Pode considerar-se
ter sido um êxito significativo o Encontro Raízes
Açorianas-Canadá 50 Anos Depois,
promovido pela Direcção
Regional das Comunidades, de 9 a 15 de Julho de 2003,
em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, na Região
Autónoma dos Açores e que visava o contacto
dos luso-canadianos com as suas origens açorianas.
Um êxito, porque, inegavelmente,
a todos - participantes, conferencistas, organizadores- satisfez,
emocionou, alegrou, uniu.
Um bom e empenhado
grupo de 36 jovens, escolhidos, a
dedo, por entre um número elevado de candidaturas,
um bom grupo de conferencistas de variadas disciplinas e uma
boa logística, não chegam para, por si só,
justificar o referido êxito.
Uma
equipa organizadora, diria,
dinamizadora, empenhada e militante, uma adequada política
de promoção e difusão dos Açores
no exterior, onde vive, não esqueçamos, a décima
e mais populosa ilha do arquipélago, uma
liderança sensível, culta,
sensata e de manifesto bom senso e bom gosto são, quanto
a nós, as razões principais do êxito alcançado
com o Raízes, este ano consagrado aos jovens
de origem açoriana, residentes no Canadá, onde
as várias comunidades lusas comemoram,
um pouco por todo esse país da América
do Norte, o
cinquentenário da chegada da primeira vaga oficial
de emigrantes ao Canadá.
A continuidade da nossa língua e cultura nos países
para onde emigraram portugueses, em geral, e açorianos,
em particular, é a preocupação dominante
da Dra. Alzira Silva, directora regional das Comunidades:
Agora que a emigração de açorianos
é residual, essa continuidade reside nos jovens.
O percurso
centenário da diáspora açoriana, no domínio
da emigração, sobretudo para o Brasil, no início,
para Santa Catarina, depois, para os Estados Unidos e, por
último, para o Canadá, foi permanentemente referido
pelos conferencistas, deixando a pergunta no ar: Por que,
para além das estafadas e concretas razões económicas,
tanto partem os açorianos ? Uma
hipótese de resposta viria a ser dada, mais tarde,
por Artur da Cunha Oliveira, no decorrer da sua, empolgante
segunda intervenção, sobre Instituições
Autonómicas Regionais: Desde os primórdios
da emigração que os Açores são
apenas um ponto de transição, um ponto de passagem
e não um ponto a atingir. Assim, os açorianos
são, no seu mais profundo inconsciente colectivo, homens
e mulheres do continente e não insulares.
A Língua
e Cultura Portuguesa - Factores de União, foi
o tema proposto para o painel que juntava os universitários
Manuela
Marujo, Aida
Baptista e Luís
Aguilar. Este professor da Universidade de Montreal
pôs em evidência a importância da Língua
Portuguesa, como uma língua supercentral na galáxia
das línguas do mundo, enquanto que as professoras da
Universidade de Toronto abordaram a importância dos
avôs e avós na preservação da cultura
e da língua portuguesas e que são um indiscutível
traço de união entre a sociedade de origem e
a sociedade de acolhimento.
Joseph
da Silva, Cunha Oliveira e Mário
Silva questionaram-se sobre a importância
política dos jovens na sociedade canadiana e açoriana,
contando as suas histórias de vida, paradigmáticas,
porque bem sucedidas. Artur da Cunha Oliveira, mais paternalista,
Joseph da Silva, espontâneo, castiço e emotivo
e Mário Silva, pragmático e militante. Teria
ficado bem neste retrato Nellie
Pedro, Aida Baptista e Manuela Marujo que, ao fim
e ao cabo, trataram o mesmo tema, com uma cor, digamos, mais
feminina: A Importância da Participação
Cívica e o Envolvimento dos Jovens na Comunidade.
É
por demais evidente que estes dois temas configuram a mesma
problemática, pelo que, é ilógico separá-los.
Mais inusitado e, porventura sintomático, é
fazer grupinhos de homens e mulheres, separadamente, para
tratarem o mesmo tema. Queiram ou não, a participação
cívica e a participação política
são indissociáveis e, separar os discursos em
homens e mulheres, confere uma tonalidade e uma dissonância
que subtrai as polaridades, tão essenciais a qualquer
debate actual.
