Le Cinéma d'Elizabeth


O CINEMA DE ROBERT BOIVIN


Por
Luís Aguilar


Em Le cinéma d'Elizabeth, o autor narra acontecimentos fictícios que poderiam ser protagonizados por portugueses, por italianos ou mesmo russos. É o aspecto universal da obra do Director da Cinémathèque, Rober Boivin. Ao contrário de um documento histórico em que a pesquisa antecede a descrição, na escrita literária, muitas vezes o escritor, ainda que na posse de elementos de partida, descobre o que narra no momento em que escreve. Não é aqui o caso. Robert Boivin parte para a escrita com uma ideia fixa: é de portugueses que quer falar e apenas numa ou noutra página podemos, num ou noutro diálogo, reconhecer alguns clichés do Portuguese way of life, entre o real e o irreal. O autor projecta, primeiro na vida das pessoas que retrata e depois no próprio livro, a sua própria
história. Podia ser autobiográfico. Podia ser sobre a vida dos portugueses em Montreal. Podia ser sobre uma família italiana do estilo feios, porcos e maus. Podia ser sobre a droga, a loucura e a morte. Podia ser sobre conflito de gerações. É tudo isto e não chega a ser nada disto.
No Cinéma d'Élizabeth é-nos descrita a figura da mãe portuguesa, opressora, bacoca e déspota, que cria uma filha que absorve dela os valores essenciais, mau grado bater com a porta e partir a louça, refugiando-se nas histórias doces e no cinema colorido. Robert Boivin confirma-nos o círculo fechado a que mãe e filha se condenaram e revela-nos que a Elizabeth também sou eu. Fiz uma espécie de catharsis quando escrevi este romance. Quanto mais a Élizabeth deforma a realidade, mais perto fica da mãe e, paradoxalmente, mais se distancia dela. Eu também fugi para a literatura e o cinema. E tal como eu a heroína da minha história está na realidade e de repente cai nos sonhos. Inspirei-me em Buñuel. Escrever um livro é uma óptima desculpa para fazer coisas que não ousaríamos normalmente, confessa-nos Robert Boivin para quem o Cinema e a Literatura são duas entre outras paixões, como a das bicicletas, por exemplo, já que o autor na altura em que escreveu O Cinéma d'Élizabeth era vice-presidente do Le Groupe Vélo. Quando não está em cima da bicicleta, pedala da literatura para o cinema. O Cinéma d'Elizabeth conduziu-o ao cargo de Director da Cinémathèque Québécoise. Como um pintor- confessa- Olhei a realidade, juntei os bocadinhos e talvez um pouco preguiçosamente tirei o que havia à volta do essencial. E isto, quanto a nós, mata um romance porque lhe retira o contexto.
Robert Boivin, escreve um romance de comadres, tirado de situações e personagens reais e como uma espécie de biografia, de amigos e vizinhos portugueses pegou nisto tudo e deformou a realidade a seu bel-prazer.
Sempre receei escrever sobre os portugueses pois não faço parte desse grupo e tenho medo que me digam que não compreendo nada sobre a sua vida. No livro falo de alguns portugueses concretos e não dos portugueses em geral. É como no Dr. Jivago: é um filme sobre russos mas não sobre a Rússia. Não estive preocupado em descrever a comunidade portuguesa mas pessoas comuns, seres humanos. Quis falar de problemas sociais dos jovens que não se revêm na generalidade dos romances. A heroína é igualmente diferente do que habitualmente nos é dado a conhecer. É uma intelectual, o que na América do Norte é considerado pejorativo. Quis fazer de Élizabeth uma intelectual activa. Também há escritores activos e não só ratos de biblioteca.
Em resumo, é um livro que se lê muito bem, que relata a vida de bairro, protagonizada por jovens, que podiam ser de qualquer outra nacionalidade e ao mesmo tempo não poderiam ser de outra nacionalidade ou origem que a portuguesa.
Ao autor desejamos que veja o seu Cinéma d'Élizabeth publicado em português e projectado na tela, interpretado por São José Lapa, Maria de Medeiros e Joaquim de Almeida. En attendant seria bom que neste ano da Graça de 2003, em que se comemoram os cinquenta anos da primeira vaga de imigração portuguesa no Canadá, se procedesse à tradução de O Cinema da Isabelita.