CPLP, a Montanha Que Pariu Um Rato
Por FERNANDO SÁ
In Público, 26 de Agosto de 2004


Cada vez mais são goradas as expectativas da sociedade civil dos países lusófonos, à medida que se vão realizando as cimeiras dos chefes de Estado da CPLP. Ainda há bem pouco tempo somou-se mais uma na capital são-tomense, onde se viram mais parras do que as uvas necessárias para alimentar o nosso sonho colectivo na concretização do objectivo proposto, todavia adiado "sine die".

Ao cair do pano, começaram, como de costume, a erguer vozes críticas, do lado de cá, ao protagonismo da liderança da CPLP ter sido assumido pelo Brasil, em vez de Portugal, de quem esperava a assunção do comando da nova caravela atlântica, que nem sequer ainda saiu do estaleiro. Enganam-se aqueles que julgaram que Portugal estivesse minimamente interessado no seu envolvimento na nova aventura atlântica agora de cariz humanitário. Neste momento já deve estar muito arrependido por ter dado o dito ao seu empenho na construção de uma comunidade lusófona, estando a aguardar a melhor oportunidade para abandonar a navegação.

Ora, os nossos dirigentes políticos andam inebriados com a inserção do nosso país na União Europeia, não conseguindo "ipso facto" enxergar que também existe outro mundo no planeta Terra, além do Velho Continente, como lhe chamam. Nenhum país, por mais rico que seja, se pode dar ao luxo de se fechar hermeticamente nas fronteiras do continente em que está situado. Se não, vejamos. Há países, tais como a Inglaterra e a França, que nunca descuraram a sua estratégia euro-atlântica, precisamente para reforçar o seu peso no contexto europeu.

Não é com os discursos políticos de que a política externa de Portugal tem como prioridade a sua relação com a África lusófona, mas sim é com as práticas positivas do dia-a-dia que se constrói o futuro digno de crédito. O que ainda está anos-luz da realidade. Estamos já habituados a falácia dos discursos políticos sobre a cooperação entre os nossos povos, irmanados pelos laços históricos, sanguíneos, culturais e linguísticos de há séculos. Por isso, não se pode admitir que Portugal continue com a política de faz de conta em relação às suas antigas colónias africanas, procurando apenas valorizar aspectos comerciais de recursos naturais dos países como, por exemplo, Angola, mas subestimando a relação humana com estes novos Estados.

Convenhamos que os nossos dirigentes políticos não têm o verdadeiro conhecimento da África lusófona e nem tão-pouco possuem sensibilidade às suas problemáticas, daí que não são capazes de equacionar a política da cooperação adaptada à realidade dos países destinatários. A questão muitas vezes nada tem a ver com muito dinheiro, mas sim, com o "know-how" e a boa vontade. A política de cooperação deveria ter gente com o conhecimento real da África e verdadeiramente interessada no seu desenvolvimento, e não apenas aprendizes de feiticeiro, que vão entretendo os incautos com os discursos de "show off" sobre a cooperação fantástica. O relacionamento entre os países não se avalia somente em razão do conteúdo comercial. A Inglaterra é o país que tem maior estreitamento de relação com os Estados Unidos da América e, no entanto, não é o seu principal parceiro comercial.

Quero aproveitar esta deixa para interpelar o Governo português sobre a sua política de preservação da língua portuguesa como, aliás, referiu o Presidente Jorge Sampaio num discurso recente, chamando a atenção sobre o seu baixo nível. Situação idêntica está também a acontecer no meu país de origem, mas ainda bem pior, porque, além dos governantes locais não estarem a fazer o esforço tanto na sua divulgação pelo país fora, como na melhoria qualitativa do seu ensinamento, todos os governos portugueses, sem excepção, também nada têm feito de interesse, no sentido de consolidar o ensino da nossa língua na Guiné-Bissau.

Como luso-guineense, lamento muito que a nossa língua comum esteja a perder qualidade e terreno a favor do francês, e os governantes de um e do outro lado do Atlântico nem sequer se apercebem disso e muito menos estejam preocupados com o futuro do nosso idioma daquele território africano, onde há membros do Governo, do Parlamento, presidentes das regiões e generais de Cumba Ialá que não sabem falar nem escrever em português, num país de expressão oficial portuguesa. Caso único nos países que herdaram a língua dos seus antigos colonizadores.

Como é que um país dirigido por analfabetos pode aspirar ao desenvolvimento e ser auto-suficiente, pelo menos, em termos alimentares? Sou apologista de que os meus conterrâneos possam também aprender as outras línguas estrangeiras, mas nunca deveriam fazê-lo em detrimento do português, o qual constitui a nossa herança inalienável. Se é verdade que o português não é a nossa língua materna, também é certo que herdámo-lo por força das circunstâncias históricas inegáveis, pelo que não há volta a dar a isso, sob pena de perdermos uma componente importante e unificadora da nossa identidade nacional. Nós, os guineenses, não devemos esquecer que a herança colonial é uma parte indissociável da nossa história como um povo, embora haja nacionalistas bacocos que pretendem apagar o indelével da nossa caminhada histórica. Como não podemos fazer desaparecer as marcas do colonialismo na nossa vida colectiva, pelo menos que saibamos aproveitar muitos dos seus aspectos positivos.

Portanto, uma comunidade será sempre útil e proveitosa para todos os seus membros, e a CPLP não será uma excepção da regra. Mas para que ela se torne uma realidade, primeiro, é preciso que a classe dirigente portuguesa perca, de uma vez por todas, o complexo do colonialismo de que são eivados e o cinismo no relacionamento com os africanos, sobretudo com os seus dirigentes; segundo, estejam à altura dos pergaminhos deste grande Portugal, pelo contrário não iremos a lado nenhum e nem tão-pouco sairemos desta "cepa torta".
Dirigente da Associação Guineense de Solidariedade Social