Para se compreender
e conhecer os Açores de hoje, é necessário
não esquecer dois temas fundamentais, a Geografia
Física e Humana dos Açores e a Econonia
e a Sociedade Açorianas, temas apresentados com
grande dinamismo, respectivamente, por Helena Calado e Carlos
Corvelo.
Francisco
Maduro-Dias, aqui com Luís Aguilar, para além
de anfitrião do Museu
de Angra do Heroísmo, do qual é
director, conduziu-nos através da História dos
Açores: Não temos provas exactas de quando
é que as ilhas dos Açores foram visitadas pela
primeira vez. Alguns mapas da Idade Média demonstram
que já se conhecia a existência das ilhas, mas
só a partir de1424 é que estas são referidas
com mais precisão e, finalmente, numa carta de Gabriel
de Valsecca de 1439 pode ler-se: "Estas ilhas foram descobertas
por Diogo de Silves (ou Sunis?), navegador do Rei de Portugal,
no ano de 1427".
Denis
Bellemare,
professor da Universidade do Quebeque em Chicoutimi, que se
encontrava, por acaso, de férias nos Açores,
não quis perder a oportunidade de participar neste
encontro. Conhecedor e promotor do Cinema Português
no Quebeque disse, em muito bom português, que aprendeu
em Lisboa e na Universidade de Montreal: O
Cinema Português actual revela uma surpreendente pluralidade
de perspectivas para uma quase inexistente cinematografia,
permanentemente em perigo, onde vários cineastas, enfrentam
o desafio de explorar os grandes fundamentos do pensamento
português, nas suas vertentes, histórica e contemporânea.
Irene Blayer,
professora da Universidade de Brock no Ontario, que tanto
tinha para dizer e não o pôde inteiramente, já
que - diz - transferiram-lhe o espaço-tempo da comunicação
para um tempo menos apropriado e reduzido a metade. O que
Irene Blayer comunicou, no essencial, é que o português
falado nos Açores é fruto do cruzamento do português
trazido, sobretudo, do Algarve e do Alentejo e de estrangeiros
(franceses), donde resulta a variedade dos falares que se
ouvem nos Açores. Numa dessas variantes, por exemplo,
não se pronunciam os ditongos. Noutra o som francês
"ü" levado para os Açores pelos gauleses
persiste ainda hoje. Particularidades dos vários falares
açorianos que merecem o maior respeito, na opinião
da eminente professora universitária.
José
Carlos Teixeira,
professor da Universidade de Toronto, apresentou o resultado
de um estudo exploratório sobre os jovens no Canadá
a que ele e Armando Oliveira, deram o nome Novas Gerações
- Novos e Velhos Desafios. Esse estudo, que teve a participação
de 354 jovens portugueses (110 de Montreal e 244 de Toronto),
confirma que a ambivalência cultural - a dupla identidade
cultural - constitui, para os inquiridos, o seu maior dilema.
Com efeito, segundo o estudo realizado, a questão da
identidade cultural provoca em alguns jovens portugueses graves
conflitos identitários. Quase um terço dos inquiridos
(31,1%) considerou-se luso-canadiano e outros 24,6% consideraram-se
portugueses. Outros consideraram-se açor-canadianos
(14,1%) e canadianos (13,3%). Confirma ainda o estudo, a biculturalidade
dos portugueses de Toronto (portugueses e canadianos) e a
triculturalidade dos luso-descendentes de Montreal
(Portugueses, Açorianos e Quebeco-Canadianos).
Maria
Eduarda Fagundes Duarte, professora de Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa, provocando ruptura com as abordagens
politicamente correctas, debruçou-se sobre os Projectos
de Identidade no Tempo do Futuro. E aos jovens disse-lhes:
falem mal, mas
falem, português da maneira que puderem mas, sobretudo,
desenvolvam projectos consistentes e sustentados.
