Versão francesa de
A Costa dos Murmúrios

Círculo de Leitura Europeu - Lisez le Portugal

LE RIVAGE DES MURMURES
(A Costa dos Murmúrios)

romance de Lídia Jorge lido por Luís Aguilar
R
Reportagem de Vitália Rodrigues
Fotos de Vitália Rodrigues e Norberto Aguiar


Lídia Jorge



Panorâmica da sala onde decorreu esta sessão do Círculo de Leitura Europeu: Carrefour des arts et des sciences da Universidade de Montreal, sala tecnicamente bem apetrechada e acolhedora, recentemente estreada.


Luís Aguilar, coadjuvado por Vitália Rodrigues, faz a leitura pessoal da obra de Lídia Jorge, A Costa dos Murmúrios.


Uma trintena de participantes neste círculo de leitura dedicado à literatura portuguesa, aqui representada pela escritora Lídia Jorge.


Para além dos quebequenses, franceses, brasileiros, espanhóis, argentinos, mexicanos, e austriacos pudemos contar com elementos da comunidade portuguesa montrealense, nomeadamente, o chanceler David Pereira, Norberto Aguiar, chefe de redação do jornal LusoPresse e António Feio, do programa televisivo Montreal Magazine.


Filme de Margarida Cardoso com Beatriz Batarda,
Filipe Duarte e Mónica Calle.


Capa de uma das primeiras edições do livro em análise

Luís Aguilar e Marie-Pierre Poulin dão a conhecer o resultado do sorteio de um exemplar do livro que será lido na próxima sessão do Círculo de Leitura Europeu, Les insurrections singulières, de Jeanne Benameur que foi parar às mãos de Adelaide Oliveira.

Realizou-se no passado dia 14 de março, no Carrefour des arts et des sciences da Universidade de Montreal, mais uma sessão do Círculo de Leitura Europeu, integrado este no projeto Lisez L’Europe. Nesta sessão designada Lisez le Portugal, Luís Aguilar, professor responsável pelos Estudos Portugueses e Lusófonos da Universidade de Montreal e docente do Instituto Camões, apresentou a obra A Costa dos Murmúrios (Le Rivage des murmures) da escritora Lídia Jorge, nascida no Algarve e considerada uma das grandes revelações da literatura portuguesa do pós Revolução dos Cravos de 1974, que dela dá conta em 1979 na sua primeira obra, O Dia dos Prodígios. Desde então, publicou mais de vinte obras, traduzidas em diversas línguas, tendo recebido vários prémios, tanto nacionais como internacionais. Se, com efeito, se pode considerar que há uma literatura contemporânea portuguesa do antes e do pós 25 de Abril, Lídia Jorge integra-se nesta última, não tanto pelos tempos distorcidos e das temáticas vai-vem das suas obras mas pela datação da sua escrita. Por outro lado e seguindo o pensamento de José Manuel da Costa Esteves, pode considerar-se que a literatura portuguesa do pós Revolução dos Cravos foi significativamente influenciada por um determinado realismo mágico e, se tal observação é verdadeira, Lídia Jorge encarna bem esta corrente, a par do movimento literário que bem podemos designar de etnofantástico, pois que a escritora escreve sobre a sua região natal e muito embora as temáticas abordadas passem largamente as fronteiras algarvias, não será por acaso que sempre que nos referimos a Lídia Jorge falamos da escritora algarvia, ao contrário de muitos outros escritores contemporâneos que quando mencionados não se lhes cola à pele a sua região de origem.

