A
semelhança entre duas línguas, a materna e a de
aprendizagem, é, sem dúvida, uma vantagem para as
aquisições linguísticas da uma língua
estrangeira, quando esta está próxima da língua
materna ou de qualquer outra que o aprendente domine. Mas esta
semelhança e a consequente proximidade esconde, não
raras vezes, armadilhas de natureza diversa, que prejudicam a
aprendizagem de uma nova língua. As afinidades históricas
e a similitude que comportam, por exemplo, as línguas românicas,
produto da mesma origem latina e de vários factores culturais
e históricos, criam situações difíceis
para os estudantes, cuja língua materna é uma delas.
Um dos principais efeitos da interacção de sistemas
linguísticos é a falsa analogia que produz a semelhança
entre alguns termos que provêm de línguas diferentes,
criando uma das maiores dificuldades para os estudantes e tradutores
neófitos. Formalmente, chamam-se heterossemânticos,
mas são coloquialmente conhecidos por falsos amigos. Na
verdade, a semelhança de forma ou a equivalência
aparente leva os aprendentes a estabelecer uma correspondência
de significados, fazendo fé numa relação
de amizade que é semanticamente falsa. Tanto
mais graves as dificuldades provocadas pelas semelhanças
se o aprendente de uma segunda ou terceira língua tentar
utilizar
palavras da língua de aprendizagem como se fossem da sua
língua materna.
É sabido que
várias línguas possuem palavras com a mesma etimologia,
o que nos leva a considerá-las cognatas ou amigas, porque
têm o mesmo radical e a mesma origem. Apesar de serem, geralmente,
consideradas sinónimas, as duas expressões não
traduzem exactamente os mesmos fenómenos
(Marilei
Amadeu Sabino,
Falsos
Cognatos, Falsos Amigos ou Cognatos Enganosos? Desfazendo a Confusão
Teórica através da Prática).
Evoluindo no tempo, as palavras cognatas são palavras que,
mesmo que sejam semelhantes ou idênticas em duas ou mais
línguas têm, contudo, origens diferentes (Ana
Margarida Vaz da Silva e Guillermo Rodríguez Vilar,
Os Falsos Amigos na Relação Espanhol - Português).
Por exemplo, accent e acento têm a mesma
origem latina (de accentu), mas em Português acento
não tem o sentido de sotaque (pronúncia
peculiar de uma região ou de uma nação) que
tem em Francês. Em Português acento significa,
sinal gráfico. Por isso ouvimos, erradamente, dizer-se
por aqui que fulano tem um acento brasileiro, enquanto que beltrano
tem um acento português. Mas o que ambos têm é
um sotaque do Brasil ou de Portugal. Depuis (em Francês)
e depois (em Português) são falsos cognatos,
já que, são semelhantes graficamente, é certo,
mas têm, contudo, origens e sentidos diferentes. Embora
as duas palavras compostas sejam de origem latina não derivam
da mesma palavra: depuis (preposição e
advérbio) foi formado pela preposição de
e o advérbio puis (desde em Português),
enquanto depois foi formado por de e post.
As interferências
linguísticas, por seu turno, são uma espécie
de invasões parciais e momentâneas de uma língua
noutra, devido à falta de uso do vocabulário aprendido.
Nestas situações o estudante insere o termo da sua
língua na língua estrangeira. O decalque e o empréstimo
são dois tipos de interferência linguística.
São também procedimentos de enriquecimento lexical
dado que muitos neologismos se formam e entram nas línguas
assim. Decalque, por exemplo, é um empréstimo
do Francês decalque e arranha-céus é
um decalque do Inglês skyscraper.
Mas, afinal, o que
são os falsos amigos? São aquelas palavras, termos,
vocábulos ou signos linguísticos que, apesar de
terem uma origem comum e uma grafia idêntica ou semelhante,
em duas línguas, evoluíram de forma diferente, total
ou parcialmente, quanto ao significado sem que tivessem mudado
substancialmente a grafia. O conceito de falsos amigos foi estabelecido
em 1928 pelos linguistas franceses Maxime Koessler e Jules Derocquigny
no livro Les
Faux-Amis
ou Les trahisons du vocabulaire
anglais. O elemento
mais importante no processo de modificação é
o conteúdo semântico, precisamente a cadeia significante>significado”
que “nos permite compreender [...] o conflito entre essas
duas facetas da palavra (1)
.
