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A
Lusofonia pode ser entendida no contexto do Quinto Império,
conjugando o sonho utópico com um projeto cultural mais
orientado para o poder espiritual do que para o poder temporal?
O QUINTO
IMPÉRIO:
É tendo
em conta os quatro mundos do mundo lusófono, que poderemos
(i)limitar a Lusofonia, no contexto do Quinto Império,
traduzindo este a visão sobre as relações
de amizade e de enriquecimento cultural entre os vários
interlocutores do universo lusófono, profetizado por
Bandarra, mais tarde desenvolvido por António Vieira
e, mais recentemente, tema de eleição de Fernando
Pessoa: Restaurar a criança em nós, e em nós
a coroarmos imperador, eis aí o primeiro passo para a
formação do Império (…), este Quinto
Império de que falamos... Antes, porém sigamos
o conselho do poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim:
o resto são “as malhas que o império tece”
Rasguemo-las de vez. Em merengue de samba com chigubo e fado,
tudo a marinar em morna de sonhar, na madrugada que desponta.
Há de despontar.
Estamos bem acompanhados
na defesa de uma Lusofonia no quadro da ideia do V Império.
Agostinho da Silva
que defendeu, numa entrevista histórica dada ao Programa
Zip-Zip da RTP, em 25 de Agosto de 1969- bastante vigiado pela
polícia fascista portuguesa -, numa altura em que Portugal
detinha o poder colonial nos países hoje independentes,
que o mesmo: abrange naturalmente não só este
território Português, mas também o Brasil,
outros territórios pelo mundo e, provavelmente no futuro,
porque há a possibilidade de expansão dessa cultura
portuguesa, provavelmente outras nações terão
todo o interesse em entrar connosco nalguma espécie de
colaboração que terá por base, e por instrumento
de trabalho, essa mesma Língua Portuguesa... (…).
E especifica: Deveremos promover uma cultura geral pluriforme,
em que estejam nítidas, bem marcadas, todas as especificidades
de cada uma das culturas dos diferentes países, e dentro
desses países, as culturas das suas religiões,
e dentro das religiões as culturas individuais de cada
homem.
Entendemos o espaço
lusófono neste contexto de materialização
da ideia do V Império (paradoxalmente anti-Império),
tal como o definiu, igualmente, o Padre António Vieira:
Império da Terra e na Terra (…) espiritual no governo,
espiritual no uso, nas expressões e no exercício
(…) Em qualquer tempo futuro será sempre espiritual.
Cerca de trezentos anos depois, Fernando Pessoa, prossegue a
ideia do Imperador da Língua Portuguesa, retirando-lhe
a essência religiosa e adicionando-lhe a vertente cultural:
Não há separação essencial entre
os povos que falam a língua portuguesa. Embora Portugal
e o Brasil sejam politicamente nações diferentes,
contêm, por sistema, uma direcção imperial
comum, a que é mister que obedeçam. (…)
Acima da ideia do Império Português, subordinado
ao espírito definido pela língua portuguesa, não
há fórmula política nem ideia religiosa
(…) Condições imediatas do Império
da Cultura é uma língua apta para isso, rica,
gramaticalmente completa, fortemente nacional. Um pouco antes
de Pessoa, em 1902, o brasileiro Sílvio Romero pregava
aos peixes: - Sim, meus senhores: Não é isto uma
utopia, nem é um sonho a aliança do Brasil e Portugal,
como não será um delírio ver no futuro
o Império Português de África unido ao Império
Português da América, estimulado pelo espírito
da pequena terra de Europa que foi berço de ambos.
Mais do que qualquer
outro povo ou país colonizador, Portugal deixou marcas
tão significativas da sua presença nos quatro
cantos do mundo e são inúmeros os povos africanos
e asiáticos que testemunharam a chegada dos primeiros
europeus às suas terras, realidade que contrasta com
a insignificante influência de Portugal na cena internacional
e mesmo nas vagas hipóteses de liderança deste
movimento emergente e ainda esotérico e confuso que é
a Lusofonia, porto de abrigo de líricos, oportunistas,
desesperados e outras estranhas gentes que contribuem involuntariamente,
cremos, para uma evaporação da esfera de projecção
de Portugal e, consequentemente, da língua e cultura
portuguesas. Quero eu dizer na minha que Portugal será
hoje pouca coisa fora do quadro da Lusofonia. Mesmo para a sua
plena integração na Europa, deve definir-se como
país integrado num amplo universo de povos e regiões
que lhe lembram a sua grandeza passada mas, sobretudo, a sua
posição promissora futura.
Produto do Império
Português, a Lusofonia é hoje um movimento pequeno,
se comparado com a imensidão dos sonhos que lhe deram
origem. Mas hoje há que entender a Lusofonia não
como uma herança, como teimam os portugueses em considerá-la,
nem como uma oportunidade de negócio futuro, como a veem
os brasileiros, nem como um trauma neocolonialista que dispensa
os colonos, como a entendem os africanos, mas como um desafio
que se deseja partilhado, uma construção e invenção
( e não invasão) de vários mundos no mundo
lusófono que falam do interior deles próprios,
recebendo, simultaneamente, influências das áreas
geográficas e culturais onde a língua portuguesa
é falada ou como sugere Celso Cunha: uma república
do português sem capital demarcada. Não está
em Lisboa, nem em Coimbra, não está em Brasília,
nem no Rio de Janeiro. A capital da língua portuguesa
está onde estiver o meridiano da cultura.
E não esperam
os poetas africanos que Portugal de desclaustrofobe para inventarem
agoras, como o faz o fez o escritor moçambicano José
Craveirinha no I Congresso das Comunidades Lusófonas,
que decorreu na Fundação de Serralves, no Porto:
Agora, é preciso dar corpo ao que se disse sobre o valor
e a urgência de aplicar um novo conceito aos países
lusófonos; isso passa por uma aproximação
sem preconceitos, a todos os níveis e um novo diálogo
a travar com Portugal. Nesta ótica da reciprocidade,
a Lusofonia aborda-se, então, como espaço de circulação
pelos cinco continentes desde que os portugueses aceitem sem
reservas que a sua língua também se fala, e bem,
no Brasil, considera Ivo Castro que sugere que em caso de dúvidas,
basta pensar que Camões, com muita probabilidade, se
sentiria mais à vontade a conversar com Vinicius de Morais
do que com Fernando Pessoa. E que os brasileiros não
façam muitas querelas inúteis sobre os acordos
ortográficos que, embora secundários tanto para
o desenvolvimento da língua como para a realização
da Lusofonia não deixam de criar alguns problemas irritantes
como este que nos relata Domingos de Souza que disse que, quando
os livros e materiais didáticos brasileiros começaram
a chegar a Timor, os professores pensavam que havia erros. Com
efeito, a ortografia que vai vigorar em Timor depende da influência
que cada um dos países de Língua Portuguesa exercerá
na área da educação. Para já, em
princípio, todos os países seguem a norma do português
europeu à exceção, naturalmente, do Brasil.
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