Conferência de Fernando Henrique Cardoso
na Universidade de Montreal

Les rapports Nord-Sud dans un contexte d'équilibre mondial en mutation

por
Vitália Rodrigues
com a colaboração dos estudantes das cadeiras de Português Idiomático
e Composição e Introdução à Cultura Brasileira, ministradas por Luís Aguilar


Fernando Henrique Cardoso recebe o Doutoramento Honoris Causa na Universidade de Montreal

Monique Kirouac, Adjunta do Decano da Faculdade de Estudos Superiores e
Luís Aguilar, Professor Convidado de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Montreal e docente do Instituto Camões

Sergio Kokis, Luís Aguilar,Louis-Charles Letendre -Goyette, Carlos Oliveira (Cônsul-geral de Portugal) e David Pereira (chanceler) em tertúlia sobre a conferência de Fernando Henrique Cardoso.


Fernando Henrique Cardoso, rodeado de Estudantes do Bacharelato de Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas da Universidade de Montreal

A Faculdade de Estudos Superioresda Universidade de Montreal promoveu, no quadro das Conferências Gérard-Parizeau, um encontro com o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995 a 2003, no passado dia 14 de Abril de 2005, das 16 h às 18 horas, no Pavillon Claire-McNicoll (antigo Pavillon Principal) uma conferência sobre As Relações Norte-Sul, no contexto do Equilíbrio Mundial em Mudança. A este acontecimento associaram-se os Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Montreal, tendo estudantes e professores comparecido em peso, assim como elementos representativos das comunidades portuguesa e brasileira de Montreal, nomeadamente os cônsules-gerais de Portugal e do Brasil em Montreal.

Fernando Henrique Cardoso que, aqui recebeu um doutoramento Honoris Causa, revelou o seu duplo contentamento por, por um lado, poder reencontrar amigos de há muito tempo, seus colegas sociólogos que foi conhecendo pelo mundo fora nos seus tempos de estudante e de investigador e, por outro lado, por este doutoramento lhe ser outorgado, depois de ter deixado o poder.

Foi um Fernando Henrique Cardoso optimista, eloquente, carismático, sedutor, bem-falante da língua de Molière, que se apresentou na Universidade de Montreal, para dissertar sobre as Relações Norte-Sul, com um espírito, simultaneamente optimista e politicamente correcto, não deixando porém, de emitir uma posição clara em relação a algumas problemáticas como a do Forum Social Mundial do qual confessa, não ser muito entusiasta.

Fernando Henrique Cardoso mostra um grande jogo de cintura, oscilando entre o homem político e o sociólogo, ficando-nos a sensação que molda o discurso consoante a plateia que tem à sua frente, no sentido de agradar. Ideia com que ficámos após a leitura de uma reportagem jornalística, relatando um dia de conferências que Cardoso fez em diferentes lugares e que mostrava que o discurso mudava consoante o público presente. Se face a um grupo de homens de negócios se mostrou mais preciso sobre a importância do mercado e do capitalismo de desenvolvimento sustentado, já face a uma comunidade estudantil o homem do Real que conteve a inflacção galopante no Brasil foi bem mais prudente, falando de uma maneira mais genérica, denunciando o pessimismo virulento de alguns grupos de contestação.

