A Lusofonia - uma realidade em estruturação
institucional - fundamenta-se numa comunidade linguística
gerada pela História e, a título mais reduzido e
embrionário, num espaço económico, numa organização
política e numa vivência cultural que carece, ainda,
de um tronco comum conceptual.
Neste sintético texto, propomo-nos navegar pelo Cabo das
Tormentas e, simultaneamente, pelo Cabo da Boa Esperança
do Oceano Lusófono de Culturas, de onde emergem as “probletemáticas”
da Lusofonia, conceito difuso, escorregadio de múltiplas
(in)definições, que tende a “fundamentalizar-se”,
nos sempiternos patriotismos de pacotilha, por um lado e nos complexos
coloniais de trazer por casa, por outro lado. Pelo meio de tantas
ignorâncias, silêncios e gritos, emerge o espectro
lusófobo do adamastor que afoniza ou cacofoniza o conceito
de Lusofonia.
De vários desses estreitos do espírito se diz que
a Lusofonia nasceu, naturalmente, com o 25 de Abril de 1974, na
magia da Revolução dos Cravos e, oficialmente, em
1986, com a criação dos PALOP (Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa) e da CPLP (Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa), em 1996. Neste quadro,
a Lusofonia foi vista – e, porventura ainda é - como
uma tentativa de Portugal manter uma ligação estreita
com as suas antigas colónias, um pouco como fez a França
com a Francofonia e a Inglaterra, ainda mais eficazmente, com
a Commonwealth. Trata-se de um termo que está em circulação
há já vários anos por obra das autoridades
institucionais de Portugal. Baseia-se na ideia da língua
como pátria ou como bandeira nacional, ou, se se quiser
como coagulante da ideia de nação, considera
António Tabucci que, alérgico à Francofonia
entende-a como um sucedâneo neocolonialista. Mas são
outros os que diversa e controversamente pensam.
Os receios de que a Lusofonia fosse uma cópia do modelo
francês, evocado por muitos, entre os quais Tabucci não
têm razão de ser, dado o enfado e irresponsabilidade
com que Portugal se livrou das colónias e do alheamento
político do Brasil em relação aos novos países
de língua oficial portuguesa.
Embora a Lusofonia seja, oficialmente, uma realidade, ela resume-se
a um sonho utópico, a um projecto grandioso, como algo
com que se pode sonhar...e tornar esse sonho realidade, se para
tanto houver o engenho e arte. No entanto, interrogamo-nos com
Fernando Cristóvão: quem pode, por isso, sem
preconceitos ou má-fé, negar a existência
da Lusofonia? Será mesmo necessário falar de
Lusofonias como sugere Mia Couto? O próprio conceito de
Lusofonia não integra já a diversidade de pontos
de vista e potencia a partilha de várias conceções?
Falar de lusofonias não será já, de facto,
institucionalizar as luso-afonias e as cacofonias que estereofonicamente
se fazem ouvir nas feiras de vaidade de cunho lusofónico?
Nós preferimos integrar, numa única Lusofonia diferentes
comunidades, ainda que, com fonias e grafias diferentes, inseridas
numa nova geografia cultural, extrapolando o modelo de Os
Três Círculos da Lusofonia de Fernando Cristóvão,
de onde partimos para a nossa própria síntese, expressa
no quadro que apresentamos no fim do presente texto.
No nosso entender existem quatro mundos do mundo lusófono
e estes quatro mundos vemo-los como espaços socioculturais
de recrutamento dos obreiros do V Império, utopia onde
se podem inscrever todas as lusofonias.
O PRIMEIRO MUNDO DO UNIVERSO
LUSÓFONO abrange, naturalmente, os oito países
membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa). Um elemento primordial junta esses países
que se adjetivam de lusófonos: a língua portuguesa,
língua de oito pátrias, que coabita com a proliferação
de várias outras línguas. Com efeito, a Língua
Portuguesa só em três países da CPLP (Portugal,
Brasil e Angola) é a língua materna, da totalidade
ou maioria significativa da população, enquanto
que nos outros países lusófonos, o Português
é uma língua segunda e uma língua de ensino.
Por exemplo, em Moçambique, apenas três por cento
da população fala o Português como língua
materna e sessenta por cento como língua segunda. Na Guiné-Bissau,
Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor fala-se,
principalmente, os crioulos portugueses e as línguas africanas
ou asiáticas como línguas maternas.
