Aliança Lusófona

in Seminário do Projeto Câmara nos 500 Anos
Idioma e Soberania - Nossa Língua, Nossa Pátria
03/11/2003

Por

Francisco Knopfli

 


Bom dia, minhas senhoras e meus senhores, professora Ana Maria Fernandes, representante do reitor da Universidade de Brasília, caros palestrantes e amigos: em primeiro lugar, antes de entrar no tema a mim atribuído e sobre o qual lavraram um documento na minha embaixada, recordo que há quatro dias, em uma outra reunião numa universidade de Ciências Políticas e Sociais no ramo do Direito Internacional, à minha frente também se encontravam jovens como os jovens que aqui estou a ver. Na altura, estavam comigo o diretor-geral de Transações Bilaterais do meu ministério, dois jovens diplomatas adidos de embaixadas, e falávamos exatamente sobre relações diplomáticas bilaterais e o futuro da diplomacia. Este intróito significa que, com prazer, vejo os mesmos jovens com a mesma força, com a mesma vontade de saber, e por isso felicito os organizadores deste evento. É uma dupla responsabilidade falar neste seminário, porque os senhores representam o Brasil já de hoje. Não se trata mais daquelas alegorias de dizer o Brasil de amanhã: é o Brasil de hoje. E os senhores têm uma grande responsabilidade — levar este país-continente para o seu caminho, caminho que, na minha opinião, tem a melhor garantia, a melhor eficácia e os melhores princípios de nacionalidade brasileira. Não queria deixar de dizer estas palavras, porque tenho um prazer imenso de ser embaixador de Portugal neste país. Amo o vosso país. Tenho dois filhos de vinte e dois anos que são universitários, e em vocês, queridos amigos, vejo os meus filhos.

As regras da cortesia mandam que este tipo de intervenções se iniciem com o agradecimento pelo convite e pelas felicitações pela bondade da iniciativa. Neste caso particular, permitam-me que vá além da mera cortesia e que vos dê conta da sincera honra e do privilégio que constitui para mim poder estar hoje aqui convosco, nesta verdadeira casa da democracia, emanação da vontade soberana do povo brasileiro, para vos falar de língua e de lusofonia. Atrevo-me mesmo a dizer que só mesmo a Câmara dos Deputados, interpretando porventura o sentir profundo do povo brasileiro, teria legitimidade bastante para promover um seminário sobre defesa e proteção da língua portuguesa, porque defender o idioma é, como sabemos, defender o que há de mais essencial e mais profundo numa nação: a sua cultura, a sua história e a sua identidade. Daí que, não apenas na qualidade de embaixador de Portugal mas também na de simples cidadão português, não posso deixar de, antes do mais, vivamente aplaudir a iniciativa desta Câmara dos Deputados e muito em particular do deputado Aldo Rebelo ao promover uma troca de idéias entre tão ilustres personalidades em torno de algo que constitui, a meu ver, o traço de união fundamental entre o meu e o vosso país: a língua portuguesa.

No culminar de uma aventura histórica iniciada há quinhentos anos por Pedro Álvares Cabral, começou a construir-se esta portentosa nação lusófona que é hoje o Brasil. Cabral foi portador de uma determinada matriz lingüistica, mas estava decerto muito longe de imaginar que o idioma usado pelo seu cronista Pero Vaz de Caminha, no extraordinário relato que fez deste Novo Mundo pleno de maravilhas que apenas entrevia, haveria poucos séculos mais tarde de tornar-se elemento constitutivo fundador da grande nação brasileira, veículo de comunicação de uma das mais fortes, afirmativas e genuínas culturas do nosso mundo. Acho que nem mesmo Camões sonharia que, volvidos quinhentos anos, a língua a que deu forma clássica nos Lusíadas, haveria de cumprir-se com tamanha pujança nos trópicos; e que graças à extraordinária criatividade e plasticidade do povo brasileiro ganhou inovadoras e enriquecedoras sonoridades, "com açúcar", como dizia Eça de Queiroz, ou novas e imaginativas expressões que abriram inexplorados espaços e dimensões para a nossa língua comum. Tenho uma profunda e sentida admiração por este país, e não poderia por isso deixar de começar esta intervenção sem render uma justa homenagem ao Brasil e aos representantes do seu maravilhoso povo que são os deputados membros desta Casa.

