Da Comodidade Lusitana
à Comunidade Portuguesa de Montreal,
com Saudades do Futuro

Reportagem de
Luís Aguilar
Professor Convidado da Universidade de Montreal
e Docente do Instituto Camões

Fotos de Vitália Rodrigues e José Rodrigues


O Dr. João Pedro da Silveira Carvalho, Embaixador de Portugal em Montreal. Mais do que uma presença protocolar, regista-se a disponibilidade com que o diplomata participou na Festa Nacional

Cada vez mais constatamos o interesse dos políticos quebequenses pela nossa cultura: hoje falávamos com Gilles Duceppe, chefe do Bloc Québécois, da passagem de Eça de Queirós por Montreal em 1873, tecendo elogios a esta metrópole da América do Norte.

Duas, entre outras, presenças de representantes de países lusófonos que acompaharam a festa do dia do antigo colonizador, sem saudades, mas com a esperança de um projecto lusófono: Angola e São Tomé e Príncipe. As sábias palavras do poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim: o resto são “as malhas que o império tece” Rasguemo-las de vez. Em merengue de samba com chigubo e fado, tudo a marinar em morna de sonhar, na madrugada que desponta. Há-de despontar.

O (re)conhecido, prestigiado e super-premiado escritor quebequense, Sergio Kokis, no pleno convívio com um povo que adora e um país que enaltece: Portugal, que visita praticamente todos os anos.

O representante do Santander/Totta, Rui António, de mangas arregaçadas, ajudando à festa e distribuindo chouriço, pede para não se falar em dinheiro, pois isso enerva os que o não têm.

Momento cultural interessante, que recolheu bastantes aplausos:

O Rancho Folclórico de Fazendas de Almeirim acantonado num palco exíguo, com uma imensa cena alcatifada pela frente, nem por isso deixou de contagiar os presentes que não se furtaram a um pézinho de dança.

Duas gerações separam estes jovens, a provar que está viva chama (Cipriana Machado com um elemento do Rancho Folclórico de Fazendas de Almeirim)

Dois velhos companheiros, separados hoje, pelos diversos percursos de vida e carreiras distintas:
Henrique Laranjo e Gilles Duceppe

No início, poucos estiveram presentes.

Uma panorâmica da cena festiva com bastante público a contrastar com o início.

Palavras para quê? São artistas portugueses!


Com Elisa Fonseca da Lusa, o sempiterno debate: a necessidade de um jornalismo de análise reflexiva e crítico.

Comecemos por dizer o óbvio: as Comemorações do Dia de Portugal em Montreal são, de há três anos para cá, um evidente e gratificante sucesso. Retiradas da muita pompa e da pouco circunstância, as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, que durante anos a fio se quedaram por uma festa de eleitos que se passeavam pelas alcatifas do clube Saint James, foram por iniciativa do dr. Carlos Oliveira, cônsul-geral de Portugal em Montreal, reenviadas para a expressão popular e associativa e, consequentemente retiradas das lides elitistas dos anos anteriores. Num mesmo gesto, da comodidade lusitana se passou à comunidade portuguesa. Do singular as comemorações passaram a conjugar-se no plural. Do saudosismo nostálgico ao futuro de que temos saudades. De um passado árduo, construído segundo as leis da sobrevivência, quer-se caminhar para um futuro, assente na criação de uma plataforma económica capaz de conduzir e defender os interesses económicos e financeiros, neste país [...], na necessidade de apostar na educação e na formação [...], na manutenção e valorização da língua portuguesa, aspectos sublinhados pelo dr. João Pedro da Silveira Carvalho, embaixador de Portugal no Canadá.

Nesta odisseia lusíada é relevante o trabalho homérico que tem desenvolvido o dr. Carlos Oliveira, cônsul-geral de Portugal em Montreal para que as comemorações sejam, nestes tempos de transição e mudança, expressão do povo que delas pode fazer a sua rampa de lançamento para a construção de uma comunidade unida e organizada, capaz de se afirmar no plano da cidadania, no plano da participação política, uma comunidade de sucesso, que esteja presente na vida da cidade e do país que a acolheram, sem perder a sua especificidade lusa e a sua ligação a Portugal. São alguns (mesmo muitos) os que já se meteram a caminho e não fazem letra morta do que preconizam os nossos diplomatas que citamos acima.

