externa. Em julho próximo,
realiza-se em Maputo, Moçambique, a III Reunião
Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP. De acordo com
os mecanismos de renovação periódica da estrutura
interna da organização, Brasil e Portugal irão
assumir os lugares de, respectivamente, secretário-executivo
e secretário-executivo-adjunto.
Portanto, essa grande instituição
que é a CPLP terá um secretário-executivo
brasileiro e eventualmente um secretário-executivo-adjunto
português, cargo que poderemos delegar a um outro país,
se acharmos conveniente, por razões de coordenação
e consolidação internas, mas o secretário-executivo
— repito — será um brasileiro.
A Cimeira de Maputo será
histórica, a vários títulos. Em primeiro
lugar, porque se tratará da primeira reunião magna
da Lusofonia que se realizará em África, e em segundo,
porque contará com a presença de Xanana Gusmão
— o Nelson Mandela do mundo lusófono — em representação
do heróico povo de Timor. Julgo que se tratará,
pois, de uma oportunidade única para dar um impulso decisivo
ao nosso bloco da Lusofonia em formação, especialmente
no que respeita à vertente da defesa e promoção
da língua portuguesa.
- O Instituto Internacional
da Língua Portuguesa — IILP — criado no quadro
do referido terceiro pilar da CPLP, começa também
apenas agora a dar os primeiros passos, apesar do projeto ter
sido lançado ainda em 1989, na conferência de São
Luís do Maranhão, pelo então presidente da
República e hoje ilustre e estimado senador José
Sarney. Embora convidado, infelizmente o doutor Mário Fonseca,
diretor-executivo do IILP, não poderá estar aqui
conosco hoje para vos relatar as dificuldades por que ainda passa
o processo de instalação do Instituto, a edificar
na cidade da Praia em Cabo Verde. Trata-se, do meu ponto de vista,
de uma instituição fundamental para a planificação
e prossecução de políticas conjuntas de promoção
e difusão da língua portuguesa no mundo, a que urge
dar corpo, se não quisermos deixarmo-nos ficar irremediavelmente
para trás na batalha pela promoção coordenada
da nossa língua comum.
A terminar esta já
longa intervenção e sem querer cansá-los
com fastidiosos números ou estatísticas, permitam-me
que lhes descreva agora um pouco do que consiste a contribuição
do meu país para a nossa "Aliança Lusófona".
Portugal, no prosseguimento
de uma política seguida desde os anos setenta, procura
desenvolver uma ação externa de difusão e
ensino da língua portuguesa que é hoje uma vertente
basilar da própria política externa portuguesa.
O Instituto Camões, integrado no ministério dos
Negócios Estrangeiros, é o órgão público
responsável pela condução dessa política
externa da língua. Temos o privilégio de contar
com a participação neste seminário do presidente
do Instituto, professor Jorge Couto, — aqui presente e muito
obrigado pela sua presença — que terá certamente
oportunidade de vos dar pormenorizadamente conta da ação
de Portugal no domínio da difusão da língua,
mas tomo a liberdade de vos adiantar que se trata de dezenas de
leitorados e de centros culturais e de estudo e ensino do idioma
que Portugal apoia direta ou indiretamente, um pouco por todo
o mundo. Trata-se de um esforço financeiro muito significativo.
A nossa ação,
como é natural, tem especial incidência na Europa
e em África. Na Europa, dado que é o espaço
político-econômico onde nos inserimos no quadro da
União Européia, embora o crescente interesse pela
aprendizagem do português na Europa extra-comunitária
faça com que não possamos também descurar
o apoio a países da Europa Central e Oriental, onde centenas
de estudantes aprendem a falar português. E África,
porque aí está também o futuro da nossa língua.
O português é um idioma em constante expansão
em África, graças em grande medida à ação
dos governos dos novos Estados africanos de língua portuguesa
que sentiram logo no momento da independência que a língua
era um indispensável fator de unidade nacional e desenvolveram
meritórios programas de ensino do português, inclusivamente
nas áreas mais remotas dos respectivos países.
Lembrem-se de que temos visto
na televisão, nessas ocorrências horríveis
de Moçambique, que toda aquela gente fala português.
