EM ANGRA DO HEROÍSMO, NA ILHA TERCEIRA, NOS AÇORES


JOVENS LUSO-CANADIANOS DESCOBREM RAÍZES

Fotos de José Gabriel Ferreira e Vitália Rodrigues


Por
Vitália Rodrigues




Alzira Silva e Ana Cristina Ribeiro


Artur da Cunha Oliveira


Luís Aguilar, Manuela Marujo, Miguel Noronha e Aida Baptista

Joseph da silva, Artur da Cunha Oliveira, Miguel Noronha e Mário Silva

Aida Baptista, Nellie Pedro, Miguel Noronha e Manuela Marujo

Luís Aguilar e Maduro-Dias

Denis Bellemare


Irene Blayer


José Carlos Teixeira

Maria Eduarda Duarte


Diniz Borges e Álamo Oliveira


Musical Dia de São Vapor de Luís Bettencourt na Praia da Vitória


João Martins, Ana Cristinha Ribeiro e Álamo Oliveira


Rita Dias


Cidália Silva, comunica num óptimo português com sotaque de Rabo de Peixe

Pode considerar-se ter sido um êxito significativo o Encontro Raízes Açorianas-Canadá 50 Anos Depois, promovido pela Direcção Regional das Comunidades, de 9 a 15 de Julho de 2003, em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, na Região Autónoma dos Açores e que visava o contacto dos luso-canadianos com as suas origens açorianas. Um êxito, porque, inegavelmente, a todos - participantes, conferencistas, organizadores- satisfez, emocionou, alegrou, uniu.

Um bom e empenhado grupo de 36 jovens, escolhidos, a dedo, por entre um número elevado de candidaturas, um bom grupo de conferencistas de variadas disciplinas e uma boa logística, não chegam para, por si só, justificar o referido êxito.

Uma equipa organizadora, diria, dinamizadora, empenhada e militante, uma adequada política de promoção e difusão dos Açores no exterior, onde vive, não esqueçamos, a décima e mais populosa ilha do arquipélago, uma liderança sensível, culta, sensata e de manifesto bom senso e bom gosto são, quanto a nós, as razões principais do êxito alcançado com o Raízes, este ano consagrado aos jovens de origem açoriana, residentes no Canadá, onde as várias comunidades lusas comemoram, um pouco por todo esse país da América do Norte, o cinquentenário da chegada da primeira vaga oficial de emigrantes ao Canadá. A continuidade da nossa língua e cultura nos países para onde emigraram portugueses, em geral, e açorianos, em particular, é a preocupação dominante da Dra. Alzira Silva, directora regional das Comunidades: Agora que a emigração de açorianos é residual, essa continuidade reside nos jovens.

O percurso centenário da diáspora açoriana, no domínio da emigração, sobretudo para o Brasil, no início, para Santa Catarina, depois, para os Estados Unidos e, por último, para o Canadá, foi permanentemente referido pelos conferencistas, deixando a pergunta no ar: Por que, para além das estafadas e concretas razões económicas, tanto partem os açorianos ? Uma hipótese de resposta viria a ser dada, mais tarde, por Artur da Cunha Oliveira, no decorrer da sua, empolgante segunda intervenção, sobre Instituições Autonómicas Regionais: Desde os primórdios da emigração que os Açores são apenas um ponto de transição, um ponto de passagem e não um ponto a atingir. Assim, os açorianos são, no seu mais profundo inconsciente colectivo, homens e mulheres do continente e não insulares.

A Língua e Cultura Portuguesa - Factores de União, foi o tema proposto para o painel que juntava os universitários Manuela Marujo, Aida Baptista e Luís Aguilar. Este professor da Universidade de Montreal pôs em evidência a importância da Língua Portuguesa, como uma língua supercentral na galáxia das línguas do mundo, enquanto que as professoras da Universidade de Toronto abordaram a importância dos avôs e avós na preservação da cultura e da língua portuguesas e que são um indiscutível traço de união entre a sociedade de origem e a sociedade de acolhimento.

