Tertúlia com o Escritor João Tordo em Residência Literária em Montreal

encontro animado por Sergio Kokis, com apresentação de
Luís Aguilar e leituras de José Acquelin
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Reportagem e Fotos de Vitália Rodrigues




Palavras de boas-vindas de Francis Farley-Chevrier, diretor da UNEQ: Com o intuito de contribuir para o melhor conhecimento entre as comunidades de escritores quebequenses e portugueses, e ainda com o objetivo de encorajar programas de residências artísticas de âmbito internacional, o Clube Português de Artes e Ideias e o Conseil des Arts et des Lettres du Québec estabeleceram um acordo que visa a criação de um programa anual de residências artísticas no âmbito da criação literária.
Este programa permitirá ao candidato português selecionado realizar uma residência de criação literária, durante 2 meses, na cidade de Montreal, a decorrer em 2011 ou 2012.
Neste âmbito, será disponibilizado um estúdio para habitação e um espaço de trabalho em Montreal, bem como uma bolsa de residência.
Com este acordo, o Clube deseja proporcionar aos escritores portugueses uma nova ferramenta para o desenvolvimento das suas carreiras e contribuir para uma colaboração frutuosa com esta região do Canadá.
O concurso é aberto a escritores(as) portugueses(as) com, pelo menos, 3 edições individuais ou em coletânea.


Foto da UNEQ
Sérgio Kokis apresenta João Tordo: nasceu em Lisboa em 1975, formou-se em Filosofia e estudou Jornalismo e Escrita Criativa em Londres e Nova Iorque; em 2009 ganhou o Prémio Literário José Saramago com o romance As Três Vidas; a obra mais recente do escritor, Anatomia dos Mártires, publicada pela Dom Quixote, é o seu mais recente romance; João Tordo trabalha como cronista, tradutor, guionista e é formador em Oficinas de Ficção; os seus livros estão publicados em vários países, nomeadamente, França, Itália e Brasil.

Luís Aguilar, responsável pelos Estudos Lusófonos da Universidade de Montreal e docente do Instituto Camões, apresentou a obra de João Tordo no contexto da geração de artistas saída de abril de 1974, no meio de cravos vermelhos, esperanças, desejos e sonhos. Filho da geração dos Cravos, de onde provêm figuras maiores de vários domínios da cultura portuguesa que, para além de herdar, como as anteriores gerações, um contexto literário riquíssimo, herdou da geração anterior o combate pela liberdade e pela democracia.

José Acquelin, poeta quebequense leu de forma expressiva e impressionista alguns extratos, em francês, de dois romances de João Tordo: Le domaine du temps e Le bon hiver. Estava prevista uma leitura em Português de algumas páginas dos livros mais recentes de João Tordo, mas este esqueceu-se de levar as obras em Português, para grande desgosto de Luís Aguilar que as teria lido com bastante prazer.

Promovido pela UNEQ, Union des écrivaines et écrivains Québécois, realizou-se no passado dia 19 de junho na sala Émile-Nelligan um encontro-tertúlia com o escritor português João Tordo, em residência literária em Montreal, animado por Sérgio Kokis, Luís Aguilar e José Acquelin, com palavras de boas-vindas do diretor-geral da UNEQ, Francis Farley-Chevrier, que explicou a forma como são atribuídas bolsas de residência literária, que este ano, pela primeira vez, a mesma foi concedida pelo Conseil des arts et des lettres du Québec a um escritor português.

A Sérgio Kokis, um dos melhores e mais conhecidos escritores quebequenses, coube a quase impossível tarefa de apresentar, por um lado, a obra do escritor português, por outro lado, lançar o debate e, ainda, traduzir as perguntas do público e as respostas de João Tordo, em três línguas, tarefa de que se saiu sem mácula, navegando perfeitamente entre as línguas de Camões, Molière e Shakespeare. Tarefa dificultada ainda pelo facto de o inglês ser uma língua dificilmente tolerável no contexto literário francófono. E João Tordo, ignorando porventura a batalha linguística que se trava nestas paragens: praticamente só se expressou em inglês quando podia tê-lo feito em português, uma vez que estávamos perante um público com grande maioria de falantes da língua de Camões. Por outro lado, tinha sempre disponível a tradução do português para francês e de francês para português.