Existem dois tipos
principais de falsos amigos: os estruturais e os lexicais. Os
falsos amigos estruturais são estruturas gramaticais,
de modo especial sintácticas [...], que apesar de possuírem
uma semelhança exterior, essa não se verifica no
sentido e ou uso (2).
Os exemplos mais típicos são os tempos verbais cujo
uso varia segundo a forma dos verbos: por exemplo, transitivos
directos em português em vez de indirectos em outras línguas
e vice-versa. Os falsos amigos estruturais são em menor
número do que os lexicais, mas são mais difíceis
de trabalhar, porque estão no uso inconsciente da língua,
sobretudo quando se desenvolve em contextos mais informais. O
problema que se coloca é o de saber como dominá-los.
Os campos semânticos dos verbos tornar e tourner
sobrepõem-se parcialmente. Ambos são de origem latina
(do Lat. tornare, trabalhar no torno), mas na sua forma
reflexiva – tornar-se (transformar-se) –
o verbo Português pode ser traduzido para devenir
em Francês. Assim não só muda de sentido mas
também de estrutura porque em Francês não
necessita de forma reflexiva e tourner significa, não
transformar mas voltar. Sem intervenção
específica para identificar o problema e corrigi-lo muitos
estudantes hesitarão por um período mais ou menos
prolongado, em que vão cometendo o mesmo erro, utilizando
o termo tornar quando pretendem dizer voltar.
A par
das dissemelhanças semânticas, os falsos amigos lexicais
afastam-se em aspectos ou parâmetros externos (ortografia
e fonética) e internos (género gramatical e registo
linguístico), o que denota a cadeia significante>significado
dos pares de palavras, cujo conflito chama a atenção
para as suas diferentes facetas. O aspecto externo permite ao
estudante reconhecer a distinta forma das palavras que se desdobram
noutra das duas facetas, oral e escrita; o aspecto interno denota
os valores gramaticais e culturais dos pares em questão.
Falso amigo de tipo lexical: O Francês e o Português
têm palavras que se formam com raízes e sufixos semelhantes;
por exemplo os sufixos -eur em Francês e –or
em Português. Mas na maioria dos casos, as palavras francesas
são femininas, enquanto que as portuguesas são masculinas.
Isso pode constituir um problema para a aprendizagem, porque um
grande número de estudantes terá tendência
a flexionar as palavras de modo semelhante à da língua
materna.
l(a)’odeur e o odor -– la valeur e o valor -–
la vigueur e o vigor
A forma ou a grafia
das palavras subalternizam-se em relação ao conteúdo
linguístico que permanece único, de forma a não
cair no problema da polissemia ou da sinonimia. Além disso,
sobretudo para o ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira,
os pares escolhidos têm que ser de uso real e quotidiano
nas línguas padrão, de nada servindo os pares de
palavras que compartilham uma só acepção
primeira e uma menor ou restrita no seu uso. Também a oposição
dos respectivos significados não é suficiente para
expor o equívoco semântico porque o contexto geral
no qual se insere o possível falso amigo, pode já
alertar o estudante para o facto de uma determinada palavra na
sua língua não poder ser usada no âmbito da
comunicação noutra língua (3)
. Por exemplo, anecdote e anedota tornam-se
falsos amigos já que a palavra anedota em português
tem o sentido de joke, blague, brincadeira, o que não
sucede com anecdote em Francês, que significa historieta.
Como pode um incauto não misturar os dois termos tão
próximos? Trabalhando e lendo muito para reconhecer as
matizes das línguas, nesse caso da portuguesa e francesa.
Em
que momento preciso conseguimos identificar um falso amigo? Quando
as estruturas externas das palavras em questão são
semelhantes ou equivalentes; quando causam um verdadeiro equívoco
semântico, tanto isoladamente como no contexto da fala;
quando os dois termos pertencem às duas línguas-padrão
e quando a disparidade semântica procede da primeira ou
da segunda significação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.. VAZ DA SILVA e RODRIGUES
VILAR, op. cit., p. 4.
2.
CEOLIN, op. cit., p.41.
3.VAZ DA SILVA e RODRÍGUES
VILAR, op. cit., p. 12.