São os jovens que frequentam em número crescente as universidades, e que procuram uma formação de alto nível de qualificação, nomeadamente os que viram os seus projectos reconhecidos e apoiados significativamente: a frequência com bolsa europeia do mestrado, mundus master , a ultimação de um doutoramento em Londres, apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, a frequência do MBA interdisciplinar, para citar apenas os que conhecemos melhor. É também a eleição de alguns compatriotas para lugares políticos relevantes e os projectos que nessa qualidade têm sabido levar a cabo, como o Projecto de Renovação da rua de Saint Laurent, com forte visibilidade para os aspectos humanistas da cultura portuguesa. Igualmente se regista um melhor e maior espírito empreendedor, que se tem vindo a traduzir na criação de novas empresas dos mais diversificados ramos económicos e de serviços, no aparecimento crescente de novos restaurantes e na cada vez maior e mais agressiva competitividade no sector da promoção e importação/exportação de vinhos portugueses, etc.. É também a difusão, promoção e produção de manifestações artísticas, sendo cada vez mais frequente a apresentação de poetas, cineastas, pintores de grande qualidade, apreciados pelo público quebequense mais exigente. É o sucesso galopante da Caixa de Economia dos Portugueses de Montreal que todos os anos nos vai dando conta dos progressos continuados que aquela instituição bancária vai tendo. É a reflexão na acção que o Congresso Luso-Canadiano, agora com um ilustre compatriota da nossa comunidade montrealense na presidência, vai impondo. É a criação de novos programas de língua e cultura portuguesas no ensino universitário, com um número cada vez maior de estudantes. Estes exemplos paradigmáticos que engrandecem a comunidade portuguesa deviam ser de algum modo apontados nestas comemorações.

Mas todo este movimento evolutivo precisa de liderança, individual e colectiva susceptível de canalizar as produções individuais para projectos de acção, estabelecendo sinergias e pontes entre eles. Uma liderança forte já que um fraco rei faz fraca a forte gente como nos lembra Camões.

E se tudo isto é verdade ( e a verdade pinta-se nua) não é menos verdade que muitas iniciativas se têm pautado pela superficialidade, pelo pobrete e alegrete, pelo equívoco (in)voluntário que caracterizam a aurea mediocritas, que continua a fazer escola nas comunidades lusitanas desta e doutras metrópoles, servindo de mote ao triste fado de que já Camões nos dava conta há mais de quatrocentos anos em Oh! como se me alonga, de ano em ano:

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.

Não valerá pois a pena gastar energia com esta estranha e desvairada gente e é preciso seguir o conselho de Eça de Queirós: Vimos de onde vós estais, vamos para onde vós não estiverdes.

Por tudo o que temos vindo a referir, fique-se com o essencial e esqueça-se os muitos erros, imperfeições, omissões, etc. de que destacamos, pelo que fomos ouvindo ao longo do dia duma austera, apagada e vil tristeza(Camões): a divulgação tardia do programa, responsável, talvez, pelo pouco público em algumas das sessões, a excelente impressão do programa que fala de Montreal e Canadá na capa e na mesma capa vem uma foto de Lisboa, os inúmeros erros ortográficos, autênticos pássaros tresloucados que pousaram nos vários textos (mesmo assim muito menos do que nas edições anteriores), os múltiplos desacertos entre os vários elementos da comissão organizadora, as várias Guerras do Alecrim e Manjerona à volta do evento, afinal, característica, de todos nós, descendentes dos lusitanos; a instalação de dois palcos um imenso e alcatifado e outro mais pequeno, custando a perceber por que razão se acantonaram os vários artistas e oradores na cena exígua, longe dos espectadores (sobretudo o Rancho de Fazendas de Almeirim, que necessitava de um palco em madeira e não de alcatifa); a ausência de parte significativa da comunicação social(?) comunitária e de várias figuras de proa da nossa colectividade; a gafe ou, se preferirem, a falta de gratidão, para com os imensos patrocinadores do evento, não havendo uma alma caridosa que agradecesse publicamente todos os apoios económicos concedidos, pelo menos os mais significativos, evitando um certo mal-estar entre alguns dos representantes presentes que se empenharam nas comemorações. Et cetera. Todas estas singelas e irrelevantes lacunas não devem ser ampliadas como é costume ou constituirem motivo de deserção ou de desencorajamento, mas devem, outrossim, incentivar à realização de um diagnóstico, ponto de situação do trabalho feito que permita detectar novas necessidades. Que, pela análise produzida se encare as celebrações do próximo ano com o optimismo de quem já fez o mais difícil (a criação da tradição, do “habitus” e promoção de valores e encontros comunitários), mas com mais acção e menos agitação, ou dito de outro modo, com mais profissionalismo, criando sinergias entre vários projectos, grupos e associações, já que a experiência é madre das coisas, por ela sabemos radicalmente a verdade (Duarte Pacheco).
Este dia 10 de Junho, ao contrário do ano transacto, foi abençoado pelo bom tempo, que proporcionou aos inúmeros participantes, um dia de grande animação, de convívio saudável, mas também de preocupações sobre o futuro, na linha do que já havia sido debatido na Associação Portuguesa do Canadá por altura do cinquentenário da sua existência. Pena foi que não se tivesse podido mostrar aos políticos quebequenses essa invulgar capacidade mobilizadora das gentes portuguesas, com propensão para fazer a festa. Escolheu-se, para isso, um momento em que havia um reduzido número de gatos pingados (secos, pelo sol, na circunstância). Calhavam mesmo bem os discursos por volta das seis.