Luís Aguilar fala da geração de João Tordo, a geração dos filhos da Revolução dos Cravos, uma geração que, de abril para diante, teria à sua frente uma página branca onde, sem a memória vivida do passado, viria a escrever o que sentia à sua volta e a conceber um espaço novo de vida e de criação. Ou como alguém muito bem disse, A Geração que nasceu em liberdade, mas que cresceu e se formou com os tumultos do pós-revolução, a construção do projeto europeu e a globalização. Uma geração para quem todos olhavam com preocupação e ceticismo, mas que, longe dos holofotes e sem pressas, foi preenchendo essa página branca, que, ora se transformava em tela escrita com pincéis, ora servia de écran onde se projetavam imagens sobre uma realidade plena de ficção, ora se travestia de pauta de música, onde se registavam novos sons e se renovavam outros, ora se ampliava num palco onde se representavam as mesmas e outras palavras num teatro renovado com atores de fibra ou num ritual de corpos em dança com formas nunca antes vistas, ora se prolongava em relvado que viria a ser pisado por génios do pontapé na bola que se chutava na direção de golos e resultados nunca antes alcançados. E essa página branca seria escrita, igualmente, com canetas carregadas de novas tintas. Os filhos de abril foram a pouco e pouco escrevendo o nome de um Portugal moderno e sem complexos que pouco a pouco foi sendo colocado na cena internacional. Na literatura, para além de João Tordo, podemos ler Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto e Valter Hugo Mãe, entre muitos outros, no cinema Sandro Aguilar, que pudemos acompanhar de forma especial, Miguel Gomes, João Salavisa, Pedro Costa, Raquel Freire, entre muitos outros que tiraram a sétima arte portuguesa da penumbra, na música Bernardo Sassetti ou Mísia ou mesmo Mariza ou Camané, deram outra cor ao fado, no futebol, Luís Figo que passou a bola a Cristiano Ronaldo e mesmo José Mourinho, que tinha 12 anos em 1974. No teatro, muitos novos atores, encenadores, cenógrafos, de Diogo Infante a Maria de Medeiros e Alexandra Lencastre, na dança Olga Roriz, mas também Rui Horta e António Laginha. Uma geração que não se confunde e faz questão de se distanciar de ideias alienantes de procura de génios fabricados à pressa e a martelo, numa espécie de orgia chauvinista eivada de ufanismo ululante e patrioteirismo execrável de pacotilha como os programas televisivos, do género, Portugal Tem Talento. A toda esta geração se referiu Luís Aguilar, que não se esqueceu de incluir na lista dos filhos de abril, os inúmeros criadores de ciência. Quanto aos políticos donde se esperava que houvesse uma boa colheita de gente nova com novas ideias com práticas diferentes das dos velhos dinossauros, a deceção é grande, viria a referir mais tarde, já no calor do debate, João Tordo que considera que a sua geração merecia políticos menos medíocres. Considera ainda João Tordo que há muitos escritores em Portugal a pressionar os editores, todos escrevem e todos querem ser publicados, da mulher a dias ao porteiro, podiamos exportar parte dessa gente para o Quebeque já que, por aqui, são os editores a procurar e a pressionar os escritores para publicarem nas suas editoras já que o governo subsidia as publicacões independentemente de serem ou não lidas.

Entretanto, João Tordo acabou de escrever aqui em Montreal o seu último romance: Terminei ontem um novo livro, aqui em Montreal. É, porventura, o meu melhor romance - como sempre o é o último que escrevemos, o nosso niño acabado de nascer.

Pequena nota à margem: o primeiro escritor português em residência literária em Montreal não chegou a conhecer o cônsul-geral de Portugal em Montreal. Incrédula, pergunto, será isto normal?

Ler ainda:

Artigo sobre esta sessão no jornal comunitário LusoPresse


João Tordo acompanhado de Vitália Rodrigues e de Michelle Abrantes, uma luso-descendente à procura das suas raízes lusitanas e aprendente de língua portuguesa.

João Tordo com Mary Soderstrom, uma escritora americana há muito em Montreal, lusófila e autora do livro Making Waves - The Continuing Portuguese Adventure

João Tordo em amena cavaqueira com Luís Aguilar, Francisco Hermosin, um dos grandes dinamizadores do projeto Lisez l'Europe e Benoit Pelletier um dos muitos estudantes de Estudos Lusófonos presentes na tertúlia. Num dos magníficos espaços da Maison des écrivains.