Uma Viagem a Portugal com um Alemão


Helen Fotopulos, Louis Gauthier e Luís Aguilar





Por
Luís Aguilar

O jornal LusoPresse esteve presente na sessão de atribuição do Grand prix du livre de Montréal, a 11 de Novembro, último, na Câmara de Montreal. E muito a propósito estiveram presentes Luís Aguilar e Vitália Rodrigues, já que, o prémio, viria a ser atribuído a um livro que fala de Portugal e dos portugueses: Voyage au Portugal avec un allemand de Louis Gauthier.
- Vocês sabiam que o prémio ia ser atribuído a um livro que fala de Portugal? Questiona Helen Fotopulos rindo - Vitália Rodrigues e Luís Aguilar.
- Sabemos, agora, porque é que o destino nos enviou, pela primeira vez, para uma sessão destas - respondemos.
A sessão começou com um minuto de silêncio, à memória do grande escritor quebequense, de origem Haitiana, Émile Olivier, falecido horas antes.
Questionámos Helen Fotopulos, membro do Conselho Executivo da Câmara de Montreal, responsável pela Cultura e Património, numa conversa relâmpago, que com ela tivemos, após a entrega de um dos mais importantes prémios literários do Quebeque:
- Porquê uma quantia tão insignificante para um prémio desta categoria?
- 15 000 dólares para o autor, mais a promoção e outras despesas de vulto é um esforço enorme que o nosso município faz em prol da Cultura. Não concordo que seja um prémio insignificante.
Ao lembrarmo-nos de que em Portugal um prémio desta categoria teria um valor de, pelo menos, quatro vezes superior, a resposta insatisfez-nos. Mas é o próprio autor que, na página 128, do seu livro, publicado pela Fides, parece responder: de toute façon les écrivains ne comptent pas beaucoup dans ce beau pays qui est le mien. E, nesta sessão morna, sublinhada com a ausência quase total de jornalistas pudemos verificar isso mesmo.
Dias depois, vimos o jornal le Devoir de fim-de-semana nas bancas, com um post-it, na primeira página, anunciando uma reportagem sobre a sessão da entrega do prémio. Cépticos, folheámos várias vezes o jornal e nenhuma reportagem; apenas um anúncio do livro. Está percebido!
- Viagem a Portugal como tema do seu livro. Fale-nos então da personagem Portugal - iniciámos, assim, a conversa com Louis Gauthier, homem de comunicação, de certo modo, difícil, para quem, a escrita é uma doença mental, esquizofrenia ou paranóia.
- Antes de o livro descrever uma viagem a Portugal, descreve uma viagem a uma região sombria e atormentada da minha alma.
Louis Gauthier conta as suas aventuras na República Portuguesa. Deprimido, escolhe o cenário certo: o Portugal dos difíceis e problemáticos anos 80, antes da entrada na União Europeia. Uma população desorientada, desiludida e com poucas esperanças no futuro, de novo à espera de El-Rei D. Sebastião, que desta feita, se chamava Sá Carneiro, primeiro-ministro que falecera num acidente nebuloso. Portugal sempre eternamente órfão...a entristecer.
No fim, o livro de Gauthier, é, aquilo que ele diz que não é: um diário de bordo, mais ou menos catártico, egocêntrico de um cronista com olho de lince, que vê Teerão igual a Atenas, mas sem o charme de Atenas. Da pensão Alegria onde se alojou, vê em Lisboa uma cidade estranha e doce que parece afastada do mundo mas que: comme moi les habitants de Lisbonne sont morts - avança Gauthier. De plus en plus je suis convaincu que Lisbonne n'existe pas, parafraseia Fernando Pessoa, autor que, por acaso, desconhece. Mas, já o Presidente do Júri, Roland Guiguère, conhece o maior poeta português de todos os tempos e conhece mesmo os seus biógrafos, citando de cor Tabucci: Pourrait-on dire que Pessoa ne parvient pas à passer, ou du moins pas sans traumatisme, du plan conceptuel à celui de l'action pratique; il est probablement convaincu que le verbe peut devenir chair sans une certaine dose de vulgarité. Pessoa aime le geste, non la main dont dépend le geste.