Feita esta imprescindível menção prévia, gostaria agora de vos transmitir a minha contribuição para o debate em torno da nossa língua comum. Foi-me atribuído o tema: "Aliança Lusófona". Pedem-me pois que vos dirija algumas palavras no quadro de uma temática geral intitulada "a Aliança Lusófona". Ora, a expressão "aliança" supõe, como sabemos, a constituição de uma união, uma unidade de vontades e de esforços com vista à prossecução de um determinado objetivo. O objetivo, neste caso é, claro está, a Lusofonia, sendo que a referida união de vontades nesta luta pela lusofonia seria então constituída por uma aliança entre os povos que partilham a mesma matriz lusófona. Temos, portanto, assim estabelecida e definida uma "aliança" que se supõe que congregaria os sete países que falam português, unidos na prossecução de um determinado escopo: a Lusofonia, entendida como um largo espaço multicultural lingüístico comum aos sete países lusófonos e que cumpriria dessa forma solidificar e promover ativamente.

Mas, perguntarão, tratar-se-á de uma "Aliança" contra alguém ou alguma coisa, ou então porventura de uma aliança defensiva em face de um suposto ataque já desferido ou a desferir por uma qualquer entidade externa. Estaremos porventura aqui a tratar de uma "Lusofonia" acossada, cercada e que desesperadamente procura defender-se de um inimigo externo, real ou imaginário? Como certamente já adivinharam, a minha resposta a esta interrogação de base é negativa. Bem sei que a comunicação social nos repete diariamente a famosa palavra "globalização", com todo o suposto rol de atentados à nossa identidade cultural a ela associada. Também sei que eminentes acadêmicos e pensadores tentam regular e pacientemente explicar-nos o fenômeno a que chamam de "globalização". E por extensão, o fenômeno da "globalização lingüística". Uns para "diabolizá-la", outros para "endeusá-la", e outros ainda para reduzir a dita a um dado de fato deste final de milênio com o qual estaríamos inelutavelmente condenados a conviver. Levando até às últimas conseqüências o seu raciocínio, alguns estudiosos consideram que no plano lingüístico a "globalização" se consubstancia numa espécie de triunfo final da língua inglesa "globalizada" sobre todos os outros idiomas do planeta, pelo efeito inevitável de uma lei econômica liberal que, aplicada à língua, traçaria um cenário de competição lingüística à escala planetária, com um vencedor pré-anunciado: a língua esperantista do século XXI, o inglês "globalizado".

Neste cenário competitivo de vitória antecipada do mais forte ou, neste caso, do idioma mais forte, à língua portuguesa estaria reservado um mero papel de eventual fornecedor de algumas expressões a esse "inglês universal" que a prazo seria inevitavelmente falado por toda a humanidade. Como todas as restantes línguas, ao português nada mais restaria então do que serenamente desaparecer e orgulhosamente juntar-se a outras relíquias do passado como o latim ou o grego antigo. Este exagerado quadro de catástrofe para o patrimônio cultural da humanidade que, porventura com excessiva e cruel ironia, acabo de traçar, não deixa de ser destituído de senso para os cegos adeptos da dita "globalização lingüística". Contra tal futuro trágico para o nosso idioma, deveríamos pois imediatamente constituir uma "guerreira Aliança Lusófona", destinada a "combater" determinada e desesperadamente pela própria sobrevivência cultural. Devo dizer, no entanto, desde já, que não acredito de modo nenhum em semelhante cenário futuro tão empobrecedor culturalmente para a humanidade.

