O Portugal-Alemanha com uma Alemã

por

Luís Aguilar

Ilse e Sergio Kokis, Vitalia Rodrigues e Luís Aguilar e Alice Mascarenhas e Raymond Roy no Frappé em Montreal

O título de um livro premiado de um autor quebequense, Louis Gauthier, inspira-me o título desta minha primeira crónica desportiva: O Portugal -Alemanha com uma Alemã.

Foi, no entanto, com um outro autor quebequense, Sergio Kokis, ainda mais premiado, que assistimos ao jogo de futebol Portugal-Alemanha. Mas não é de literatura que hoje falamos (ou porventura sê-lo-à, se por ventura for). Mas, se até o famigerado comentador futebolístico da nossa infância Alves dos Santos, que o povo se encarregou de alcunhar de Alves dos cantos, falava já das quatro linhas e de leitura de jogo, transformando as equipas em confronto em círculos literários, porque não fazermos nós mesmos a nossa leitura do jogo, acompanhando o Jornal de Letras (sim o JL) de 18 de Junho p.p., que dedica duas páginas à selecção, com três crónicas de outros tantos escritores com três distintos "olhares". Os nossos são aqueles onze homens atrás de uma bola que, vá-se lá saber como, são sobrecarregados de oito séculos de história e partem para a baliza como se os víssemos atracar nos portos da antiga rota das especiarias. Este naco é de valter hugo mãe (as minúsculas são insistência do autor e não erro nosso). Quando percebi que não, que estava tudo na mesma, pequenino e com um ar aguerrido à boa portuguesa, fiquei mais descansada. Este delírio no feminino é de Catarina Fonseca. Sejamos honestos: o que é este "orgulho" todo em ser português de que as pessoas falam? Os nossos pais fornicaram aqui; nascemos sem ter nada a ver com o assunto; e de repente sentimo-nos "orgulhosos" disso? Ahn? Quem? Porquê? Orgulho nos pontapés que os outros dão na bola? Esta chatice de quem se farta todos os dias é de João Tordo.

Quadro a óleo de Sergio Kokis

O Portugal -Alemanha com uma Alemã. A alemã do título desta crónica é a nossa amiga Ilse Kokis, na fotografia, à extrema esquerda. Uma alemã, que desta vez, não torce, como de costume, pela Alemanha, antes grita por Portugal, a plenos pulmões, como todos nós, portugueses – personagens da gravura ao lado, do quadro do Sergio, também pintor, vibrando com cada malabarismo do Cristiano Ronaldo, com cada pontapé de longe do Meirelles, confirmando a premonição de Nuno Gomes a quem a bruxa lhe confessara que ele marcaria um golo aos alemães, expectante com os passes de rigor quase científicos de Deco, com a abertura de auto-estradas no meio da relva de Pepe. Como todos nós, a nossa alemã estava confiante. Como todos nós não: nós não tínhamos dúvidas que Portugal acabaria por ganhar, mesmo quando estava a perder por 3-1. De resto, Portugal já tinha ganho o jogo mesmo antes do jogo começar: era, pela primeira vez, favorito numa partida com a Alemanha. Os outros espectadores portugueses estavam cabisbaixos com a má prestação da equipa e daí a ensaiar a triste sina, com comentários às bolas ao poste, aos falhanços clamorosos e, sobretudo, aos frangos do Ricardo, foi um passo. Acabrunhados, autoflagelavam-se, a encontrar bodes expiatórios e a blasfemar contra o país; só arrebitavam nos momentos em que a equipa marcava golos. Ao contrário dos adeptos das outras selecções que puxam pela equipa para que ela melhore e ganhe adrenalina para vencer contrariedades, os portugueses exigem que seja a equipa a animá-los. Se a

equipa está a perder, os adeptos respondem com um silêncio sepulcral. E aqui vem-nos à memória uma frase batida por Carlos Queirós, o senhor que se segue nos comandos da selecção: Se nós observarmos o que temos feito no futebol, por onde eu tenho estado, em muitos sítios - Inglaterra, Japão, China, Emirados Árabes -, as pessoas pensam do futebol português muito mais e melhor do que os próprios portugueses. A testemunhá-lo, a presença e os comentários de um quebequense, o Norman e a Alice, brasileira.

Mas à margem de tudo isso os portugueses preferem desenvolver uma figura de estilo que lhes é tão cara: se a minha avó tivesse rodas… seria um carro eléctrico. Se as cinco bolas na trave tivessem entrado seriamos campeões. Se a Alemanha nos tivesse calhado só na final..., se Ronaldo tivesse jogado como o melhor jogador do mundo, se o Ricardo não estivesse com a gripe das aves...