Publicado em 1988, Le Rivage des murmures é uma das obras centrais da escritora, cuja ação decorre já nos finais da guerra colonial, nos anos setenta, apresentando-se como uma espécie de testemunho vivido do momento da queda do Portugal imperial de aquém e de além-mar em África, do Minho a Timor. Mais concretamente, a ação passa-se em Moçambique e tem como palco privilegiado o Hotel Stella Maris, local onde as mulheres dos oficiais permanecem quando os maridos partem para missões de "pacificação" no mato. A personagem central é Evita, que vai para Moçambique, onde casa com um militar, dando-se progressivamente conta das mudanças que nele ocorrem e, consequentemente, afetam as relações do casal. Uma simples (para alguns complexa) coincidência: tal como a personagem principal da ação narrada e ficionada de, A Costa dos Murmúrios, também Lídia Jorge se encontrava em Moçambique, onde colecionava murmúrios sobre o que ouvia (berros, resmunguices, lamentações, queixumes, afirmações categóricas, ordens definitivas, expressão de valores absolutos), via (através da nuvem esverdeada de gafanhotos), cheirava (aquele cheiro irreproduzível da tapeçaria de odores de África, que nunca mais se esquecem), tateava e sentia. Coincidências entre a autora e a autorada, que remetem a obra para a autobiografia? É de somenos, considera o leitor, aqui na pele de Luís Aguilar. Se tudo coincide, se tudo é tão factual como a nuvem de gafanhotos, por que se fala de ficção? Para decifrar a realidade, considera o leitor, que acrescenta: é a realidade da realidade e, citando Lídia Jorge: A ficção é muito mais intensa que a vida. Trata-se de um rasgão no real, diria Eduardo Prado Coelho. E depois há a questão sobre quem narra, nomeadamente na primeira e na segunda partes da obra. Na primeira, no texto Os Gafanhotos, o narrador é exterior à ação e fala na terceira pessoa sobre um conjunto de episódios protagonizados por Evita. Na segunda parte, o narrador é intrínseco e expõe os questionamentos de Eva Lopo duas décadas depois. Evita/Eva Lopo habitam tempos distanciados e ocupam a narração da segunda parte da obra, em que a narrativa Os Gafanhotos, é reavivada e permeável a várias hipóteses sobre os acontecimentos, fazendo-se, para tanto, zoom, às vezes vários, sobre o mesmo troço da narrativa, aumentando ou aproximando cada imagem e ao mesmo tempo comentando as mais do que certezas, as hipóteses do que se passou verdadeira e ou ficcionalmente. Corrigir a narração primeira? É o leitor, de novo, questionado. - Deixe ficar aí, suspenso, sem qualquer sentido útil, não prolongue, não oiça as palavras. A pouco e pouco as palavras isolam-se dos objetos que designam, depois das palavras só se desprendem sons, e dos sons restam só os murmúrios, o derradeiro estádio antes do apagamento – disse Eva Lopo, rindo. Ri também o leitor. Sorri Luís Aguilar, ele próprio protagonista da sua própria história colonial, vivida em Angola, no tempo narrado por Lídia Jorge. Assim não era possível atingir toda a verdade porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam. - disse um dia Carlos Drummond de Andrade. Poderia bem estar a referir-se à obra. A Costa dos Murmúrios, como de resto, Mia Couto quando considera que cada homem é uma raça. Mas Luís Aguilar escolheu como mote para a sua análise, a citação de um historiador francês, Emmanuel Le Roy-Ladurie: Nunca saberemos de que será feito o passado, On ne sait jamais de quoi hier sera fait.

Durante a sessão, Luís Aguilar, serviu-se de algumas imagens do filme de Margarida Cardoso, com o mesmo nome, legendado em francês, e destacou as diferenças entre os dois produtos artísticos, o fílmico e o literário, ambos coerentes em cada um dos seus sistemas internos, mas não necessariamente fiéis um ao outro. São dois universos distintos: o que pretendeu clarificar clarifica, e o que pretendeu esconder ficou imerso, diz Lídia Jorge.

Os últimos trinta minutos da sessão foram dedicados ao debate e a respostas às questões levantadas pelos participantes que tinham lido o romance. Alguns dos presentes, que não tiveram a oportunidade de lê-lo antes, foram contagiados pelas retroações positivas e apaixonadas dos leitores e, este mês, os já numerosos leitores de Lídia Jorge nestas terras da América do Norte vão, certamente, aumentar.