Em primeiro lugar, não podemos obviamente perder de vista a noção de relativismo histórico de tudo isto. A antes referida "globalização lingüística" em favor da língua inglesa, tida já por alguns como uma autêntica visão de futuro, não passa com efeito de um epifenômeno dos últimos 30 ou 40 anos. Não esqueçamos nunca que a nossa própria língua portuguesa foi durante dois séculos a "língua franca" de comunicação nos mercados extra-europeus, desempenhando exatamente o mesmo papel globalizador que hoje tem o inglês. De Salvador a Nagasaki, passando por Luanda, Calicute, Málaca e Macau, o português foi durante os séculos XV e XVI o idioma obrigatório de comunicação para qualquer mercador, fosse ele flamengo, árabe, indiano ou japonês, que desejasse comercializar nos portos mercantis da então apenas esboçada "globalização". Temos de lembrar, talvez num parênteses, que a primeira globalização — e todos os senhores sabem disso — foi feita pelos romanos com o latim, na minha opinião, e, mais que tudo, com a moeda global, que foi a moeda romana para toda a Europa, e que a segunda globalização foi feita, como sabem, pelos portugueses quando deram a volta ao mundo. Portanto, para nós, não é nada novo. Não esqueçamos também o papel estruturante como segundos idiomas que em diferentes momentos do passado recente línguas de império como o alemão ou o russo desempenharam na Europa, ou a função de irradiação civilizadora que o árabe ou o chinês continuam a desempenhar nos dias de hoje. Não esqueçamos também ainda que o tratado que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, há pouco mais de 80 anos, foi unicamente redigido em francês, pela simples razão de que aquele era então o idioma quase exclusivo da diplomacia de Estado e ninguém achou necessário traduzi-lo para outras línguas.

Em segundo lugar, porque o efeito tendencialmente globalizador que a língua inglesa hoje de fato exerce se situa apenas no plano do estabelecimento de um meio de comunicação universal, ou se preferirem "global", entre povos de todos os pontos do planeta. Imposto pelas próprias realidades do atual sistema econômico mundial de mercado aberto e pelas novas tecnologias da informação, este "esperanto" da pós-modernidade surge como linguagem universalizante unificadora da "babel" lingüística do planeta. Porém, não deixemos que a Internet nos iluda quanto ao suposto império da língua inglesa, porquanto, se bem que esta tenda de fato a estabelecer-se como idioma universalista, a sua função de comunicação global não substitui nem muito menos anula a função primordial de fortes línguas nacionais, em particular de línguas plurinacionais e pluricontinentais, como é o caso da língua portuguesa. Adiante-se, desde já, que até mesmo na Internet o português ocupa a muito honrosa posição de quarta língua mais usada naquele universo cibernético, com mais de 4 milhões de utilizadores, dos quais 700 mil em Portugal.

De fato, até mesmo os norte-americanos sentem necessidade de aprender línguas estrangeiras. Por quê? Certamente porque dentro dos próprios parâmetros de análise da chamada "globalização" chegaram à conclusão de que o mundo cada vez mais competitivo em que vivemos exige o domínio não apenas da língua de tendência universalista, mas também de uma ou mais línguas estrangeiras complementares — para além obviamente da língua materna. Só dessa forma o homem moderno poderá ser verdadeiramente competitivo. Muitos dos que aqui estão com certeza já estiveram em Nova Iorque e verificaram como se ouve falar português, como se ouve falar espanhol, na Quinta Avenida. E se formos a Miami, talvez se ouça falar mais espanhol do que inglês. Os senhores também já notaram que não são apenas os diplomatas estrangeiros em serviço em Brasília que falam português. Os empresários estrangeiros que aqui se instalam decidem imediatamente aprender a língua de Machado de Assis, porque consideram sem dúvida indispensável o domínio da língua portuguesa para melhor rentabilizarem os seus investimentos.

O mundo que se desenha para o século que aí vem não será, a meu ver, redutoramente um mundo bilíngüe — língua nacional mais o inglês norte–americano — mas sim um mundo trilíngüe ou até mesmo multilíngüe. A "globalização" em construção vai-se fazer não somente em torno da superpotência global, representada pelos Estados Unidos da América, mas sim de forma multipolar, em torno de diferentes blocos econômicos, regionais/continentais e em torno de blocos culturais/lingüísticos. O Brasil e Portugal participam ativamente na construção de fortes blocos de integração econômicos, respectivamente o Mercosul e a União Européia, e vão edificar um forte bloco cultural/lingüístico que vai ser a CPLP. Por que razão é que Portugal, quando em finais dos anos oitenta iniciou o processo de internacionalização da sua economia, decidiu que o destino estratégico fundamental do seu investimento seriam os países de língua portuguesa e em particular o Brasil? Pela simples razão de que a partilha de uma língua comum lhe dá, à partida, uma vantagem competitiva importante em relação aos restantes países investidores no mercado brasileiro.

