EÇA DE QUEIRÓS - DIPLOMATA
Por
Nuno de Mello Bello
Cônsul-geral de Portugal em Montreal
Janeiro 2003

Foi jornalista, tentou a advocacia e colaborou com vários jornais através de crónicas e folhetins (reportagem da inauguração do Canal do Suez 1869).
Vivia confortavelmente mas sem grande responsabilidade no meio intelectual de Lisboa.
Em 1870 (com 25 anos) começou a encarar a carreira consular (separada então da diplomática) como uma possibilidade (dava-lhe um emprego estável, permitia-lhe viver fora de Portugal e ficava com tempo para escrever á vontade). Para o concurso precisava de ter estado na Administração pública 6 meses. Através de conhecimentos arranjou um trabalho em Leiria.

Fez o concurso em Setembro de 1870, o Consulado na Baía que lhe deveria ter sido atribuído foi para outro funcionário, Eça teve de esperar. Nesta altura colaborou nas Farpas e Conferências do Casino tornara-se num jornalista conhecido respeitado e temido. Sobre o facto de ter sido preterido, Eça escreve numa das Farpas. Querido leitor: Nunca penses servir o teu país com a tua inteligência, e para isso em estudar, em trabalhar, em pensar! Não estudes, corrompe! Não sejas digno, sê hábil! E, sobretudo, nunca faças um concurso; ou quando o fizeres, em lugar de pôr no papel que está diante de ti o resultado de um ano de trabalho, de estudo, escreve simplesmente: sou influente no círculo tal e não me façam repetir duas vezes!

Quatro meses depois desta Farpa, em Março de 1872, parte para o seu primeiro posto no estrangeiro, Cuba. (então colónia espanhola onde havia uma elite de funcionários espanhóis e de crioulos que Eça sempre desprezou) Escrevia a Ramalho Ortigão vivo inquieto num ar que não é o meu, estou longe da Europa falta-me a civilização. Os menos de 2 anos passados em Havana foram os menos produtivos da sua carreira literária. Como Cônsul interessou-se especialmente pelos milhares de chineses que entretanto tinham imigrado para aquele território com passagem por Macau e que por isso tinham documentos emitidos pela entidade portuária de Macau. Eram mais de cem mil chineses que gozavam de protecção consular portuguesa. Quando a China assumiu as suas responsabilidades, o Consulado português ficou sem trabalho e Eça sem receita consular (nessa altura era o rendimento do Cônsul). Sobre este aspecto,com o seu

Exposição Eça de Queirós. Marcos Biográficos e Literários em Montreal

habitual humor Eça escreveu: Na Havana, era apenas pago pelos chins, pelos serviços que lhes fazia: pagaram-me bem, honra seja feita aos chins, e deram-me uma bengala de castão de ouro! É verdade que eu, pelo menos por alguns anos futuros, garanti-lhes mais pão e menos chicote. Como bom analista político Eça fazia excelentes relatórios sobre a situação interna cubana, e já em Lisboa fez um conhecido relatório sobre as razões da emigração.

Fez entretanto uma grande viagem aos EUA e ao Canadá (Montreal).

Em Julho de 1874 voltou para Lisboa e no final do ano avançou para o seu novo posto no norte de Inglaterra em Newcastle. Era uma cidade triste a e agreste mas sempre era Europa.

A primeira impressão voltou a não ser boa, cidade industrial (carvão) e centro do socialismo em Inglaterra, numa carta ao seu amigo socialista Batalha Reis, escreve: Saberás que Newcastle, onde há perto de 100.000 operários, é o centro socialista Inglaterra. Estou no foco. É desagradável o foco. Novamente em cartas para Ramalho Ortigão afirma olhando para esta cidade escura suja e cheia de operários descontentes sinto-me triste mas afirmava também no entanto pela falta de interesses é um excelente gabinete de estudo embora isto não queira dizer que não desejo ardentemente sair daqui. Tinha pouco que fazer limitando-se ao pouco trabalho de despachante de navios carimbando manifestos de carga.

Foi no entanto em Newcastle que escreveu o Crime do Padre Amaro. A crise no carvão provocou entretanto graves problemas económico e sociais em Inglaterra que Eça relatou e analisou brilhantemente.