Esquecendo-se de que a própria ata da reunião dos
nacionalistas moçambicanos que decidiram, em 1962, adotar
o Português como língua oficial, foi redigida em
inglês, os linguistas brasileiros (menos) e os linguistas
portugueses (mais) ficaram surpreendidos e escandalizados com
a integração de Moçambique na Commonwealth
e da Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé
e Príncipe na Francofonia. Melhor fora que, de facto e
de fato se escandalizassem com as suas inconsequentes e bisonhas
guerras ortográficas e duras batalhas infrutíferas
pela “hegeagonia” da língua comum, que mais
não fazem do que provocar a gaguez e entristecer, milhões
de falantes de Português, quando à escrita se dedicam.
Para já, o sotaque do silêncio se impõe nesta
algazarra, como aconselha Mia Couto.
Alheios aos chefes corporativos que, quotidianamente, tudo fazem
para se desentenderem, brasileiros e portugueses, comuns, brindam
com copos “tilintantes” de Porto e cachaça,
entendendo na “prefeitura” o que se querem dizer.
- Falou, diz um. – Está dito, diz
o outro, sem precisarem de qualquer acordo sobre a sua fala ou
escrita para pedirem mais um copo, ou não fossem as gramáticas
destinadas sobretudo à escrita e não à experiência
vivida e aos afetos. Entre o fado e o samba há oceanos
que chegam bem para encher “milhacentos” garrafões
de entendimento.
Lisboa está, atualmente, grávida
de brasileiros que escolheram a capital do antigo Império
para aí procurarem melhores condições de
vida, deixando p’ra lá complexos coloniais. Mesmo
que em Espanha tivessem melhores salários, a língua,
a cultura, a história comuns e o coração
têm falado mais alto. Ainda há pouco tempo quando
a vida em Portugal esteve preta (e vermelha) muitos portugueses
elegeram o Brasil para aí viver e ainda hoje se avistam
por todos os cantos do país-continente. A hora é
chegada de Portugal ser o anfitrião do bocado português
da Europa e a porta de entrada para o velho continente aos que
partilharam tempos de vida e língua comum.
Por alturas da Revolução dos Cravos de 1974, do
Brasil, a viver em ditadura, chegava uma carta musicada de Chico
Buarque que punha metaforicamente o dedo, meigamente, na ferida:
Foi bonita a tua festa pá e Tanto mar a nos separar.
E tanta ambivalência histórica a empurrar o balouço
num movimento alternado de união e desunião, oscilando
entre o mítico Portugal das glórias passadas e o
Brasil, do não menos mítico, glorioso futuro. Incapazes
de viverem o presente é ainda no passado e no futuro que
mergulham, respetivamente, Portugal e o Brasil, incapazes de liderarem
o movimento lusófono e as múltiplas partilhas que,
a partir da língua comum, se podem substantivar. Preferem
adjetivar-se estridente e estereofonicamente numa cacofonia a
duas vozes nos imensos e improdutivos (des)acordos ortográficos,
deixando aos países africanos de língua oficial
portuguesa a iniciativa da construção da Lusofonia
e a Timor a pedagogia do seu exercício.
Em Angola, após quase trinta
anos de independência, está ainda na memória
recente a imagem de milhares de angolanos a festejarem, em Luanda,
as vitórias, primeiro do Sporting e, mais recentemente,
do Benfica, no campeonato português de futebol.
E para os que querem fazer do conceito de lusofonia uma filosofia
de boas intenções, que dizer do empenho de todo
o povo português na causa timorense como o testemunham as
palavras de João Soares (ex-Presidente da Câmara
Municipal de Lisboa e filho de Mário Soares): Não
creio que no último século português, eu diria
mesmo desde a crise do Ultimatum, tenha havido, na nossa terra,
um movimento tão amplo, e tão social e ideologicamente
transversal, como o que se gerou em Portugal por Timor. Ele foi
também, porventura, nalguma medida, a sublimação
das nossas culpas e frustrações em todo o processo
de colonização e descolonização. Mas
ele foi, e, é também, em muito larga medida, o produto
do amor genuíno deste povo tão especial que somos,
nós os portugueses. E que dizer, em simetria, do amor
e admiração dos timorenses pelos portugueses que
receberam um simples futebolista luso com honras de estado, só
pelo facto de ser português, não podendo este conter
as lágrimas de emoção?
