A Secção
de Estudos Portugueses e Brasileiros da Direcção
de Programas de Línguas e Culturas Inglesas e Estrangeiras
e o Departamento
de Literaturas e Línguas Modernas da Faculdade
das Artes e Ciências da Universidade
de Montreal, a editora
XYZ, a Casa
do Brasil e a Associação
Portuguesa do Canadá (APC) promoveram no
dia 25 de Setembro (domingo), entre as 17 e as 20 horas, na
sede da APC, uma sessão cultural de debate literário
e lançamento de dois livros do escritor Sergio Kokis:
La gare e Les amants d’Alfama. Pretendeu-se,
acima de tudo, dar a conhecer à comunidade montrealense,
em geral e à comunidade lusófona e universitária,
em particular, a obra do escritor quebequense, de origem brasileira.
Neste encontro com
Sergio Kokis, animado por
Luís
Aguilar,
professeur invité de Estudos Portugueses e
Brasileiros da Universidade de Montreal e docente do Instituto
Camões, para além do lançamento
dos seus últimos livros e do debate, propôs-se
uma leitura expressiva de excertos da obra La Gare,
por Louis-Charles Letendre Goyette, Maria Duarte, Joviano
Vaz, Joaquim Eusébio e Conceição Rosário.
Esta iniciativa inseriu-se no quadro do programa académico
Mineur
en langue portugaise et cultures lusophones
da Universidade de Montreal.
Embora o tempo não encorajasse a sair de casa, este
evento viria a ser considerado pelos presentes com quem falámos
como dos mais interessantes que decorreram na APC, em pleno
bairro português montrealense e mobilizou cerca de oitenta
pessoas, para participarem num debate literário e intelectual
de alta qualidade e dos mais decisivos, quer para a comunidade
lusófona, quer para o pequeno grupo de quebequenses
presente.
As leituras expressivas de cenas de La gare foram
intercaladas com explicações e comentários
por parte do autor. Por exemplo, numa das cenas, o personagem
principal perde o comboio, de forma inusitada, porque sente
o desejo de fumar um cigarro na casa-de-banho pública
de um apeadeiro, arranjando, a partir daí, uma série
de aparentes complicações para a sua triste
vida. O autor explica ter sido o incidente inspirado na sua
vivência pessoal, na altura em que na escola de correcção,
os miúdos se juntavam nas casas-de-banho para fumar.
E, ali, era a sua libertação. Sergio Kokis confessa
que, geralmente, se inspira nas experiências da sua
vida quando escreve, jogando com elas, ficcionando, balançando
(ou mesmo misturando) entre a ficção e realidade.
Todavia, Sergio Kokis diz que, quando escreve, quer que o
leitor encontre nelas referências para a sua própria
vida se identifique com a história. Contrariamente
às obras de Kafka, que o inspiraram para a escrita
de La gare, não existem descrições
exaustivas, para que o leitor possa incorporar nela as suas
lembranças, experiências e preferências,
para melhor visualizar as situações. Por esta
razão, ele acha que os livros do tipo Kokis são
os melhores do mundo, pois cada leitor, sente, vive e interpreta
as mensagens diferentemente das receitas literárias
pavlovianas. Luís Aguilar perguntou-lhe, nada inocentemente,
se podia comparar La Gare com o livro O Alquimista
de Paulo Coelho. A esta pergunta-provocação,
Kokis diz que, mesmo tendo vendido milhões de exemplares
pelo mundo fora, Paulo Coelho não é um escritor,
é um vendedor de ilusões, para não dizer
pior. Como escritor e artista, é necessário
chocar, disse. E nele não faltaram as ocasiões
para isso, perante uma comunidade portuguesa conservadora
que esconde coisas, como bordéis, prostituição,
droga, violência, etc., para debaixo do sofá
da moralidade.
Para além de La gare foi apresentado o livro
Les amants d’Alfama, publicado em 2003, inspirado
no Une nuit à Lisbonne de Camille Saint-Saëns
que Sergio Kokis considera o melhor romance escrito sobre
a capital de Portugal. Apaixonado por Lisboa e por Portugal,
o escritor quebequense de origem brasileira, que tantas cócegas
faz a alguns dos seus compatriotas que primaram pela ausência,
neste debate, onde apenas alguns amigos do escritor marcaram
presença. Não escreve na sua língua materna,
mas sim em Francês. Por essa razão, o encontro
foi conduzido na língua em que Sergio Kokis escreveu
os livros, apesar da maioria dos presentes serem elementos
da comunidade portuguesa, que ele criticou por não
ter pelo menos uma livraria com uma variedade de obras da
literatura portuguesa, rica, poderosa e importante como ele
diz que é. Este tema agitou as hostes lusitanas que
não “engole” a crítica de feita
por alguém que há 40 anos vive em Montreal e
que nunca pôde frequentar uma livraria onde pudesse
comprar livros de literatura lusófona.
Confessa ter lido as obras de Jorge Amado em Alemão
e em Espanhol, antes de ter posto as mãos na versão
original. E, por ter lido bastante nessas duas línguas,
diz conhecê-las melhor do que o Português, que
se tornou para ele, numa língua-mãe-madrasta.
E assim adoptou o Francês por se ter gradualmente transformado
na sua língua de trabalho e de uso quotidiano. Mas
o que agitou o público foi quando ele disse que era
uma vergonha os portugueses não terem uma livraria
na comunidade. O seu lado provocador e a sua impertinente
faculdade de dizer aquilo que as pessoas não gostam
ou não querem ouvir, exaspera alguns que pensam que
o tempo que Sergio Kokis perdeu a criticar a falta de uma
livraria lusa em Montreal, poderia empregá-lo a abrir,
ele mesmo, pelo menos duas delas. Uma boa forma de descartar
responsabilidades e de não querer reflectir sobre a
pobreza cultural lusitana e as emergentes necessidades culturais
de uma terceira geração que se quer mais culta.
Houve mesmo quem tivesse a peregrina ideia de propor a Kokis,
já que tão interessado está, que abrisse
a porta da sua casa e partilhasse a sua rica biblioteca. Ainda
que seja um pouco o que ele faz já, não lhe
ocorre certamente transformar a sua casa numa biblioteca pública
lusitana.
Prevaleceu no debate, a pertinência das questões
de fundo levantadas e que, a nosso ver, são decisivas
para a evolução da comunidade portuguesa, em
geral, e para as suas gerações futuras, em particular.
É impossível remeter Sergio Kokis para o terreno
ingrato da resignação. Ele não hesita
em assumir o papel de agitador público, sem papas
na língua, de um humor arrasador, quando estão
em causa princípios humanos fundamentais, ainda que
provoque irritação, dentes a ranger e ouvidos
a sentir o zumbido do samba.
Em guisa de conclusão, poderemos afirmar que os participantes
neste debate se situaram entre a indignação
e a admiração. É um personagem que levanta
ventos e marés de polémica e quem sabe, um dia
destes, nos deparemos com a abertura da primeira livraria
lusófona em Montreal, antes que o Sergio Kokis, cidadão
de um país tropical, venha a ser enterrado debaixo
do gelo, geladinho, geladinho mesmo, como ele bem lembrou
aos portugueses, ser esse, o seu mais de que previsível,
destino.
Por fim, uma palavra de apreço, para a presidente da
Associação Portuguesa do Canadá, Conceição
Rosário, que acolheu este debate e simpaticamente,
organizou uma petiscada à volta da qual as pessoas
debatiam ideias, compravam e comentavam já os livros
que ali forma lançados.