E é em português que se diz "socorro" e
é em português que se dá apoio. Só
para vos dar uma idéia, Portugal prepara-se para despender
este ano nos diversos programas de cooperação com
os países africanos de língua portuguesa cerca de
250 milhões de dólares norte-americanos, sendo que
uma parte significativa deste montante se destina aos setores
da educação e da cultura. Também no continente
americano estamos presentes, embora, se pensarmos em termos de
divisão de tarefas, este seja um continente no qual o Brasil
está particularmente vocacionado para atuar, em especial
no quadro do Mercosul. A título ilustrativo, refira-se
que Portugal tem neste momento em curso com a Argentina um importante
programa de formação de professores de português.
Sabemos que no interior do Mercosul se encontram em preparação
importantes programas de cooperação no domínio,
do ensino do português e do espanhol. Modestamente, Portugal
está disponível para colaborar nesse trabalho de
ensino da língua.
Todo este esforço
empreendido por Portugal implica significativo dispêndio
financeiro e, embora estejamos conscientes de que se trata de
uma vertente essencial da política externa que nos traz
algum retorno em termos da afirmação externa do
Estado, obviamente que o meu país tem recursos limitados
dimensionados à sua própria escala e não
pode por isso satisfazer sozinho a crescente procura pelo ensino
do português e pela cultura de língua portuguesa
que notamos um pouco por todo o mundo. Daí que, se desejamos
construir uma verdadeira "Aliança Lusófona",
é imperioso criar mecanismos de coordenação
e congregação de esforços com os restantes
parceiros da CPLP, designadamente com o nosso "irmão
maior" da língua portuguesa, que é o Brasil,
sob pena de estarmos condenados a dispersar inutilmente esforços
e iniciativas.
Parece-me assim, por tudo
o que antes procurei expor, ser imprescindível que Portugal
e o Brasil coordenem estreitamente uma política comum para
a defesa e promoção da língua portuguesa.
Podemos mesmo estabelecer metas concretas para esta verdadeira
parceria estratégica, base da tal "Aliança
Lusófona", que seriam as de fazer do português
a terceira língua mais falada nos continentes americano
e africano e, como segunda língua, um dos cinco idiomas
mais falados no continente europeu, num prazo curto de cinco anos.
Trata-se de metas perfeitamente alcançáveis, em
face da base já existente, se houver vontade política
bastante para o efeito.
Na Ásia temos neste
dealbar de milênio uma oportunidade única de colocar
à prova essa "parceria estratégica" luso-brasileira
no domínio da língua, cujos objetivos acabo sumariamente
de traçar. De fato, a meio caminho entre a Ásia
e a Oceania, situa-se o futuro oitavo membro da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa que em breve será
o Estado soberano de Timor Loro Sae. Os dirigentes máximos
e designadamente o Presidente do Conselho Nacional da Resistência
Timorense, Xanana Gusmão, daquele território em
pleno processo de autodeterminação e reconstrução
nacionais, já declararam que a língua oficial de
Timor Leste deverá ser a língua portuguesa. Porém,
como sabemos, em resultado de 25 anos de ocupação
indonésia, na qual o uso do português esteve proibido,
— é inacreditável, mas eles proibiram o ensino
do português — , há uma larga faixa da população
mais jovem que não fala português. Há assim
um imenso trabalho de reaprendizagem da língua, símbolo
e razão de identidade nacional desse novo estado lusófono,
que urge realizar. Tratar-se-á de um esforço gigantesco
que porá decisivamente à prova a nossa "Aliança
Lusófona". Portugal encontra-se a montar no terreno
um extenso e alargado programa de ensino da língua portuguesa.
Também o Brasil já anunciou que quer participar
na reconstrução de Timor, tendo elegido como área
prioritária de intervenção exatamente o ensino
da língua portuguesa. Nesta medida, julgo que é
pois chegada a hora de o Brasil e Portugal assumirem a responsabilidade
conjunta de devolverem a Timor a identidade cultural que lhes
foi roubada no passado através de uma ação
coordenada e concertada de difusão da nossa língua
comum. O sr. presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso, na visita que acaba de realizar a Portugal, assumiu de
resto o compromisso público de construir conjuntamente
com o meu país uma parceria no domínio do ensino
e difusão da língua portuguesa em Timor.
Permitam-me assim que termine
com o seguinte repto: façamos de Timor o grande elemento
fundador da nossa "Aliança Lusófona",
uma aliança serena, mas afirmativa, feita com base numa
herança cultural e lingüística comum que aceita
no seu seio a diversidade multicultural enriquecedora que lhe
é própria, sem perder de vista o sentido partilhado
da História e do futuro. Muito obrigado.