Mais do que a especulação ideológica os problemas de desequilíbrio no comércio internacional que impedem o desenvolvimento dos países do Sul têm os dias contados, já que são os países do Sul que detêm mais produtos de base a vender e, por isso, se caminha para uma nova ordem mundial se os países da América Latina forem capazes de criar um modelo original ainda que copiando os países do Norte. A este propósito referiu a originalidade do Barroco Brasileiro originalidade que advém do facto de os brasileiros tanto quererem copiar o Barroco Português, mas com muito mais pompa e circunstância o que fez com que acabasse por criarem uma cópia bastante original. Não é certamente por acaso que os Países do Sul, fazem parte do G20.
Longe vão os tempos em que o próprio Fernando Henrique Cardoso participou na conferência que nessa altura opunha o Norte ao Sul e que constituiu um marco histórico nesta problemática: numa reunião que dava continuidade à ideia saída da conferência onde nasceu a concepção de Países do Terceiro Mundo, definição do sociólogo francês Sauvy. Nessa reunião histórica também eu participei- revela-nos o escritor Sergio Kokis que estava sentado ao nosso lado: - como segurança do Partido Comunista - remata. Parecendo ter ouvido Sergio Kokis, Fernando Henrique Cardoso diz: A luta pela afirmação política dos Países do Sul foi sempre uma luta muito conduzida pelo bloco comunista e, como tal, guiada pela ideia do Estado-Nação que conduziu a que muitos dos países não-alinhados acabassem por ter um sistema político totalitário que os afastava da ideia de base: a democracia.
E, ainda que uma boa parte dos estudantes presentes, não partilhe das suas ideias e visão do mundo pode afirmar-se que o ex-presidente do Brasil cativou as cerca de 300 pessoas presentes. Fernando Henrique Cardoso quer-nos levar a pensar que o mundo pode mudar com a redefinição das relações internacionais no jogo actual de forças e no contexto da globalização: a erosão do poder dos governantes pela lei do mercado, o poder da comunicação social, a natureza transaccional da política com os problemas ambientais, com os fenómenos criados pelo terrorismo, o tráfico de droga, etc. Também aqui FHC moldou o seu discurso de forma a seduzir o público do Norte, mais claramente o do «Primeiro Mundo», para quem, afinal, se dirigia e que se reconfortou com a utopia da esperança de um dia as economias «emergentes» poderem estar ao mesmo nível dos grandes países do «Norte». Da maneira como falou do seu país deu a entender que tudo está a melhorar no Brasil.

O debate, no fim, sempre curto, também se mostrou muito interessante, recorrendo o ex-presidente do Brasil ao humor.
No fim Fernando Henrique Cardoso fez o que sempre fez: tranquilizou aqueles que esperam uma melhor qualidade de vida para a burguesia que não se compadece com a situação mais difícil para os pobres, remetendo o Plano Fome Zero de Lula da Silva para a utopia, uma vez que, por um lado, são parcos os poderes do presidente num contexto de globalização em que
nos situamos e, por outro lado, esse plano vira-se ainda mais para o descontentamento daqueles para quem o plano teoricamente se destina e isso começa logo na questão da graduação da pobreza para saber quem pode beneficiar ou não de cada subprograma, o que é, em si mesmo, motivo de conflito e em última análise se vira contra a própria popularidade do presidente. Confessa que, a este respeito, falou com Lula da Silva, tendo este perguntado se um presidente pode efectivamente fazer alguma coisa!

O lado de sociólogo veio ao de cima, quando evidencia o crescimento do trabalho informal em detrimento do emprego tradicional, alterando a dinâmica das relações de trabalho e que o Brasil, como país do mundo que mais mobilidade no emprego tem, parte

em vantagem para essa nova realidade social. E com bastante mau gosto exemplifica o próprio caso do actual presidente que de metalúrgico passa a presidente da república. Perante a colheita se sorrisos amarelos lá foi dizendo que era amigo de Lula da Silva tendo este dedicado a sua vida a criticá-lo por não ter conseguido realizar determinadas políticas que ele agora também não é capaz de realizar e, por isso, vai da mesma forma ser criticado pelos seus opositores. E lá foi esbatendo a impressão do seu paternalismo e uma certa arrogância com que se referiu ao Presidente Lula, um ícone da esperança de uma verdadeira vontade de mudar a face do Brasil.

Com conhecimentos mais pormenorizados sobre o Brasil os estudantes de Introdução à Cultura Brasileira da Universidade de Montreal consideram que é fácil falar das grandes possibilidades do Brasil para sair da pobreza e de estar optimista quanto ao futuro do país-continente quando se está no topo da pirâmide social.
D. João VI, os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II e Lula da Silva, foram alguns dos personagens com que gracejou, arrancando gargalhadas à numerosa assistência.
De um modo ou de outro, com esta conferência não se pode dizer que a opinião sobre Fernando Henrique Cardoso por parte dos estudantes tenha mudado radicalmente mas contribuiu, isso sim, para uma melhor definição do homem político e intelectual apaixonado pela Sociologia que, sem dúvida é o ex-presidente do Brasil.

 

Ouça a Entrevista com Fernando Henrique Cardoso

na Radio-Canada no programa Indicatif Présent