Ao fim de 4 anos Eça estava farto de Newcastle. Tinha uma vida amorosa pouco recomendada e começava a pensar em casar. Em 1879 foi nomeado e instalou-se em Bristol. Os anos que se seguiram terão sido dos mais felizes a sua vida, viajava frequentemente para França (país e cultura que o fascinavam Victor Hugo era o seu herói e Balzac um dos seus mentores) Escreveu nessa altura o Primo Basílio, preparou Os Maias e continuo a escrever crónicas estrangeiradas para jornais portugueses e brasileiros (á distância é mais fácil ter um olhar crítico). Escreveu igualmente as Cartas de Inglaterra que mostram as suas qualidades de analista político. Literariamente terão sido os seus anos mais produtivos.

Casou em Fevereiro de 1886, com Emília de Castro. Voltaram para Bristol, mas em 1888 decidiram viver em Londres quando publicou os Maias.

Sobre Inglaterra Eça tinha sentimentos contraditórios. Se por exemplo nos Maias se sente uma profunda admiração por este país o mais sensato, mais liberal, mais moderno e mais activo do mundo numa carta por si publicada afirma tudo nesta sociedade me é desagradável - desde a sua estreita maneira de pensar, até ao indecente modo do cozer os legumes.


Newcastle, 1875

Foi nessa altura começou a correr o rumor de uma vaga em Paris, já com conhecimentos influencia em Lisboa (também através da família da sua mulher) no mesmo ano, foi nomeado e instalou-se com a família em Paris, era o seu grande sonho.

Havia uma grande diferença entre o Eça em Havana (promissor jornalista) e o Eça que se instala em Paris (escritor e romancista conceituado).


Paris 1888-1900

Em Paris, o Cônsul que Eça foi substituir (Augusto Faria) tinha um grande problema de relacionamento com o Embaixador. (Conde Valbon). Tinha havido problemas entre a mulher de Augusto Faria (que tinha mau feitio) e a Rainha Dona Maria Pia numa visita a Paris.

A transferência das instalações do Consulado foi recambolesca. (Ver Página 242 de Eça de Queirós de Maria Filomena Mónica).

Estranhamente Eça não fez amigos franceses, o seu convívio era com brasileiro e visitas de amigos portugueses.

Há quem o acuse de viver um pouco á margem da efervescência da sociedade parisiense da altura que fazia vibrar a elite cultural europeia. Nenhum comentário á polémica construção da torre Eiffel, o silêncio em relação ao caso de Dreyfus ou á famosa Lettre à la France de Zola J' accuse...

Fazia muitas e longas visitas a Portugal onde começou a participar nos repastos do grupo que veio a ser conhecido pelos Vencidos da Vida (grupo inspirado por Oliveira Martins com políticos, intelectuais e representantes da velha nobreza) que se apresentava como uma elite alternativa para Portugal.

Sempre com um pé em Lisboa Eça participou e comentou critica e activamente a vida política portuguesa (Ultimato britânico em 1890) e toda a crise social e política que se lhe seguiu.

Foi nesta altura que escreveu e a Ilustre Casa de Ramires e a correspondência de Fradique Mendes (publicada depois da sua morte) personagem (intelectual, snob e dândi e estrangeirado) criada e narrada por Eça, que alguns consideram, a par com Carlos da Maia, ser o duplo que habitava o mais intimo de Eça de Queiró.

Veio a morrer, ainda em Paris em 16 de Agosto de 1900 e seu funeral com honras oficiais teve lugar um mês depois em Lisboa.

Para a biógrafa Filomena Mónica, Eça teve uma segunda morte. Os seus bens e arquivo pessoal estão no fundo do mar tendo naufragado com o navio S. André que em Janeiro de 1901 (dez anos depois da sua morte) que trazia também de Paris material que tinha sido emprestado para a Exposição Universal de 1900. Enfim, um mal nunca vem só.
Em conclusão: Terá Eça de Queirós amado a seu país? De facto, não era um saudosista fascinado pelos feitos passados de Portugal.

Considerando que a pátria destruía os seus filhos sempre criticou os atrasos, politiquice nacional e em especial a constante cópia atamancada por Portugal do que se fazia no estrangeiro, usou a ironia a sátira e a sua extrema inteligência para criticar o sistema instalado, do qual, na minha opinião de uma ou de outra forma, sempre beneficiou.

Nos Maias, na última conversa entre Ega e Carlos da Maia, este último pergunta-se:
O que consiste a diplomacia portuguesa? Concluindo que não passa de uma outra forma de ociosidade, passada no estrangeiro, com o sentimento constante da sua própria insignificância.
Antes o Chiado!