Portugal foi o campeão europeu de bolas à trave (5 vezes), seguido da Rússia (4), Croácia, Turquia e Espanha (3), lembra alguém que se contenta com pouco.

- No fim, Portugal só perdeu (e injustamente) com os campeões, dizia a nossa alemã, que passaria a torcer pelo seu país, arrumados que estavam os lusitanos. Portugal, uma das equipas favoritas do Euro, acabava de ser afastada pela Alemanha, uma selecção que levava consigo o rótulo de grande decepção do Euro. Até para os alemães Ballack e Rummenigue, Portugal era favorito. Mas mesmo a jogar mal, a Alemanha passaria Portugal e preparava-se já para ser campeã europeia. Nessa altura alguém lembrava a propósito, o que foi dito por um jogador húngaro, após a final do Mundial de 1954, em que a Alemanha ganhou por 3-2 à Hungria, que, por sua vez tinha derrotado essa mesma Alemanha por esclarecedores 8-3, dias antes: Um jogo de futebol são 22 jogadores, onze de cada lado, a disputarem uma bola durante noventa minutos e no fim, ganha a Alemanha...É de lembrar que, mesmo quando vai mais longe do que se espera, Portugal é considerada uma equipa surpresa. Desta vez, favorita, fala-se de decepção. Que decerto modo foi. Portugal, todos viram, jogou mal e como referia um conceituado treinador, Portugal não fizera o trabalho de casa, relativamente ao jogo com a Alemanha. E como podia fazê-lo, se ocupada estava a equipa com outros interesses que mais alto se levantavam. Com efeito, a partir do anúncio da partida de Scolari, das inquietações oscilantes de Ronaldo, entre Madrid e Manchester, das idas de Deco a Barcelona, em fase de plena preparação da equipa, das afirmações patuscas de Scollari, após a derrota merecida com a Suiça, aconteceu o que mais se temia: uma natural e inevitável desconcentração dos jogadores e treinador. De uma equipa que primou pelo jogo colectivo, nos dois primeiros jogos, passamos a ter uma equipa de ridículos rasgos individualizados, nos dois últimos jogos; de uma equipa concentrada passamos a contar com um aglomerado de baratas tontas; de uma equipa vencedora, passamos a ter uma equipa derrotada . E não seria o clima propício, a estas oscilações? Dirá Scolari que o anúncio da contratação do treinador pelo Chelsea não teve a menor importância. Mas, como aceitar esta tese quando noutros momentos vimos o mesmo treinador defender que treinador e jogadores não podem pensar noutra coisa senão na selecção? - Se Portugal perder sou eu o responsável, disse Scolari, enfaticamente, o óbvio. E é, de facto, o grande derrotado, por impor decisões controversas, como a opção por Ricardo para a baliza, o afastamento de jogadores influentes (Costinha, Maniche e Caneira, por dizer uma coisa e o seu contrário, para já não falar da pobre campanha de Portugal até chegar ao Euro. - Sou burro eu?, perguntava o homem. - Não, você não é burro, é casburro - apetece-nos dizer. Mas na hora da despedida Scollari tem mais encanto e, por isso, são inúmeros os elogios que os comentadores desportivos lhe fazem, com grandes pontapés ao lado (particularmente no que à gramática diz respeito). E viram-se então para a equipa, sentenciando a falta de objectividade atacante, perdendo-se em ‘triangulações’ e‘temporizações’ que não se compadecem com o ‘esquema táctico’do treinador. E continuam este dialecto futebolês que só mesmo os que não são bons da bola percebem: A equipa tinha intenção de flanco mas nem sempre os jogadores recepcionavam bem o esférico, sobretudo no futebol aéreo. Tinha posse da bola, mas não possuía uma postura desejável nem um posicionamento em campo adequado. Alguém consegue decifrar este charabiá? É que, explica-nos João Paulo Guerra no "Diário Económico": A diferença entre o futebol e o chamado 'futebol português' é que em Portugal a bola não é redonda, não são apenas 11 de cada lado e a modalidade não se joga num campo aberto mas nas alfuras dos interesses. Mas é Miguel Torga que nos ajuda a melhor definir esta apagada presença de Portugal no Euro 2008: A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura.

Como diria Jorge Perestrelo perante este «frango monumental», que a gravura documenta: keké'iss'ó meu? (o que é que é isso, ó "meu"?).

Após o EURO 2008, Ricardo no INTER, Inter Marché, dizem os engraçados, espalhando a imagem pela Internet. Está encontrado o bode expiatório para a derrota.

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Vitália Rodrigues