No decorrer
do Encontro foram apresentados os livros On
a Leaf of Blue, uma antologia bilingue de poesia
açoriana, organizada por Diniz Borges, professor universitário
californiano e Expressão
e Educação Dramática: Guia Pedagógico
para o 1º. Ciclo do Ensino Básico,
de Luís Aguilar, professor na Universidade de Montreal
que apresentou, igualmente, vário material didáctico
para o Ensino do Português, Língua Estrangeira,
de que se destaca um manual de 600 páginas: Comunic-Acção
para o Ensino do Português, Língua Estrangeira.
Se é
verdade que os nomes
dos palestrantes e os temas anunciados no programa
nos garantiam, à partida, uma significativa qualidade,
tão óbvia, não seria, porém, a
qualidade das manifestações culturais anunciadas
e que a todos agradou e surpreendeu. Em encontros com um formato
idêntico ao deste, as actividades culturais aparecem,
quase sempre, como subsidiárias e de qualidade muitas
vezes duvidosa. Neste Encontro os jovens luso-canadianos,
vindos de Halifax, Montreal, Toronto, Vitória, Vancouver,
Otava e Winnipeg e os conferencistas convidados, puderam assistir
à profícua vida cultural da ilha Terceira, assistindo,
entre outras manifestações artísticas
e culturais, em Santa Bárbara, à tão
típica tourada à corda, na Praia da Vitória
ao musical Dia de São Vapor de Luís Bettencourt
e ao Café Concerto do mesmo artista e da sua banda,
nas Doze Ribeiras, à exibição de um grupo
de folclore e cantigas ao desafio. Luso Can Tuna de Toronto
e a Tuna Neptuna também marcaram presença.
É
de referir ainda que, durante um dia inteiro, os jovens, sob
a direcção de Álamo
Oliveira, participaram numa Oficina (que
os indígenas da língua portuguesa insistem em
alcunhar de workshop ou atelier) de Iniciação
Teatral- Jogo Dramático. Na opinião dos
participantes, esta oficina, realizada no início do
encontro, predispô-los à comunicação
e à sua integração no grupo e no contexto
e objectivos do encontro.
Passados
que foram sete dias, em que permaneceram na ilha Terceira,
os jovens luso-canadianos sentem-se despertos, com sensibilidade
e generosidade, para a preservação dos valores
da cultura açoriana, como vaticinou a Directora
Regional, no início do encontro. Mas o que irão
fazer com o que levam na bagagem. Como vai ser rentabilizado
este significativo investimento (que os liquidatários
da cultura insistem em chamar despesismo)? Vamos deixar ao
sabor da improvisação, vamos enveredar por uma
atitude paternalista face aos jovens que, como o sublinhou
Maria Eduarda Duarte, são livres de fazerem o que
muito bem entenderem no sentido de resolverem os seus desafios
identitários? Sugerimos sim, que o debate continue
a distância, prolongando um momento que agora
se fez de afectos, de saberes, de descoberta, de responsabilidade
individual e colectiva. Mais pragmaticamente sugerimos que
se crie uma rede e se invente um fórum de discussão
que pode muito bem ser este espaço onde escrevemos
e se arquivam e reactivam memórias:
O Cinquentenário.
Rita Dias
apresentou de uma forma simples, concisa e bastante visual,
os inúmeros eventos e projectos que a Direcção
Regional das Comunidades desenvolve desde a sua criação
em 1998, com o objectivo de promover o intercâmbio entre
os portugueses da diáspora e os Açores.
Os jovens,
com idades compreendidas entre os 21 e os 35 anos, descendentes
de açorianos, com capacidade de comunicação
em língua portuguesa, e significativamente envolvidos
em projectos culturais de iniciativa comunitária, levam
que contar, mas deixaram por aqui as suas qualidades e o seu
testemunho que muito surpreendeu os palestrantes e organizadores.
Disso nos fala uma das participantes
ida de Montreal, Cidália Silva no seu texto, significativamente
intitulado, Nove
Ilhas, Dez Províncias...
Que esta farpa
verrinosa de Eça de Queirós nunca mais volte
a ser uma realidade açoriana: O País é
belo, sim, de deliciosa paisagem. Mas a política, a
administração, tornaram aqui a vida intolerável.
Seria doce gozá-la, não tendo a honra de lhe
pertencer. Só se pode ser português - sendo-se
inglês! Eça de Queirós. Uma Campanha
Alegre. Porto: Lello & Irmão, p.285.