São, pois, diversos os modos como os vários países
lusófonos se relacionam entre si e com Portugal.
O SEGUNDO MUNDO DO UNIVERSO LUSÓFONO,
abarca, sem hesitação, as várias comunidades
de portugueses espalhadas pelo mundo e que constituem a chamada
Diáspora Portuguesa que compreende um terço dos
portugueses, 4 806 353 milhões, que transportaram consigo
a língua e a cultura, para além da pobreza, da fúria,
dos brandos costumes, do gosto pela aventura ou da saudade. Vivem
em França, na Alemanha, na África do Sul, no Canadá,
na Austrália, nos Estados Unidos, etc.). Neste segundo
mundo do mundo lusófono incluem-se os brasileiros que andam
também pelo mundo fora, sendo já dois milhões,
e os cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos,
timorenses e são-tomenses.
O TERCEIRO MUNDO DO UNIVERSO
LUSÓFONO diz respeito às comunidades luso-crioulas
de África e, sobretudo, da Ásia, que subsistem,
passados que estão cinco séculos do contacto com
os portugueses: Aí foram deixados importantes vestígios
culturais. São as regiões, onde o Português
desempenhou no passado um papel importante e, ainda que hoje,
seja pouco falado pelas povoações, os traços
linguísticos e históricos da presença portuguesa
nessas paragens, são evidentes: Goa, Damão, Macau,
Diu, Malaca, Aruba, Antilhas Neerlandesas, Ilhas Virgens e Porto
Rico, Molucas e, ainda, os Kristang da Malásia, os católicos
japoneses, as quatro comunidades luso-cristãs do Sri-Lanka
(antigo Ceilão), entre outras. É comovente a atitude
dos cingaleses que explodiram de alegria quando souberam que eram
portugueses os membros dos médicos sem fronteiras que vinham
ajudá-los, na sequência dos estragos provocados pelo
tsunami. Com efeito, os Silvas e os Santos que por lá existem,
descendentes de portugueses que lá estiveram há
mais de quinhentos anos, assim que viram os membros da AMI, gritaram:
- É a nossa família que está de volta!
Há que referir, finalmente, neste terceiro universo do
mundo lusófono algumas comunidades da Galiza e de Olivença
que continuam a manter relações emocionais com Portugal
e, reclamando-se do Espaço Lusófono, pediram já
a sua integração na CPLP.
A Lusofonia vista como uma comunidade histórica, cultural
e linguística integra pois todas as comunidades que tiveram
significativo contacto com a Língua de Camões, Machado
de Assis, Pepetela, Mia Couto, Gabriel Mariano, Eugénia
Neto e onde a História deixou traços da cultura
portuguesa que se refletem nas culturas nacionais ou regionais.
É neste sentido que a Lusofonia não se pode circunscrever
às fronteiras nacionais dos países de língua
oficial portuguesa. É imprescindível que outros
mundos no mundo, onde o Português é falado por uma
parte significativa da população ou que com a língua
e a cultura portuguesas tenham tido, no passado, um contacto estreito,
se vejam integrados no universo lusófono.
O QUARTO MUNDO DO UNIVERSO LUSÓFONO integra
o imenso grupo de lusófilos que, não pertencendo
a qualquer dos universos citados se dedica à aprendizagem
da Língua Portuguesa e ou ao estudo de temas das várias
culturas lusófonas. São os lusófilos que,
de Patrick Quellier, Paul Teyssier ou António Tabucci,
aprenderam e ou estudaram a Língua Portuguesa e, cada um
à sua maneira, se interessou pelas culturas em Língua
Portuguesa. São os milhares de estudantes universitários
que, por esse mundo fora, aprendem o Português como língua
estrangeira e ou se interessam, significativamente, pelas diferentes
lusografias e culturas dos países ou regiões assinaladas
nos outros três mundos, a que, antes, fizemos referência.
Porque a Lusofonia- diz Fernando Cristovão - não
é só a soma de territórios e populações
ligados pela língua. São milhares de pessoas de
uma qualificação especial, de outros povos, línguas
e culturas que se interessam por nós. E fazem-no divulgando
em suas terras ideias e realizações lusófonas,
e entre nós, ideias e realizações suas, dando-nos
a conhecer melhor as suas culturas. Intercâmbios estes que
se podem traduzir, se estimulados, em ações de cooperação
económica, social, turística, técnica.