A palavra a Louis Gauthier e vejamos o que nos conta ele da sua viagem. L'Alfama, le vieux quartier où nous nous sommes égarés à notre arrivées, avec façades roses et ocre et ses cages d'oiseaux accrochées aux murs des maisons... Oui, un jour, toutes les cathédrales seront détruites, toutes les musiques, tous les livres, mais le Carmo laisse croire, deviner, comprendre qu'elles subsisteront encore dans un autre temps, dans le temps éternel où, ce qui a été est et sera dans les siècles des siècles.
Continuando a viagem, Louis Gauthier sai de Lisboa, ville immobile, à tout oublier e depressa chega a Évora: ... j'ai l'impression d'être au théâtre et que ce décors, cette mise en scène, n'existent que pour moi. La nuit est tombée. Il se met à neiger (feriado municipal, pela certa), une petite neige légère qui descend lentement mais se fait parfois happer par des tourbillons qui l'entraînent dans un mouvement joyeux. Je reviens à l'hotel. Dans le bureau de la réception, le thermomètre indique -10o C (termómetro avariado, com toda a certeza).
Então, de Beja, o nosso viajante desespera: Ni hotel, ni restaurant. Pas de taxi... quoi faire?

Le quartier est désert mais je finis par trouver une "pastelaria" minable, cachée dans une petite rue… je commande un café et une pâtisserie, je reste debout, il fait trop froid pour s'asseoir. Plusieurs générations de coquerelles se promènent sans hâte sur le comptoir sous les yeux du patron indifférent qui ne fait rien pour les chasser.
E o nosso narrador, depois do horror de Beja, toma o caminho do Algarve. Boa viagem? Ouçam-no descrever o bom senso e bom gosto dos portugueses: Le chauffeur est un fou furieux. Accroché à son klaxon, il s'acharne sur tout ce qui ne va pas assez vite à son goût. Il fonce dans les virages aveugles pour dépasser des camions, des mobylettes, des tracteurs vieillots. De temps à autres, il se racle longuement la gorge avec un bruit gras et crache par la fenêtre ouverte des sécrétions épaisses. Son assistant, une sorte de débile sans âge, au front bas, aux sourcils broussailleux, s'installe juste devant moi. Il se tient debout sur la première marche de l'escalier d'accès, m'obstruant la vue, et se met a se décrotter le nez. Dégouté, je vais m'asseoir à l'arrière, abandonnant mon destin entre les mains de ces deux horribles créatures.
A primeira sensação que tem Louis Gauthier ao chegar ao Algarve: Les prix ont grimpé. Mas gosta de Lagos. Le village est joli, avec ses rues étroites, ses maisons typiques aux façades recouvertes d'azuleijos, ses balcons en fer et ses balustrades de faïence, les palmiers en rangée le long de l'avenue principale. On sent que tout a été nettoyé, retouché, refait pour plaire aux touristes, pour correspondre en tous points à ce qu'on imagine du Portugal. Mais il n'y a pas de touristes en janvier et cette coquille vide paraît bien triste…
E, finalmente, Louis Gauthier atravessa a fronteira e sente a mudança: De l'autre côté de la frontière, les gens paraissaient plus sympathiques, plus souriants. À Séville, il pleuvait, mais l'air était étonnament doux… malgré le ciel gris, tout me paraissait plus joyeux, plus moderne, plus vivant qu'au Portugal.
Portugal, deprimente como cenário de fundo para uma história nostálgica, introspectiva, de um jovem quebequense que ressaca de uma história de amor mal sucedida, encontra, por acaso, um alemão em Lisboa que, mais do que uma companhia, vai reforçar ainda mais o peso da angústia e criar uma espécie de solidão em comum. Um Diário de Bordo, produzido com grande sentido de observação, sensibilidade à flor da pele e, sobretudo, grande audácia na exposição de sentimentos, sensações, estados de alma, sem ficcionar. É um exercício de autenticidade, um estilo próprio de (re)contar. Um livro que interessa à comunidade portuguesa. Ficará a saber como um quebequense sente o nosso Portugal dos anos 80. Aconselha-se a leitura com muita pomadinha por perto.

Luís Aguilar na companhia de Louis Gauthier, Helen Fotopulos, Roland Guiguère et Rina Olivieri