Debate com Joana Amendoeira: Crónica do Fado que Passa na Universidade de Montreal Por |
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Qualquer
produto musical português que tenha uma menina de preto a cantar
desgraças vai ser visto internacionalmente como identitário
de Portugal, porque é essa a memória que as pessoas têm
da Amália...
Neste momento de grande sucesso internacional do fado há pessoas
que integram esse êxito internacional como um amadurecimento pessoal
enquanto artistas dentro do contexto do fado; e essas vão sobreviver.
E há uns modismos gerados pelo circuito da world music que terão
o seu tempo contado quando aparecer um tocador de marimba das Seychelles
que, na altura, preencha o gosto de exotismo do mercado. É essa
é a lógica do mercado. |
Qualquer
Português conhece de gingeira o som melancólico
do Fado,
mas quantos conhecem a origem desta música, ícone de Portugal,
que ninguém pode ter certezas quanto à sua origem. Três
são as teses defendidas: uma delas sustenta que o Fado remonta
às Ouds
árabes que aqui o teriam deixado quando da sua presença
no território português; a segunda tese defende o Fado
como originário das Cantigas
de Amor e de Amigo ou das trovas
Provençais da Idade Média; a terceira
pretende que o Fado provém do Lundum,
canção melancólica de origem angolana, levada para
o Brasil pelos escravos e adoptada pelos marinheiros portugueses que
a teriam trazido para para Lisboa.
Para esclarecer esta barafunda hipotética, o dr. Luís Aguilar convidou a Joana Amendoeira a estar presente numa das suas aulas, na Universidade de Montreal para partilhar com os seus estudantes a visão que a novel fadista tem sobre esta problemática.Nascida em Santarém, no dia 30 de Setembro de 1982, esta jovem fadista começou a cantar o Fado, desde os seis anos de idade, impulso que sentiu ao ouvir uma canção na rádio. Por isso damos a palavra a quem mais do que estudar a problemática fadista a vive, no corpo e a sente na alma. Foi no día 22 de Fevereiro. O encontro que devia ter forma de um debate, tornou-se numa sessão de informação ou de entrevista em directo, pois os estudantes, de origem outra que a lusa, pouco ou nada conheciam do Fado. Por isso se começou por ouvir uma das canções do disco mais recente da Joana Amendoeira, uma gravação ao vivo em Lisboa, no último mês de Novembro. Muitos dos presentes ouviam um fado pela primeira vez. Claro, que para quem nunca ouviu ou assistiu a uma Noite de Fado, pouco pode saber sobre esta música tipicamente portuguesa. Joana explicou que o Fado é um acontecimento mágico, pautado por momentos de grande intensidade entre a fadista, os músicos e o público. E continuou, respondendo a uma das perguntas, precisamente sobre a essência do Fado. Para Joana Amendoeira o Fado é um sentimento, tanto de saudade quanto de tristeza ou de alegria. Fado é cantar a vida. E agora, como explicar a esta gente universitária de origem não-portuguesa o que é a saudade, palavra que não tem tradução em qualquer outra língua. Foi o que os nossos colegas de Estudos Portugueses Julie Champagne e Regis Beney, respectivamente, quebequense e costa-marfinense. Sim porque a música é outra quando explicada por um dos nossos colegas luso-descendente, o Fernando André. - É uma alegria na
tristeza, é um ter prazer em lembrar coisas tristes, passadas
ou presentes, tentou exprimir o dr. Luís Aguilar, alfacinha
de gema que lembrou os seus rituais da juventude: - Nada melhor
para carpir desgostos de amor do que, diante de um chouriço
assado na barquinha, um caldo verde e uma rega de vinho tinto, uma
noite quente de fado, no local apropriado: uma Casa
de Fados. Chorar com as guitarras
e sofrer com os fadistas. Um ritual quase religioso onde
se purificam sentimentos. Uma catársis da dor sentida. Um
contentamento descontente como sugere Camões.
Enquanto Luís Aguilar assim falava, podia ouvir-se, como
fundo sonoro a Joana Amendoeira cantar: Tenho tantas saudades
do futuro, frase de difícil entendimento que bem poderia
ter saído da pena (no duplo sentido que o termo encerra) de
Fernando
Pessoa. -
Que povo masoquista! Pensam estes iniciados. Mas Joana, insiste:
no fado é muito importante a poesia, as palavras e a mensagem
que transportam para a música. Por isso, ao ouvirem-nas,
as pessoas recordam-se de certos momentos passados, deixando muitas
vezes cair uma lágrima furtiva pelo rosto. Mas os japoneses,
ou os belgas, ou nós, que não falam a língua
do fado? Questionam os estudantes. - Também choram,
responde Joana que acrescenta: - uma fadista deve dar, na medida
do possível, uma explicação do que vai cantar.
Então, a mistura do poder da voz com a pujança do lamento
da guitarra portuguesa, faz com que os estrangeiros sintam uma mão
cheia de emoções. E, está escrito no fatum da Joana Amendoeira que ela virá de novo, aqui, a Montreal, previsivelmente, para o Festival Internacional de Jazz de Montreal. Nessa altura - e porque gostou da estudantada - tem o destino marcado em várias universidades americanas que desejam repetir esta "fatal" experiência na Universidade de Montreal. Vejamos o que dela diz o musicólogo Rui Vieira Nery: Joana Amendoeira revela uma sensibilidade apurada para a escolha do seu repertório poético. Não procura impressionar-nos com a erudição das suas referências literárias, mas escolhe com segurança textos próximos do imaginário fadista mais rico e sobretudo de uma musicalidade intrínseca que deixa fluir alinha melódica e a valoriza, em vez de a contrariar. Nesta dupla óptica, são particularmente de sublinhar os versos de Aldina Duarte, cuja veia lírica assumidamente despojada e musical é ideal para deixar falar estas melodias estróficas ao mesmo tempo tão simples e tão inspiradas. |