Ninguém tem mais pátria
que aquele que a perdeu
e a vive como perdido.
Eduardo
Lourenço
Nesta
conferência, a Dra. Ana Paula Coutinho Mendes, Professora
Associada da Faculdade de Letras do Porto doutorada em Literatura
Comparada, membro investigador da I&D “Instituto
de Literatura Comparada Margarida Losa, abordou algumas características
do universo de alguns autores diaspóricos – por
emigração, exílio ou por descendência
dessas circunstâncias – pondo em evidência
os desafios interculturais que lhe estão subjacentes.
A organização do evento foi da responsabilidade
conjunta do Consulado-Geral de Portugal em Montreal e da Secção
de Estudos Portugueses e Brasileiros da Direcção
de Programas de Línguas e Culturas Inglesas e Estrangeiras,
no quadro do curso (Mineur)
de Língua Portugusa e Culturas Lusófonas -que
integra as licenciaturas de Estudos Ibero-Americanos
e Estudos Mediterrâneos
-do Departamento de Literaturas e Línguas Modernas
da Faculdade
das Artes e Ciências da Universidade
de Montreal.
São conferências deste
género necessárias para uma comunidade como
a nossa que reflecte actualmente sobre os seus mais de cinquenta
anos de presença nesta parte do mundo, ainda que sejam
temáticas das quais tenha andado arredada e a testemunhar
esta triste realidade a pouca afluência, preferindo,
certamente os nossos compatriotas a conversa de café,
a disputa futebolística, etc. o que não augura
nada de bom para o futuro.
Na nossa opinião, tínhamos muito que aprender
com o que Dra. Ana Maria Coutinho veio comunicar-nos, relembrando-nos,
logo de inicio, que todas as comunidades portuguesas têm
propriedades e características diferentes umas das
outras, mas parece que no que diz respeito ao interesse pela
literatura todas elas são parecidas e não se
preocupam o suficiente com esse aspecto da vida cultural lusófona.
Pior ainda, os que ousam participar activamente na literatura
da diáspora não encontram nenhum eco em Portugal
que não parece interessar-se pelo que se faz em português
fora do país. Mas, diz também a dra. Ana Paula
Coutinho que as coisas parecem estar a mudar, facto que nos
deixa satisfeitos pois que, segundo revelou a conferencista
o jornal O Sol já tem uma página sobre os portugueses
no estrangeiro a par de outra também interessante sobre
estrangeiros em Portugal. Este tipo de abertura já
é encorajador, mas é claramente insuficiente.
Umas das coisas que ficámos a saber e que reputamos
de interessante foram as três observações
gerais sobre o imaginário da diáspora destacadas
pela dra. Ana Paula Coutinho: a dispersão, a heterogeneidade
dos vários tipos de migração e a exiguidade
de representações artísticas. O que é
certo é que o migrante acaba por não ter nenhum
lugar, nem na terra de origem - onde nunca mais será
considerado da mesma forma - nem na terra de acolhimento -
que nunca será realmente dele. Esse é um sentimento
que nós que não somos emigrantes, sentimos quando
voltamos à terra dos nossos pais. Aqui somos sempre
“a Portuguesa” por causa das origens e lá
sempre nos apelidam de Canadiana por termos nascido em Montreal.
Sentimo-nos pois uma mistura das duas culturas que estão
ambas muito presentes em nós. Gostei imenso da imagem
que nos deu Maria Graciete Besse onde dizia que Lisboa está
cada vez mais suja, mas que é limpa pelas memórias
dos que a deixaram para outra metrópole. Outro aspecto
triste das comunidades portuguesas em geral e da montrealense,
em particular, revelado na conferência é o de
essas comunidades não se manifestarem muito, impedindo
a sua pela sua descrição, elementos importantes
da cultura do seu país de origem. Felizmente, com acontecimentos
como a Expo 98 e o Euro 2004, isto tem vindo a mudar um pouco,
no que à visibilidade de Portugal no mundo diz respeito.
Uma das coisas mais tristes que sobressaiu nesta alocução
é o facto de os imigrantes (e também os seus
filhos) não terem interesse pela cultura literária
portuguesa e pelos estudos em geral. Isso é realmente
um grande problema com que se confronta a nossa comunidade
e pelos vistos de muitas outras comunidades que formam a diáspora.
Mas, apesar de tudo, começam a emergir produções
culturais lusófonas, da literatura ao cinema, passando
pela fotografia. A maior parte deles são provenientes
do que a dra. Coutinho chamou de segunda geração
de imigrantes, ou seja os filhos de imigrantes já nascidos
no país de acolhimento. Esta nova geração
que a conferencista reputa de muito interessante porque, enquanto
os imigrantes da primeira geração escreviam
sobretudo sobre a experiência da saudade, a nostalgia
e ilusão que mantinham de Portugal, estes novos artistas
deixam-se inspirar por novos temas. O que é mais triste
com esta geração mais nova é provavelmente
o facto de falarem mais “emigrês” do que
português. Essa contaminação de registos
é realmente uma praga. Os luso-descendentes sentem-se
presos entre duas línguas e muitos acabam por escolher
escrever (ou exprimir-se) na língua em que estudaram
ou seja a língua do país. Entre os inúmeros
exemplos dados pela conferencista sobre a mudança que
se está a operar, ainda que lentamente citamos o da
produção fílmica de um jovem luso-descendente,
Nicolas Fonseca com o seu filme-documentário Bien Mélangé.
Esta nova geração não quer necessariamente
regressar a Portugal (porque já não nasceu lá),
mas coloca outras questões como o facto da cultura
portuguesa se estar a perder para eles que estão fora
do país de origem.
E de novo é citado Jorge Sena, a propósito da
língua. Chocante, mas exemplar:
Ouço os meus filhos a falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
e todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar que não é deles.
Venham falar-me dos mistérios da poesia,
das tradições de uma linguagem, de uma raça,
daquilo que se não diz com menos que a experiência
de um povo e de uma língua. Bestas.
As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguez daqueles que as herdaram.
Triste pessimismo este o de Jorge
de Sena, também ele emigrante, mas verdadeiro, já
que facilmente verificamos que filhos de emigrantes que foram
criados ouvindo e falando português quando crescem não
hesitam em falar preferencialmente Francês ou Inglês
entre eles; em vez de fazerem o esforço necessário
para não esquecerem a língua das origens...
Gostaria de ter visto mais luso-descendentes a assistirem
à conferência, porque isso demostraria um interesse
pela cultura ou pela arte em geral. A arte em geral é
reveladora: tem uma função heurística
e identitária, ela faz emergir o que não sabemos
que somos ou seremos um dia. Com efeito, a identidade é
um processo em aberto e mais ainda no caso dos luso-descendentes
que têm a riqueza de viverem num contexto de pluralidade
cultural. Fica-nos na memória uma frase tão
batida quanto sentida: há que resistir à homogeneização
para preservar a diversidade cultural porque aí se
encontra o verdadeiro tesouro identitário.