É de realçar a presença significativa e interessada de elementos da diáspora que não pouparam elogios às várias narrações em apreço, sublinhando a importância de iniciativas deste teor, como forma de internacionalização de um dos bens maiores que Portugal tem, a pujante literatura. E, de facto, assim é: de quase ausente nestas andanças, a literatura portuguesa tem-se afirmado nestas terras frias da América do Norte nos últimos quatro anos. Para isso muito contribuiu a presença da escritora portuguesa em dois acontecimentos literários de relevo em Montreal: a sua participação no último Festival Internacional de Literatura de Montreal em setembro último, no Festival de Literatura Metropolis Bleu em abril de 2010 e, nesse mesmo ano, nas comemorações do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor de Lisez l’Europe.

O Círculo de Leitura Europeu integra o Projeto Lisez l'Europe, que se reúne todos os meses para discutir uma obra europeia contemporânea de relevo de um dos países membros: Alemanha, Catalunha, Espanha, França, Itália, Holanda, Portugal, Suíça e, muito em breve, também a Áustria. Cada país é representado por um instituto e ou consulado. Portugal está representado pelo Instituto Camões, pelos Estudos Portugueses e Lusófonos da Universidade de Montreal e pelo Consulado-Geral de Portugal em Montreal. A próxima sessão realiza-se no dia 22 de abril, às 14h30, no Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, integrada no Festival de Literatura Metropolis Bleu, no Hotel Opus, sito no 10 Sherbrooke Ouest de Montreal. São todos bem-vindos e pede-se a cada participante que traga um livro de literatura a fim de ser trocado por outro trazido pelos outros participantes.

Ler ainda:

Artigo sobre esta sessão no jornal comunitário LusoPresse

Lídia Jorge no dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor e de São Jorge na Universidade de Montreal, em 2010.

 

ÁLBUM

Lídia Jorge faz uma leitura de um extrato do seu livro, O Vale da Paixão, publicado em 1980.


Lídia Jorge por entre os inúmeros participantes no debate realizado em La maison des écrivains, sobre as viagens na literatura e a literatura de viagens.

Mesa-redonda sobre As viagens na Literatura - Lídia Jorge responde às questões

Uma pausa para repensar a programação de uma das mesas-redondas integradas no Festival Internacional de Literatura de Montreal.

Lídia Jorge assina mais exemplares do seu livro "Le rivage des murmures"

Livraria Las Américas, ponto de passagem do Percurso Literário integrado no Festival Internacional de Literatura de Montreal de 2011

Lídia Jorge com Francisco Hermosin, diretor da Livraria Las Americas, representante de Espanha no projeto Lisez l'Europe, grande entusiasta deste Círculo de Leitura Europeu e assíduo leitor de Lídia Jorge.

Lídia Jorge, com Luís aguilar e Paul Fournel (França) em amena cavaqueira num dos restaurantes portugueses mais antigos de Montreal, A Casa Minhota, que patrocionou a presença da Literatura Portuguesa no Festival Internacional de Literatura de Montreal de 2011

Lídia Jorge acompanhada de Luís Aguilar
em entrevista a Elisa Fonseca da Agência Lusa.

Lídia Jorge num dos raros dias de sol do outono, numa das principais artérias de Montreal, detém-se no nome de uma das livrarias Mona lisait.

Lídia Jorge numa tertúlia improvisada na creparia da esquina após o visionamento do filme de Margarida Cardoso "A Costa dos Murmúrios"baseada na obra homónima de Lídia Jorge.

Testemunhos da cumplicidade existente entre dois dos promotores do evento e Lídia Jorge

Luís Aguilar e Lídia Jorge com fundo de uma das famosas pinturas murais da cidade


Estudos
Portugueses e Lusófonos


Consulado-Geral de Portugal
em Montreal