O QUINTO IMPÉRIO: É
tendo em conta os quatro mundos do universo lusófono, atrás
descritos, que poderemos (i)limitar a Lusofonia, situando-a no
contexto do Quinto Império. Quinto Império que traduz
uma visão das relações de amizade e de enriquecimento
cultural, entre os vários habitantes do universo lusófono,
profetizado por Bandarra, mais tarde desenvolvido por António
Vieira e, mais recentemente, futurizado por Fernando Pessoa, que
atribui o papel principal à língua portuguesa:
uma das poucas línguas universais do século XXI
(enquanto língua falada em todas as partes do mundo e com
um grande País, o Brasil, seu falante). Restaurar a criança
em nós, e em nós a coroarmos imperador, eis aí
o primeiro passo para a formação do Império
(…), este Quinto Império de que falamos...
Ainda que bem acompanhados na defesa de uma Lusofonia, no quadro
da ideia do V Império não queremos cair numa espécie
de delírio pós-moderno onde todas as barreiras se
diluem e todo o texto é real e todo o real é texto,
como nos alerta Onésimo Almeida, nem desenvolver qualquer
complexo neo-colonial. O resto são “as malhas
que o império tece” Rasguemo-las de vez. Em merengue
de samba com chigubo e fado, tudo a marinar em morna de sonhar,
na madrugada que desponta. Há de despontar. É
este o real que queremos para o nosso texto.
Agostinho da Silva que defendeu, numa entrevista histórica
dada ao Programa Zip-Zip da RTP, em 25 de Agosto de 1969- bastante
vigiado pela polícia fascista portuguesa -, numa altura
em que Portugal detinha o poder colonial nos países hoje
independentes, que o V Império abrange naturalmente
não só este território Português, mas
também o Brasil, outros territórios pelo mundo e,
provavelmente no futuro, porque há a possibilidade de expansão
dessa cultura portuguesa, provavelmente outras nações
terão todo o interesse em entrar connosco nalguma espécie
de colaboração que terá por base, e por instrumento
de trabalho, essa mesma Língua Portuguesa... E especifica:
Deveremos promover uma cultura geral pluriforme, em que estejam
nítidas, bem marcadas, todas as especificidades de cada
uma das culturas dos diferentes países, e dentro desses
países, as culturas das suas religiões, e dentro
das religiões as culturas individuais de cada homem.
Entendemos o espaço lusófono neste contexto de materialização
da ideia do V Império (paradoxalmente anti-Império),
tal como o definiu, igualmente, António Vieira: Império
da Terra e na Terra (…) espiritual no governo, espiritual
no uso, nas expressões e no exercício (…)
Em qualquer tempo futuro será sempre espiritual. Cerca
de trezentos anos depois, Fernando Pessoa pegava nesse texto e
conferia-lhe uma realidade outra que a do Imperador da Língua
Portuguesa, retirando-lhe a essência religiosa e adicionando-lhe
a vertente cultural: Não há separação
essencial entre os povos que falam a língua portuguesa.
Embora Portugal e o Brasil sejam politicamente nações
diferentes, contêm, por sistema, uma direcção
imperial comum, a que é mister que obedeçam. (…)
Acima da ideia do Império Português, subordinado
ao espírito definido pela língua portuguesa, não
há fórmula política nem ideia religiosa.
Seguindo o raciocínio de Onésimo de Almeida poderemos
dizer que Fernando Pessoa deixou-se tentar pelo demónio
tentador de atribuir demasiado poder à língua, considerando
como condição imediata do Império da Cultura
uma língua apta para isso, rica, gramaticalmente completa,
fortemente nacional.
Um pouco antes de Pessoa, em 1902, o brasileiro Sílvio
Romero pregava aos peixes de então e a Onésimo de
Almeida, de agora, com laivos de ufanismo imperial:
- Sim, meus senhores: Não é isto uma utopia, nem
é um sonho a aliança do Brasil e Portugal, como
não será um delírio ver no futuro o Império
Português de África unido ao Império Português
da América, estimulado pelo espírito da pequena
terra da Europa que foi berço de ambos. Ao que suponho,
Onésimo lhe responderia: que esqueçamos anacrónicos
triunfalismos e encaremos com realismo os contextos e as realidades
atuais.