É, pois, por todas estas razões que defendo a idéia de que a "Aliança Lusófona" que pretendemos construir não deve ser nem timidamente defensiva, nem desesperadamente agressiva, mas sim, serenamente afirmativa. Para tanto, contamos com uma base de partida extremamente sólida:

- Somos quase 200 milhões de falantes, com a imensa maioria deles sendo brasileiros, como sabemos. Este fato faz da língua portuguesa a terceira língua ocidental mais falada no mundo, depois do inglês e do espanhol.

- Estamos em todos os continentes, com uma forte presença em África que faz da nossa língua, a par do árabe, do inglês e do francês, um dos quatro idiomas oficiais da Organização de Unidade Africana. Contamos com importantes pontos de permanência na Ásia, como Macau e Goa, já para não falar do futuro oitavo país da CPLP que vai ser o Estado de Timor Loro Sae, a meio caminho entre a Ásia e a Oceania.

- Pelo número de falantes somos hoje, repito, a terceira língua mais falada do ocidente, depois do inglês e do espanhol. A constatação desse fato faz com que Portugal se bata no seio da União Européia para que o português seja definido como uma das quatro línguas estratégicas européias, se acrescentarmos o francês aos três idiomas antes referidos. Orgulhosamente e por direito próprio estamos pois entre os quatro maiores blocos lingüísticos de matriz ocidental no mundo. Trata-se de uma enorme responsabilidade para todos, da qual temos de saber estar à altura, pois assim o exigem os povos que falam a nossa língua.

- A Lusofonia atravessa hoje um extraordinário momento de pujança e de afirmação cultural à escala mundial que não é possível escamotear. A notável vitalidade das literaturas nacionais lusófonas é um fato indesmentível que o nosso Nobel da língua portuguesa, atribuído a José Saramago, apenas veio confirmar. Nomes como Craveirinha ou Pepetela, em África, e Nélida Piñon ou João Ubaldo Ribeiro, no Brasil, só para falar de escritores em atividade, são hoje figuras incontornáveis da literatura mundial, sem esquecer evidentemente esse grande vulto da poesia universal que acaba de nos deixar e que foi João Cabral de Melo Neto. Na música, se Gilberto Gil ou Milton Nascimento continuam a suscitar admiração e sucesso mundiais, o êxito extraordinário que Cesária Évora tem conhecido, cantando em crioulo português da pequena ilha cabo-verdiana de S. Vicente, sem esquecer os portugueses "Madre Deus", são a prova cabal de que a música cantada em português já conquistou o seu espaço no mercado globalizado.

- E, finalmente, dispomos de instrumentos institucionais multilaterais já constituídos, capazes de conferir uma base de sustentação sólida à desejada "Aliança Lusófona" que pretendemos construir:

- Com efeito, em julho de 1996 foi constituída em Salvador por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e S. Tomé e Príncipe, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa — CPLP. No documento estatutário fundador da CPLP, logo se estipula expressamente que a organização internacional nascente assenta em três pilares de base, a saber: a concertação político-diplomática; a cooperação para o desenvolvimento; e a promoção e difusão da língua portuguesa. Este terceiro pilar é justamente aquele que, por uma razão ou por outra, menos tem sido desenvolvido. Legitimamente preocupados em acudir a candentes problemas internos, tidos como prioritários, alguns países-membros da CPLP terão porventura descurado este vector essencial da política externa. Em julho próximo, realiza-se em Maputo, Moçambique, a III Reunião Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP. De acordo com os mecanismos de renovação periódica da estrutura interna da organização, Brasil e Portugal irão assumir os lugares de, respectivamente, secretário-executivo e secretário-executivo-adjunto.