Este foi um dia em que Camões esteve ausente, Portugal pouco presente e a comunidade bastante representada.

Faço minhas as palavras do poeta do dia, para terminar esta reportagem: - Como se encurta e como ao fim caminha este meu breve e vão discurso humano!

O dia 10 de Junho de cada ano serve para lembrar-nos que pertencemos a uma grande Nação, pioneira na expansão marítima europeia, iniciada em 1415 com a conquista de Ceuta, prosseguida com as sucessivas descobertas da Madeira, Açores, e depois de dobrado o Cabo Bojador, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e a restante costa ocidental africana, continuando, depois de dobrado o Cabo da Boa Esperança pela costa oriental Africana, permitindo, enfim, a Vasco da Gama seguir a sua rota até à Índia e a Pedro Álvares Cabral, na mesma rota, ter feito um pequeno desvio para achar o que viria a ser a grande criação de Portugal: o imenso Brasil.
O dia 10 de Junho de cada ano serve para homenagear, igualmente, o maior poeta português, Luís Vaz de Camões, poeta universal, humanista, autor da única epopeia da era moderna, Os Lusíadas, onde canta, homenageia e exalta, com o seu engenho e arte, os feitos dos portugueses, definindo-os como antepassados dos Lusitanos, recuando, assim cerca de 1500 anos, o berço de Portugal, antes - e ainda hoje- tido como Guimarães ou se se preferir, também, a Terra Portucalensis ou Portuscale. Não é por acaso que Camões define o berço de Portugal, muito antes e muito mais ao Sul: a Lusitânia do tempo dos romanos, no século V a.c., onde habitava um povo aguerrido, heróico, imprevisível, espontaneísta e místico, traços de carácter que, a seu ver, caracterizavam os portugueses do seu tempo e, certamente, ainda hoje, continuam esses traços a caracterizar os habitantes da Ocidental Praia Lusitana.

O dia 10 de Junho de cada ano serve, enfim, para lembrar-nos, as inúmeras comunidades de portugueses espalhadas pelo mundo e que constituem a chamada Diáspora Portuguesa que conta com 4 806 353 milhões (mais de um terço da população total), que transportaram, para além da pobreza, dos brandos costumes, do gosto pela aventura ou da saudade, a sua língua, a sua cultura, lembrando a sua História. Hoje como antes nos vários pontos do mundo, ajudam a construir outras nações. O discurso oficial de Sua Excelência, o Presidente da República Portuguesa, revelou a importância que cada vez mais têm estes cidadãos do mundo e potenciais cidadãos do espaço europeu.

Uma palavra final para a Comissão Organizadora (sobretudo para o reduzido número que deu o corpo ao manifesto) que soube pôr de pé esta semana cultural que agora termina, com particular atenção para a presidente, jovem e mulher de armas, presidente, igualmente, de uma associação de jovens, o Carrefour des jeunes lusophones du Québec, facto que per se anuncia momentos de mudança tomando sempre novas qualidades.