Cada vez mais são goradas
as expectativas da sociedade civil dos países lusófonos,
à medida que se vão realizando as cimeiras dos chefes
de Estado da CPLP. Ainda há bem pouco tempo somou-se mais uma
na capital são-tomense, onde se viram mais parras do que as uvas
necessárias para alimentar o nosso sonho colectivo na concretização
do objectivo proposto, todavia adiado "sine die".
Ao cair do pano, começaram, como de costume, a erguer vozes críticas,
do lado de cá, ao protagonismo da liderança da CPLP ter
sido assumido pelo Brasil, em vez de Portugal, de quem esperava a assunção
do comando da nova caravela atlântica, que nem sequer ainda saiu
do estaleiro. Enganam-se aqueles que julgaram que Portugal estivesse
minimamente interessado no seu envolvimento na nova aventura atlântica
agora de cariz humanitário. Neste momento já deve estar
muito arrependido por ter dado o dito ao seu empenho na construção
de uma comunidade lusófona, estando a aguardar a melhor oportunidade
para abandonar a navegação.
Ora, os nossos dirigentes políticos andam inebriados com a inserção
do nosso país na União Europeia, não conseguindo
"ipso facto" enxergar que também existe outro mundo
no planeta Terra, além do Velho Continente, como lhe chamam.
Nenhum país, por mais rico que seja, se pode dar ao luxo de se
fechar hermeticamente nas fronteiras do continente em que está
situado. Se não, vejamos. Há países, tais como
a Inglaterra e a França, que nunca descuraram a sua estratégia
euro-atlântica, precisamente para reforçar o seu peso no
contexto europeu.
Não é com os discursos políticos de que a política
externa de Portugal tem como prioridade a sua relação
com a África lusófona, mas sim é com as práticas
positivas do dia-a-dia que se constrói o futuro digno de crédito.
O que ainda está anos-luz da realidade. Estamos já habituados
a falácia dos discursos políticos sobre a cooperação
entre os nossos povos, irmanados pelos laços históricos,
sanguíneos, culturais e linguísticos de há séculos.
Por isso, não se pode admitir que Portugal continue com a política
de faz de conta em relação às suas antigas colónias
africanas, procurando apenas valorizar aspectos comerciais de recursos
naturais dos países como, por exemplo, Angola, mas subestimando
a relação humana com estes novos Estados.
Convenhamos que os nossos dirigentes políticos não têm
o verdadeiro conhecimento da África lusófona e nem tão-pouco
possuem sensibilidade às suas problemáticas, daí
que não são capazes de equacionar a política da
cooperação adaptada à realidade dos países
destinatários. A questão muitas vezes nada tem a ver com
muito dinheiro, mas sim, com o "know-how" e a boa vontade.
A política de cooperação deveria ter gente com
o conhecimento real da África e verdadeiramente interessada no
seu desenvolvimento, e não apenas aprendizes de feiticeiro, que
vão entretendo os incautos com os discursos de "show off"
sobre a cooperação fantástica. O relacionamento
entre os países não se avalia somente em razão
do conteúdo comercial. A Inglaterra é o país que
tem maior estreitamento de relação com os Estados Unidos
da América e, no entanto, não é o seu principal
parceiro comercial.
Quero aproveitar esta deixa para interpelar o Governo português
sobre a sua política de preservação da língua
portuguesa como, aliás, referiu o Presidente Jorge Sampaio num
discurso recente, chamando a atenção sobre o seu baixo
nível. Situação idêntica está também
a acontecer no meu país de origem, mas ainda bem pior, porque,
além dos governantes locais não estarem a fazer o esforço
tanto na sua divulgação pelo país fora, como na
melhoria qualitativa do seu ensinamento, todos os governos portugueses,
sem excepção, também nada têm feito de interesse,
no sentido de consolidar o ensino da nossa língua na Guiné-Bissau.
Como luso-guineense, lamento muito
que a nossa língua comum esteja a perder qualidade e terreno
a favor do francês, e os governantes de um e do outro lado do
Atlântico nem sequer se apercebem disso e muito menos estejam
preocupados com o futuro do nosso idioma daquele território africano,
onde há membros do Governo, do Parlamento, presidentes das regiões
e generais de Cumba Ialá que não sabem falar nem escrever
em português, num país de expressão oficial portuguesa.
Caso único nos países que herdaram a língua dos
seus antigos colonizadores.
Como é que um país dirigido por analfabetos pode aspirar
ao desenvolvimento e ser auto-suficiente, pelo menos, em termos alimentares?
Sou apologista de que os meus conterrâneos possam também
aprender as outras línguas estrangeiras, mas nunca deveriam fazê-lo
em detrimento do português, o qual constitui a nossa herança
inalienável. Se é verdade que o português não
é a nossa língua materna, também é certo
que herdámo-lo por força das circunstâncias históricas
inegáveis, pelo que não há volta a dar a isso,
sob pena de perdermos uma componente importante e unificadora da nossa
identidade nacional. Nós, os guineenses, não devemos esquecer
que a herança colonial é uma parte indissociável
da nossa história como um povo, embora haja nacionalistas bacocos
que pretendem apagar o indelével da nossa caminhada histórica.
Como não podemos fazer desaparecer as marcas do colonialismo
na nossa vida colectiva, pelo menos que saibamos aproveitar muitos dos
seus aspectos positivos.
Portanto, uma comunidade será sempre útil e proveitosa
para todos os seus membros, e a CPLP não será uma excepção
da regra. Mas para que ela se torne uma realidade, primeiro, é
preciso que a classe dirigente portuguesa perca, de uma vez por todas,
o complexo do colonialismo de que são eivados e o cinismo no
relacionamento com os africanos, sobretudo com os seus dirigentes; segundo,
estejam à altura dos pergaminhos deste grande Portugal, pelo
contrário não iremos a lado nenhum e nem tão-pouco
sairemos desta "cepa torta".
Dirigente da Associação Guineense de Solidariedade Social