Joseph da Silva, Cunha Oliveira e Mário Silva questionaram-se sobre a importância política dos jovens na sociedade canadiana e açoriana, contando as suas histórias de vida, paradigmáticas, porque bem sucedidas. Artur da Cunha Oliveira, mais paternalista, Joseph da Silva, espontâneo, castiço e emotivo e Mário Silva, pragmático e militante. Teria ficado bem neste retrato Nellie Pedro, Aida Baptista e Manuela Marujo que, ao fim e ao cabo, trataram o mesmo tema, com uma cor, digamos, mais feminina: A Importância da Participação Cívica e o Envolvimento dos Jovens na Comunidade. É por demais evidente que estes dois temas configuram a mesma problemática, pelo que, é ilógico separá-los. Mais inusitado e, porventura sintomático, é fazer grupinhos de homens e mulheres, separadamente, para tratarem o mesmo tema. Queiram ou não, a participação cívica e a participação política são indissociáveis e, separar os discursos em homens e mulheres, confere uma tonalidade e uma dissonância que subtrai as polaridades, tão essenciais a qualquer debate actual.

Para se compreender e conhecer os Açores de hoje, é necessário não esquecer dois temas fundamentais, a Geografia Física e Humana dos Açores e a Econonia e a Sociedade Açorianas, temas apresentados com grande dinamismo, respectivamente, por Helena Calado e Carlos Corvelo.

Francisco Maduro-Dias, aqui com Luís Aguilar, para além de anfitrião do Museu de Angra do Heroísmo, do qual é director, conduziu-nos através da História dos Açores: Não temos provas exactas de quando é que as ilhas dos Açores foram visitadas pela primeira vez. Alguns mapas da Idade Média demonstram que já se conhecia a existência das ilhas, mas só a partir de1424 é que estas são referidas com mais precisão e, finalmente, numa carta de Gabriel de Valsecca de 1439 pode ler-se: "Estas ilhas foram descobertas por Diogo de Silves (ou Sunis?), navegador do Rei de Portugal, no ano de 1427".


Denis Bellemare, professor da Universidade do Quebeque em Chicoutimi, que se encontrava, por acaso, de férias nos Açores, não quis perder a oportunidade de participar neste encontro. Conhecedor e promotor do Cinema Português no Quebeque disse, em muito bom português, que aprendeu em Lisboa e na Universidade de Montreal: O Cinema Português actual revela uma surpreendente pluralidade de perspectivas para uma quase inexistente cinematografia, permanentemente em perigo, onde vários cineastas, enfrentam o desafio de explorar os grandes fundamentos do pensamento português, nas suas vertentes, histórica e contemporânea.

Irene Blayer, professora da Universidade de Brock no Ontario, que tanto tinha para dizer e não o pôde inteiramente, já que - diz - transferiram-lhe o espaço-tempo da comunicação para um tempo menos apropriado e reduzido a metade. O que Irene Blayer comunicou, no essencial, é que o português falado nos Açores é fruto do cruzamento do português trazido, sobretudo, do Algarve e do Alentejo e de estrangeiros (franceses), donde resulta a variedade dos falares que se ouvem nos Açores. Numa dessas variantes, por exemplo, não se pronunciam os ditongos. Noutra o som francês "ü" levado para os Açores pelos gauleses persiste ainda hoje. Particularidades dos vários falares açorianos que merecem o maior respeito, na opinião da eminente professora universitária.

José Carlos Teixeira, professor da Universidade de Toronto, apresentou o resultado de um estudo exploratório sobre os jovens no Canadá a que ele e Armando Oliveira, deram o nome Novas Gerações - Novos e Velhos Desafios. Esse estudo, que teve a participação de 354 jovens portugueses (110 de Montreal e 244 de Toronto), confirma que a ambivalência cultural - a dupla identidade cultural - constitui, para os inquiridos, o seu maior dilema. Com efeito, segundo o estudo realizado, a questão da identidade cultural provoca em alguns jovens portugueses graves conflitos identitários. Quase um terço dos inquiridos (31,1%) considerou-se luso-canadiano e outros 24,6% consideraram-se portugueses. Outros consideraram-se açor-canadianos (14,1%) e canadianos (13,3%). Confirma ainda o estudo, a biculturalidade dos portugueses de Toronto (portugueses e canadianos) e a triculturalidade dos luso-descendentes de Montreal (Portugueses, Açorianos e Quebeco-Canadianos).

Maria Eduarda Fagundes Duarte, professora de Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, provocando ruptura com as abordagens politicamente correctas, debruçou-se sobre os Projectos de Identidade no Tempo do Futuro. E aos jovens disse-lhes: falem mal, mas falem, português da maneira que puderem mas, sobretudo, desenvolvam projectos consistentes e sustentados.

