O amor como caminho é o título escolhido para um conjunto
de reflexões, sobre diferentes temas, orientado pelo princípio
da aproximação/união não (só)
ao outro, mas ao Outro.
O amor que aqui se apresenta é um conceito plural e dinâmico
que transcende o individual: um caminho composto por sete degraus,
anunciado por Platão na obra “O Banquete” que,
embora se inicie no amor pela particularidade da beleza do outro,
se expande e alcança a beleza em termos abstratos, enquanto
princípio eterno do Universo, nas suas múltiplas expressões.
E o movimento evolui e encontra o amor pela ética, o amor
pelas práticas belas – a integridade, justiça,
bondade…-, o amor pelas instituições (pelo seu
equilíbrio, harmonia, bem comum), pela ciência e pelo
conhecimento, na compreensão do que é universal. Por
último, no sétimo degrau, este amor alcança
e comunga com a beleza, para além da sua manifestação,
autotranscende-se e une-se à origem do Ser – é
o caminho entre o amor individual, materializado e particular e
um amor expandido como princípio universal e cósmico
- esse amor que é congénere da transcendência
(Bauman, 2006).
É este caminho do encontro, da compreensão da beleza
do Outro, na diversidade das suas expressões, que permite
transcender as conceções individuais, imediatas e
de satisfação particular e se torna num movimento
criador, que une e que amplia, se aproxima da beleza, da ética
e do conhecimento, que preserva e cuida.
Neste movimento de aproximação
ao Outro subsistem resistências originadas pela leitura
do mundo, compostas pelas memórias, vivências e experiências
individuais. Desta circunstância emerge, em cada declaração
e ação realizada, um conteúdo residual de
tempos pretéritos, do qual o indivíduo não
se apercebe, pois se confunde com o tempo presente, através
do qual representa, simboliza e organiza o mundo que o rodeia
mas que contêm aspetos da memória do grupo social
onde o indivíduo foi socializado, em que se estabelece
uma versão acordada do passado, inserido numa memória
oficial da sociedade. Como refere Walter Benjamin é um
contínuo “escovar a História a contrapelo”,
ou seja, recuperar, através das condições
do momento presente (concretas e emocionais), o passado, num permanente
movimento de memória em construção. Esta
conceção de memória (processo e não
produto) não a desvirtua, pois o presente não é
solitário nem original – porquanto evoca continuamente
tudo aquilo que experienciamos ao longo da vida, na nossa forma
pessoal de relacionamento social (Janeirinho, 2003).
A Histórica transmitida traduz-se, muitas vezes, no retrato
da memória oficial, filtrada e interpretada por interesses
e ideologias dominantes, em cada época, e expressa a versão
consolidada de um passado coletivo de uma dada sociedade, com
os seus valores, mitos, arquétipos, uniformizadora de lembranças.
Uma História construída e protagonizada por uma
ocidentalidade que interpretou e registou memórias que
urge hoje revisitar, pela impossibilidade de conhecer os Outros
(e Nós), mantendo silêncios!
No caso português, este movimento de aproximação
e conhecimento ao Outro não conduz à rejeição
da nossa História. Pretende, antes, acolher outros valores
e processos diferentes, fazer uma abordagem ao incompreensível,
através de um método mais sensível, intuitivo
e por isso mais subjetivo, pois a História é composta
por factos reais (relações de produção,
economia, política…) e, também, por um sentido
profundo em torno do qual esses factos se organizam e extraem
sentido - a produção e troca de Mitos e Ideias.
Revisitar a nossa memória individual e coletiva é,
também, dar entrada a outras Histórias, repensar
outros dados, não tanto em termos dos feitos, do conhecimento
das técnicas de combate, de navegação, de
mercadorias transacionadas, mas sobre as motivações
mais profundas, aquelas que se enraízam no imaginário
dos homens e dos povos. Como refere Lima de Freitas, os factos,
antes de se tornarem visíveis na História, começam
por medrar no imaginário de homens - o sonho, o desejo,
a visão.
Cabe aqui refletir e analisar a
nossa construção de ver o mundo, os outros e nós
- a cultura portuguesa e suas múltiplas interrelações
com outras realidades que edificaram esta e as outras identidades
- entrelaçar relatos de outros universos culturais e atribuir
sentido a uma identidade que não é fixa e a outras
identidades que não são produto. Como refere Valleriani,
somos entidades históricas concebidas em termos de viagem,
fruto de negociação de culturas em viagem (travelling
cultures), em que a nossa identidade cultural é habitada
por outras culturas, um produto nunca acabado (Valleriani, 2008).
No amor como caminho em direção
ao Outro é urgente uma visão mais holística
da História onde sejam costuradas memórias emergentes,
não monumentalizadas, e valorizados os mitos, os sonhos,
os desejos e a cultura empírica (sem descurar as formas
de circulação, receção/apropriação)
dos coletivos envolvidos, como fatores fundamentais dos seus percursos
e marca das suas identidades. É revisitar a memória
através de uma abordagem etnográfica aos registos
do passado (tangíveis e intangíveis), de uma leitura
hermenêutica das fontes, em que se expressam e manifestam
narrativas culturais locais e se integram significados e sentidos
do Outro numa conexão entre memória, ação
presente e projeto de futuro (Escolano, 2002).
Referências
Bibliográficas
AUMAN, Zygmunt (2006), Amor
Liquido, Relógio d´Agua, Portugal.
BENITO, Agustin Escolano; Diaz Jose Maria, coords (2002), La memoria
y el desejo – la cultura de la escuela y educacion deseada,
Ceince, Espanha.
FENTRESS,
James (1992), Memória social, novas perspectivas sobre
o passado, Colecção Teorema, Lisboa.
JANEIRINHO, Luisa (2003), Dar voz aos objectos - contributos dos
documentos de vida na construção de um museu de
escola, tese de mestrado, Universidade de Évora.
VALLERIANI, António (2008), Por una hermenêutica
de perfil híbrido, Universidad Europea Miguel de Cervantes.
Abril
de 2009
O Amor como
caminho – na “cidade-mundo”
por
| |