Ei-los. Mais do que qualquer outro povo ou país colonizador,
Portugal deixou marcas tão significativas da sua presença
nos quatro cantos do mundo, sendo inúmeros os povos africanos
e asiáticos que testemunharam a chegada dos primeiros europeus
às suas terras, realidade que contrasta com a insignificante
influência de Portugal, hoje na cena internacional e mesmo
nas vagas hipóteses de liderança deste movimento
emergente e ainda esotérico e confuso que é a Lusofonia,
porto de abrigo de líricos, desesperados, confundidos e
de outras estranhas e desvairadas gentes, que contribuem
involuntariamente, cremos, para uma evaporação da
esfera de projeção de Portugal e, consequentemente,
da língua e cultura portuguesas. Dos cinco candidatos à
presidência da República, nas últimas eleições
apenas Manuel Alegre se referiu à relação
de Portugal com os países de língua portuguesa e
à Lusofonia, apesar de Portugal ser hoje pouca coisa, fora
do quadro da Lusofonia. Mesmo para a sua plena integração
na Europa, deve definir-se como país integrado num amplo
universo de povos e regiões que lhe lembram a sua grandeza
passada mas, sobretudo, a sua posição promissora
futura.
Produto do Império Português,
a Lusofonia é hoje um movimento pequeno, se comparado com
a imensidão dos sonhos que lhe deram origem. Mas hoje há
que entender a Lusofonia não como uma herança, como
teimam os portugueses em considerá-la, nem como uma oportunidade
de negócio futuro, como a veem os brasileiros, nem como
um trauma neo-colonialista que dispensa os colonos, como a entendem
os africanos, mas como um desafio que se deseja partilhado, uma
construção e invenção ( e não
invasão) de vários mundos do universo lusófono
que falam do interior deles próprios, recebendo, simultaneamente,
influências das áreas geográficas e culturais
onde a língua portuguesa é falada ou como sugere
Celso Cunha: uma república do português sem capital
demarcada. Não está em Lisboa, nem em Coimbra, não
está em Brasília, nem no Rio de Janeiro. A capital
da língua portuguesa está onde estiver o meridiano
da cultura.
E não esperam os africanos que Portugal se desclaustrofobe,
nem que os brasileiros desçam do miradouro onde espreitam
um futuro que não chega, para inventarem o universo lusófono,
como o fez o escritor moçambicano José Craveirinha
no I Congresso das Comunidades Lusófonas, que decorreu
na Fundação de Serralves, no Porto: Agora, é
preciso dar corpo ao que se disse sobre o valor e a urgência
de aplicar um novo conceito aos países lusófonos;
isso passa por uma aproximação sem preconceitos,
a todos os níveis e um novo diálogo a travar com
Portugal. Nesta ótica de reciprocidade, a Lusofonia
aborda-se, então, como espaço de circulação
pelos cinco continentes desde que os portugueses aceitem sem
reservas que a sua língua também se fala, e bem,
no Brasil, como sugere Ivo Castro que, igualmente, considera
que em caso de dúvidas, basta pensar que Camões,
com muita probabilidade, se sentiria mais à vontade a conversar
com Vinicius de Morais do que com Fernando Pessoa. Terminamos
sem que possamos prever, nem esse é o fim deste pequeno
trabalho, em que medida é que as algumas (ainda poucas)
intervenções de políticos e homens de cultura
dos espaços lusófonos, a que nesta comunicação
nos referimos no sentido da promoção de um espaço
comum de falantes de Português, esse porto sempre por
achar de que nos fala Fernando Pessoa, em Mensagem,
poderão vir a dar frutos, num futuro não muito distante.
Sobretudo se tivermos em conta que a Lusofonia não é
só a língua e a literatura como o considera Fernando
dos Santos Neves: Mais que projeto ou questão cultural
e até linguístico-literária, a Lusofonia
é, obviamente, um projeto ou uma questão de Língua
e, embora talvez menos obviamente, sobretudo um projeto ou uma
questão de desenvolvimento economológico e de estratégia
geopolítica. Obviamente uma zona de passagem do
Império para além do Império às Culturas
de Língua Portuguesa.
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