Sobre os tesouros e bens culturais do Iraque
Carta de Vasco Graça Moura
ao Ministro Francês da Cultura

Por
VASCO GRAÇA MOURA

Bruxelas, 26 de Março de 2003.



Acabo de ter conhecimento do seu apelo, pedindo que os tesouros e os bens culturais do Iraque, ameaçados no decorrer da ofensiva norte-americana e inglesa, sejam devidamente preservados e restituídos àquele país, que deles é proprietário legítimo. Tendo lido a carta que, a esse respeito, V. Exa endereçou a 24 de Março ao Sr. Director-Geral da UNESCO, só posso regozijar-me pelo bem fundado das suas injunções e associo-me pois a uma iniciativa que aplaudo cordialmente, não apenas na minha qualidade de primeiro vice-presidente da Comissão Cultura, Educação, Juventude, Desporto e Comunicação Social do Parlamento Europeu, mas ainda como cidadão e escritor português.

Parece-me oportuno recordar-lhe neste ensejo que, na época da execrável dominação militar de uma parte muito grande da Europa por Monsieur Bonaparte, as tropas francesas, sob o comando do general Junot, a quando da sua partida de Portugal em 1808, após a batalha de Vimeiro, levaram consigo numerosas obras de arte e tesouros preciosos, em consequência de uma pilhagem sem escrúpulo e sem freio.

Esses tesouros, que nunca foram devolvidos ao meu país, embora se trate de peças muito importantes para o património cultural português, continuam a fazer parte de colecções, museus e arquivos do Estado francês. Estou certo, de resto, que o seu colega dos Negócios Estrangeiros, Monsieur de Villepin, que, como historiador, é um ilustre especialista daquela época, poderá dar-lhe abundantes elementos a tal respeito.

Parafraseio assim a sua carta ao Sr. Director-Geral da UNESCO para afirmar que "os tesouros culturais de Portugal, em toda a sua diversidade e riqueza, devem ser devolvidos aos Portugueses".

E tenha portanto a honra de convidá-lo, Senhor Ministro, a declarar que o Governo francês está pronto a tratar dessa devolução. Sugiro que, pela via diplomática, seja constituída uma comissão mista franco-portuguesa, incumbida de estabelecer a lista desses roubos de guerra e de organizar a sua rápida devolução pela França a Portugal. Hoje mesmo, transmito o conteúdo desta carta ao Senhor Martins da Cruz, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Português.

Além disso, permito-me sublinhar que tal decisão não deixaria de ter um efeito muito importante junto das autoridades e instituições inglesas que, como sabe, continuam a ignorar o pedido, inteiramente legítimo e de há muito feito pela Grécia, no sentido de obter a restituição dos 253 mármores do Parténon de que Lord Elgin se apoderou em 1802 e que mais tarde revendeu ao Museu Britânico.

Outras restituições de tesouros pilhados por exércitos de outros países em circunstâncias idênticas poderiam em seguida ter lugar, se a França tratasse de dar o exemplo. É por isso que estou certo de que V. Exa. não deixará de agir com grande rapidez, a fim de mostrar a outros povos, e nomeadamente à opinião pública da União Europeia, que a França junta o acto à palavra, não admitindo excepções culturais numa matéria em que estão em jogo a preservação da diversidade cultural e o respeito de direitos culturais fundamentais e imprescritíveis de qualquer país.

Tomarei a liberdade de dar conhecimento desta carta a todos os meus colegas do Parlamento Europeu, ao Senhor Director-geral da UNESCO e à imprensa portuguesa.Peço-lhe creia, Senhor Ministro, na minha elevada consideração.



Vasco Graça Moura