Portanto, essa grande instituição que é a CPLP terá um secretário-executivo brasileiro e eventualmente um secretário-executivo-adjunto português, cargo que poderemos delegar a um outro país, se acharmos conveniente, por razões de coordenação e consolidação internas, mas o secretário-executivo — repito — será um brasileiro.

A Cimeira de Maputo será histórica, a vários títulos. Em primeiro lugar, porque se tratará da primeira reunião magna da Lusofonia que se realizará em África, e em segundo, porque contará com a presença de Xanana Gusmão — o Nelson Mandela do mundo lusófono — em representação do heróico povo de Timor. Julgo que se tratará, pois, de uma oportunidade única para dar um impulso decisivo ao nosso bloco da Lusofonia em formação, especialmente no que respeita à vertente da defesa e promoção da língua portuguesa.

- O Instituto Internacional da Língua Portuguesa — IILP — criado no quadro do referido terceiro pilar da CPLP, começa também apenas agora a dar os primeiros passos, apesar do projeto ter sido lançado ainda em 1989, na conferência de São Luís do Maranhão, pelo então presidente da República e hoje ilustre e estimado senador José Sarney. Embora convidado, infelizmente o doutor Mário Fonseca, diretor-executivo do IILP, não poderá estar aqui conosco hoje para vos relatar as dificuldades por que ainda passa o processo de instalação do Instituto, a edificar na cidade da Praia em Cabo Verde. Trata-se, do meu ponto de vista, de uma instituição fundamental para a planificação e prossecução de políticas conjuntas de promoção e difusão da língua portuguesa no mundo, a que urge dar corpo, se não quisermos deixarmo-nos ficar irremediavelmente para trás na batalha pela promoção coordenada da nossa língua comum.

A terminar esta já longa intervenção e sem querer cansá-los com fastidiosos números ou estatísticas, permitam-me que lhes descreva agora um pouco do que consiste a contribuição do meu país para a nossa "Aliança Lusófona".

Portugal, no prosseguimento de uma política seguida desde os anos setenta, procura desenvolver uma ação externa de difusão e ensino da língua portuguesa que é hoje uma vertente basilar da própria política externa portuguesa. O Instituto Camões, integrado no ministério dos Negócios Estrangeiros, é o órgão público responsável pela condução dessa política externa da língua. Temos o privilégio de contar com a participação neste seminário do presidente do Instituto, professor Jorge Couto, — aqui presente e muito obrigado pela sua presença — que terá certamente oportunidade de vos dar pormenorizadamente conta da ação de Portugal no domínio da difusão da língua, mas tomo a liberdade de vos adiantar que se trata de dezenas de leitorados e de centros culturais e de estudo e ensino do idioma que Portugal apoia direta ou indiretamente, um pouco por todo o mundo. Trata-se de um esforço financeiro muito significativo.

A nossa ação, como é natural, tem especial incidência na Europa e em África. Na Europa, dado que é o espaço político-econômico onde nos inserimos no quadro da União Européia, embora o crescente interesse pela aprendizagem do português na Europa extra-comunitária faça com que não possamos também descurar o apoio a países da Europa Central e Oriental, onde centenas de estudantes aprendem a falar português. E África, porque aí está também o futuro da nossa língua. O português é um idioma em constante expansão em África, graças em grande medida à ação dos governos dos novos Estados africanos de língua portuguesa que sentiram logo no momento da independência que a língua era um indispensável fator de unidade nacional e desenvolveram meritórios programas de ensino do português, inclusivamente nas áreas mais remotas dos respectivos países.

