Selo
comemorativo dos CTT
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sobre
Natália Correia
a
Visitar:
Biblioteca Nacional
Obras
de Natália Correia nas Bibliotecas da Universidade
de Montreal:
Em
breve Natália Correia terá uma citação
sua num dos bancos do Boulevard Saint Laurent, no que virá
a ser o bairro português de Montreal:
Abre as portas
da História,
deixa passar a Vida!
Como
citar esta página:
Aguilar,
Luís. Natália Correia. In Teia Portuguesa.
[Em Linha].
http://www.teiaportuguesa.com/literaturanataliacorreia.htm
(Página consultada em 25 de Janeiro de 2008).
Texto,
selecção de poemas e organização de
conteúdos:
Luís
Aguilar |
Natália
Correia, poetisa, romancista, ensaísta,
dramaturga, guionista, ficcionista, jornalista,
editora, tradutora e política (foi
deputada à Assembleia da República),
nasceu na Fajã de Baixo, na Ilha de
São Miguel, arquipélago dos
Açores, em 1923 e morreu em Lisboa
em 1993. Natália Correia, embora nascida
nos Açores, é para José
Augusto França a menina
mais bonita de Lisboa, enquanto para
Maria
Amélia Campos, que
traça o seu percurso literário,
a escritora é a Rosa dos Açores.
Com a excentricidade que o caracterizava,
Luiz Pacheco, considerou Natália Correia
a
hierofântide
do século XX. Quanto
à Natalidade de Natália,
Fernando Dacosta diz que é um
desses seres que não cabem no espaço
que lhes foi destinado. Não
me arrependo do que vivi, dizia bastas
vezes, a sacerdotisa do nosso tempo, que se
descrevia do seguinte modo: |
Auto-retrato
Espáduas
brancas palpitantes:
asas no exilio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração
de louça
quebrado em jogos infantis.
Natália
Correia
in
Poesia Completa, 1999
|
Retrato
Talvez Saudoso da Menina Insular
Tinha
o tamanho da praia
o
corpo era de areia.
Ele
próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino
de água salgada
principiado
na veia.
E
quando as mãos se estenderam
a
todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a
toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o
sonho da criatura.
Largou
o sonho nos barcos
que
dos seus dedos partiam
que
dos seus dedos paisagens
países
antecediam.
E
quando o seu corpo se ergueu
Voltado para o desengano
só
ficou tranquilidade
na
linha daquele além.
Guardada
na claridade
do
olhar que a retém.
Natália
Correia
|
Natália
Correia, que se considerava aluna das
ervas e frequentadora do curso nocturno
do amor... gritava a quem a quisesse
ouvir: Ó, subalimentados do sonho!
A poesia é para comer! Sirvamo-nos
pois da caldeirada de estilos: o surrealismo
com pitadas brechtianas, salpicado, aqui
e ali de traços Vicentinos. Na sua
sartriana forma de ser, a sacerdotisa do
Amor, Natália Correia, rebelde congénita
e frequentadora assídua e militante
dos caminhos ingratos da Liberdade, para
quem o valor das palavras na poesia
é o de nos conduzirem ao ponto onde
nos esquecemos delas, e o ponto onde nos
esquecemos delas é onde nunca mais
se pode ter repouso, pode dizer-se,
andou de maluqueira em maluqueira (palavra
esta que lhe era querida):
|
Queixa
das almas jovens censuradas
Dão-nos
um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos
um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos
a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser
assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos
um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
Penteiam-nos
os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos
um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos
a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos
um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos
um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos
um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos
marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é
a morte.
Natália
Correia
in
Poesia Completa, 1999
Ode
à Paz
Pelas
aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de
pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música,
pela dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro
dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo
sossego,
dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela
Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos
dos amantes,
Pelos prodígios que são
verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas
radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da
terra,
Pelas lágrimas das mães
a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da
guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco
ó benigna
Ó Santa, ó talismã
contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras
da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
Natália
Correia
in
O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, II
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A
Defesa do Poeta
Senhores
jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível
um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que puseste
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem
?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho !
a poesia é para comer.
Natália
Correia
Sete
Luas
Há
noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete
traços
de sete noites que nunca foram feitas
Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são
iguais
à mais longínqua onda de seu
canto.
Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.
Natália
Correia
Falavam-me
de Amor
Quando
um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às
andorinhas.
Depois
nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O
fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
Natália
Correia
in
O Dilúvio e a Pomba, 1979
Fiz
um Conto para me Embalar
Fiz
com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.
Estavam
na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.
Rosas
fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhuma soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.
Natália
Correia
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