No decorrer do Encontro foram apresentados os livros On a Leaf of Blue, uma antologia bilingue de poesia açoriana, organizada por Diniz Borges, professor universitário californiano e Expressão e Educação Dramática: Guia Pedagógico para o 1º. Ciclo do Ensino Básico, de Luís Aguilar, professor na Universidade de Montreal que apresentou, igualmente, vário material didáctico para o Ensino do Português, Língua Estrangeira, de que se destaca um manual de 600 páginas: Comunic-Acção para o Ensino do Português, Língua Estrangeira.

Se é verdade que os nomes dos palestrantes e os temas anunciados no programa nos garantiam, à partida, uma significativa qualidade, tão óbvia, não seria, porém, a qualidade das manifestações culturais anunciadas e que a todos agradou e surpreendeu. Em encontros com um formato idêntico ao deste, as actividades culturais aparecem, quase sempre, como subsidiárias e de qualidade muitas vezes duvidosa. Neste Encontro os jovens luso-canadianos, vindos de Halifax, Montreal, Toronto, Vitória, Vancouver, Otava e Winnipeg e os conferencistas convidados, puderam assistir à profícua vida cultural da ilha Terceira, assistindo, entre outras manifestações artísticas e culturais, em Santa Bárbara, à tão típica tourada à corda, na Praia da Vitória ao musical Dia de São Vapor de Luís Bettencourt e ao Café Concerto do mesmo artista e da sua banda, nas Doze Ribeiras, à exibição de um grupo de folclore e cantigas ao desafio. Luso Can Tuna de Toronto e a Tuna Neptuna também marcaram presença.

É de referir ainda que, durante um dia inteiro, os jovens, sob a direcção de Álamo Oliveira, participaram numa Oficina (que os indígenas da língua portuguesa insistem em alcunhar de workshop ou atelier) de Iniciação Teatral- Jogo Dramático. Na opinião dos participantes, esta oficina, realizada no início do encontro, predispô-los à comunicação e à sua integração no grupo e no contexto e objectivos do encontro.

Passados que foram sete dias, em que permaneceram na ilha Terceira, os jovens luso-canadianos sentem-se despertos, com sensibilidade e generosidade, para a preservação dos valores da cultura açoriana, como vaticinou a Directora Regional, no início do encontro. Mas o que irão fazer com o que levam na bagagem. Como vai ser rentabilizado este significativo investimento (que os liquidatários da cultura insistem em chamar despesismo)? Vamos deixar ao sabor da improvisação, vamos enveredar por uma atitude paternalista face aos jovens que, como o sublinhou Maria Eduarda Duarte, são livres de fazerem o que muito bem entenderem no sentido de resolverem os seus desafios identitários? Sugerimos sim, que o debate continue a distância, prolongando um momento que agora se fez de afectos, de saberes, de descoberta, de responsabilidade individual e colectiva. Mais pragmaticamente sugerimos que se crie uma rede e se invente um fórum de discussão que pode muito bem ser este espaço onde escrevemos e se arquivam e reactivam memórias: O Cinquentenário.

Rita Dias apresentou de uma forma simples, concisa e bastante visual, os inúmeros eventos e projectos que a Direcção Regional das Comunidades desenvolve desde a sua criação em 1998, com o objectivo de promover o intercâmbio entre os portugueses da diáspora e os Açores.

Os jovens, com idades compreendidas entre os 21 e os 35 anos, descendentes de açorianos, com capacidade de comunicação em língua portuguesa, e significativamente envolvidos em projectos culturais de iniciativa comunitária, levam que contar, mas deixaram por aqui as suas qualidades e o seu testemunho que muito surpreendeu os palestrantes e organizadores. Disso nos fala uma das participantes ida de Montreal, Cidália Silva no seu texto, significativamente intitulado, Nove Ilhas, Dez Províncias...

Que esta farpa verrinosa de Eça de Queirós nunca mais volte a ser uma realidade açoriana: O País é belo, sim, de deliciosa paisagem. Mas a política, a administração, tornaram aqui a vida intolerável. Seria doce gozá-la, não tendo a honra de lhe pertencer. Só se pode ser português - sendo-se inglês! Eça de Queirós. Uma Campanha Alegre. Porto: Lello & Irmão, p.285.


Animação musical pela Luso Can Tuna de Toronto e pela Tuna Neptuna


Alzira Silva, Paulo Caminha o simpático e lindo brasileiro (dirimido pela mãe), entre alguns jovens e o Grupo Folclórico


Luís Aguilar na apresentação dos seus dois livros

Helena Calado quando apresentava a sua comunicação sobre Geografia Física e Humana dos Açores

Nelson Faria numa das suas múltiplas intervenções

Vitália Rodrigues, autora desta reportagem, entre a assistência

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