A convite do Instituto
das Ciências Cognitivas da Faculdade de Ciências
Humanas da Universidade do Quebeque de Montreal (UQÀM),
António
Damásio deu uma conferência de abertura, a
que assistiram cerca de 300 pessoas, intitulada Feelings
and Sentience (Sentimentos e Senciência) e integrada
no programa da Escola
de Verão de Ciências Cognitivas sobre A Evolução
e a Função da Consciência.
Coube ao diretor da Escola de Verão
de Ciências Cognitivas 2012, que decorreu de 29 de junho
a 9 de julho, Stevan Harnad, titular da Cátedra de Ciências
Cognitivas da UQÀM, apresentar António Damásio:
professor no Centro de Neurociências David Dornsife, diretor
do Instituto
do Cérebro e da Criatividade da Universidade da Califórnia
do Sul, EUA, internacionalmente conhecido como um dos líderes
do estudo da Neurociência, cujas pesquisas têm ajudado
a compreender os sistemas neurais, que motivam a linguagem,
a memória e a consciência, para além de
demonstrar que os sentimentos e emoções desempenham
um papel central na cognição social e nas tomadas
de decisão.
O neurocientista explicou, ao longo
de uma curta hora e meia, de forma simples e compreensível
as complexidades do cérebro humano, no que diz respeito
ao desenvolvimento cognitivo e, sobretudo emocional.
Não cabe neste curto texto
descrever todos os temas complexos e problemas abordados por
António Damásio, mas poderemos referir sucintamente
alguns tópicos.
António Damásio começou
por dizer que não faz a distinção ortodoxa
habitual entre sentimentos e emoções como campos
de estudo separados, adiantando que as emoções
e os sentimentos constituem, respetivamente, o começo
e o fim de um processo contínuo. As emoções
são públicas, enquanto os sentimentos são
privados. E, por isso, prefere chamar sentimentos de emoções,
listando os seguintes: alegria/felicidade, medo/ pânico,
cólera, tristeza/dor profunda, compaixão, admiração,
desprezo, repugnância, orgulho, vergonha/embaraço.
Lembrou António Damásio
que as sensações de dor e de prazer não
são exclusivas do ser humano mas capacidades que todos
os seres têm, desde uma simples ameba, aos primatas e,
naturalmente, aos homens.
A qualidade dos nossos sentimentos
e emoções influenciam, na razão direta,
a maior ou a menor qualidade de vida e o bom ou o precário
estado de saúde, referiu o cientista, lembrando que cada
estado mental está ligado a um determinado estado físico
que, por sua vez, está associado a um estado cerebral
específico.
Uma chuva de questões emergiu
da plateia no período destinado ao debate, questões
de todos os géneros colocadas por um leque alargado de
interlocutores: estudantes, professores, investigadores, oriundos
de várias regiões do Canadá e do estrangeiro.
A todos, o cientista português, que muitos o tomaram por
italiano, respondeu a cada pergunta, com humor, simplicidade
e rigor, sem sombra de sobranceria, mesmo quando certos céticos
ou fanáticos do cognitivismo o espicaçaram: sobre
a primazia que a nossa sociedade do conhecimento confere ao
cognitivismo em desfavor do universo emocional, escrevi um longo
artigo só para si. Leia-o e depressa verificará
que estará de acordo comigo.
No encontro que tivemos o privilégio
de ter com o neurocientista, após a conferência,
questionamos António Damásio sobre a ciência
que se produz em Portugal e a emergência de cientistas
premiados internacionalmente pelas suas importantes e inovadoras
descobertas. Considera António Damásio que sobre
a ciência produzida em Portugal, não se pode
falar de evolução mas de irrupção.
A Ciência em Portugal desenvolveu-se abrupta e impetuosamente
na última década e hoje as coisas estão
a funcionar muito bem: há muitos jovens que estão
muito bem preparados, são ótimos estudantes e
futuros cientistas e outros já bastante presentes estão
na cena internacional com práticas exemplares, descobertas
importantes e mérito traduzido em alguns prémios
obtidos. E tudo isto não caiu certamente do ar. Deveu-se
e deve-se a uma boa planificação e gestão
de recursos disponíveis, sustentadas por uma política
de apoio à investigação e à publicação,
contemplando vários modos de fazer ciência: uma
obra notável do ex-ministro da Ciência e Tecnologia,
Mariano Gago. No meu tempo apenas a Fundação
Gulbenkian dava os primeiros passos no fomento da investigação
científica através da concessão de bolsas
de estudo, de que fui um dos primeiros beneficiários.
É preciso lembrar a propósito da evolução
da ciência em Portugal, o brilhante trabalho que está
a ser feito na novel Fundação
Champalimaud, de que posso falar com conhecimento de causa
pois faço parte do Conselho de Curadores, conjuntamente
com Simone Veil e Mary Robinson, Conselho presidido pelo Nobel
cientista norte-americano James Watson.
Finalmente, questionamos alguém
que um dia disse que ia a Portugal essencialmente por causa
das lampreias, ao que António Damásio, surpreso,
nos confessou que esses ciclóstomos eram bem mais corpulentos
e muito menos problemáticos no tempo em que os referiu
do que hoje e que as suas idas a Portugal ultrapassam atualmente
esse desejo. Mas é uma ótima pergunta essa
pois há já algum tempo que não como lampreias
e gostaria, sim, de fazê-lo.
Ainda à margem
da conferência o neurocientista encontrou-se com Luís
Aguilar para discutir o papel dos sentimentos de emoções
na aprendizagem do Português Língua Estrangeira
e na possibilidade de integração das competências
emocionais nos vários níveis da organização
curricular do sistema educativo português, partindo do
princípio que existe hoje em dia uma separação
cada vez maior entre o desenvolvimento cognitivo e o emocional,
que reflete o facto de, nos ambientes educativos, se atribuir
uma maior importância ao desenvolvimento das capacidades
cognitivas, valorizando menos os processos emocionais.
Um bom ponto de partida para uma conversa que pode ler aqui.
Ler
reportagem no jornal comunitário Lusopresse.
Ver
programa da Escola de Verão sobre Ciências Cognitivas.
Grande
Entrevista com António Damásio na RTP (2 de abril
de 2009)