Lembrem-se de que temos visto na televisão, nessas ocorrências horríveis de Moçambique, que toda aquela gente fala português. E é em português que se diz "socorro" e é em português que se dá apoio. Só para vos dar uma idéia, Portugal prepara-se para despender este ano nos diversos programas de cooperação com os países africanos de língua portuguesa cerca de 250 milhões de dólares norte-americanos, sendo que uma parte significativa deste montante se destina aos setores da educação e da cultura. Também no continente americano estamos presentes, embora, se pensarmos em termos de divisão de tarefas, este seja um continente no qual o Brasil está particularmente vocacionado para atuar, em especial no quadro do Mercosul. A título ilustrativo, refira-se que Portugal tem neste momento em curso com a Argentina um importante programa de formação de professores de português. Sabemos que no interior do Mercosul se encontram em preparação importantes programas de cooperação no domínio, do ensino do português e do espanhol. Modestamente, Portugal está disponível para colaborar nesse trabalho de ensino da língua.

Todo este esforço empreendido por Portugal implica significativo dispêndio financeiro e, embora estejamos conscientes de que se trata de uma vertente essencial da política externa que nos traz algum retorno em termos da afirmação externa do Estado, obviamente que o meu país tem recursos limitados dimensionados à sua própria escala e não pode por isso satisfazer sozinho a crescente procura pelo ensino do português e pela cultura de língua portuguesa que notamos um pouco por todo o mundo. Daí que, se desejamos construir uma verdadeira "Aliança Lusófona", é imperioso criar mecanismos de coordenação e congregação de esforços com os restantes parceiros da CPLP, designadamente com o nosso "irmão maior" da língua portuguesa, que é o Brasil, sob pena de estarmos condenados a dispersar inutilmente esforços e iniciativas.

Parece-me assim, por tudo o que antes procurei expor, ser imprescindível que Portugal e o Brasil coordenem estreitamente uma política comum para a defesa e promoção da língua portuguesa. Podemos mesmo estabelecer metas concretas para esta verdadeira parceria estratégica, base da tal "Aliança Lusófona", que seriam as de fazer do português a terceira língua mais falada nos continentes americano e africano e, como segunda língua, um dos cinco idiomas mais falados no continente europeu, num prazo curto de cinco anos. Trata-se de metas perfeitamente alcançáveis, em face da base já existente, se houver vontade política bastante para o efeito.

Na Ásia temos neste dealbar de milênio uma oportunidade única de colocar à prova essa "parceria estratégica" luso-brasileira no domínio da língua, cujos objetivos acabo sumariamente de traçar. De fato, a meio caminho entre a Ásia e a Oceania, situa-se o futuro oitavo membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que em breve será o Estado soberano de Timor Loro Sae. Os dirigentes máximos e designadamente o Presidente do Conselho Nacional da Resistência Timorense, Xanana Gusmão, daquele território em pleno processo de autodeterminação e reconstrução nacionais, já declararam que a língua oficial de Timor Leste deverá ser a língua portuguesa. Porém, como sabemos, em resultado de 25 anos de ocupação indonésia, na qual o uso do português esteve proibido, — é inacreditável, mas eles proibiram o ensino do português — , há uma larga faixa da população mais jovem que não fala português. Há assim um imenso trabalho de reaprendizagem da língua, símbolo e razão de identidade nacional desse novo estado lusófono, que urge realizar. Tratar-se-á de um esforço gigantesco que porá decisivamente à prova a nossa "Aliança Lusófona". Portugal encontra-se a montar no terreno um extenso e alargado programa de ensino da língua portuguesa. Também o Brasil já anunciou que quer participar na reconstrução de Timor, tendo elegido como área prioritária de intervenção exatamente o ensino da língua portuguesa. Nesta medida, julgo que é pois chegada a hora de o Brasil e Portugal assumirem a responsabilidade conjunta de devolverem a Timor a identidade cultural que lhes foi roubada no passado através de uma ação coordenada e concertada de difusão da nossa língua comum. O sr. presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na visita que acaba de realizar a Portugal, assumiu de resto o compromisso público de construir conjuntamente com o meu país uma parceria no domínio do ensino e difusão da língua portuguesa em Timor.

Permitam-me assim que termine com o seguinte repto: façamos de Timor o grande elemento fundador da nossa "Aliança Lusófona", uma aliança serena, mas afirmativa, feita com base numa herança cultural e lingüística comum que aceita no seu seio a diversidade multicultural enriquecedora que lhe é própria, sem perder de vista o sentido partilhado da História e do futuro. Muito obrigado.