Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

Lusofonia: Os Quatro Novos Mundos do Mundo

Discurso proferido no quadro das celebrações do dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas
por Luís Aguilar
Professor Convidado da Universidade de Montreal e Docente do Instituto Camões

Fotos de José Rodrigues



Programa



É com muita honra e imenso prazer que me dirijo a vós, caros compatriotas, para falar-vos de um tema que não fui eu que escolhi, mas sim, a comissão desta Semana de Portugal em Montreal, na pessoa do senhor comendador Francisco Salvador que, em boa hora, me propôs falar sobre Lusofonia, tema de resto, já aqui presente no discurso oficial de Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, Professor Cavaco Silva, lido há pouco pelo dr. Carlos Oliveira, cônsul-geral de Portugal em Montreal. Falarei pois de Lusofonia no quadro de uma grande Nação - que soube, com engenho e arte engendrá-la - de Camões que a profetizou - e a quem se deve o gentílico lusófono - e das Comunidades Portuguesas - que são hoje, pode dizer-se, as potenciais construtoras da Lusofonia como moderna expansão portuguesa, seguidoras do sonho utópico de Pessoa e Vieira que, premonitoriamente, idealizaram um império cultural, de natureza puramente espiritual que, simultaneamente, traduzisse e espelhasse as marcas culturais que os portugueses deixaram e continuam a deixar, nos vários mundos que ao mundo vão dando. É por essa razão que cada vez mais se justifica tornar presente o discurso da Lusofonia nas comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, como pretendo mostrar neste discurso, a esse nível pioneiro, ainda que - e cito Camões - Como se encurta e como ao fim caminha este meu breve e vão discurso humano!

O dia 10 de Junho de cada ano serve para lembrar-nos, caros compatriotas, que pertencemos a uma grande Nação, pioneira na expansão marítima europeia, iniciada em 1415 com a conquista de Ceuta, prosseguida com as sucessivas descobertas da Madeira, Açores, e depois de dobrado o Cabo Bojador, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e a restante costa ocidental africana, continuando, depois de dobrado o Cabo da Boa Esperança pela costa oriental Africana, permitindo, enfim, a Vasco da Gama seguir a sua rota até à Índia e a Pedro Álvares Cabral, na mesma rota, ter feito um pequeno desvio para achar o grande Brasil. Estes são os feitos dos portugueses que nos permitem hoje falar de Lusofonia.
O dia 10 de Junho de cada ano serve para homenagear, igualmente, o maior poeta português, Luís Vaz de Camões, já aqui evocado pela dra. Isabel Santos, como o grande poeta universal, humanista, autor da única epopeia da era moderna, Os Lusíadas, onde o poeta canta, homenageia, exalta, com o seu engenho e arte, os feitos dos portugueses, definindo-os como antepassados dos Lusitanos, recuando, assim cerca de 1500 anos, o berço de Portugal, antes - e ainda hoje- tido como Guimarães ou se se preferir, também, a Terra Portucalensis ou Portuscale. Não é por acaso que Camões define o berço de Portugal, muito antes e muito mais ao Sul: a Lusitânia do tempo dos romanos, no século V a.c., onde habitava o povo lusitano, povo aguerrido, heróico, imprevisível, espontaneísta e místico, traços de carácter que, a seu ver, caracterizavam os portugueses do seu tempo e, certamente, ainda hoje, continuam esses traços a caracterizar os habitantes da Ocidental Praia Lusitana. Devemos a Camões o gentílico português de lusos ou lusitanos, de onde ele quis que nós tivéssemos, de facto, sido herdeiros de Viriato e, por esse facto, justo será atribuir-lhe uma segunda origem do termo Lusofonia, cujo espírito ele já profetizara nos Lusíadas.

O dia 10 de Junho de cada ano serve, enfim, para lembrar-nos, as inúmeras comunidades portuguesas espalhadas pelo planeta, que por todos os cantos do mundo, vão falando a sua língua, difundindo a sua cultura, lembrando a sua História e, hoje como antes, nos vários pontos do mundo, ajudam a construir outras nações.

A Lusofonia - uma realidade em estruturação institucional - fundamenta-se numa comunidade linguística gerada pela História e, a título mais reduzido e embrionário, num espaço económico, numa organização política e numa vivência cultural.
No nosso entender existem quatro mundos do mundo lusófono e estes quatro mundos vêmo-los como espaços socioculturais de recrutamento dos obreiros deste grande movimento:
O primeiro mundo do universo lusófono abrange, naturalmente, os oito países membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Um elemento primordial junta esses países que se adjectivam de lusófonos: a língua portuguesa, língua de oito pátrias, que coabita com a proliferação de várias outras línguas.
O segundo mundo do universo lusófono, abarca, sem hesitação, as várias comunidades de portugueses espalhadas pelo mundo e que constituem a chamada Diáspora Portuguesa que compreende um terço dos portugueses, 4 806 353 milhões, que transportaram consigo a língua e a cultura, para além da pobreza, da fúria, dos brandos costumes, do gosto pela aventura ou da saudade. Vivem em França, na Alemanha, na África do Sul, no Canadá, na Austrália, nos Estados Unidos, Luxemburgo, etc.). Neste segundo mundo do mundo lusófono incluem-se os brasileiros, os cabo-verdianos, guineenses, angolanos, moçambicanos, timorenses e são-tomenses que andam, também, pelo mundo fora.

O terceiro mundo do universo lusófono diz respeito às comunidades luso-crioulas de África e, sobretudo, da Ásia, que subsistem, passados que estão cinco séculos do contacto com os portugueses: Aí foram deixados importantes vestígios culturais. São as regiões, onde o Português desempenhou no passado um papel importante e, ainda que hoje, seja pouco falado pelas povoações, os traços linguísticos e históricos da presença portuguesa nessas paragens, são evidentes: Goa, Damão, Macau, Diu, Malaca, Aruba, AntilhasNeerlandesas, Ilhas Virgens e Porto Rico, Molucas e, ainda, os Kristang da Malásia, os católicos japoneses, as quatro comunidades luso-cristãs do Sri-Lanka (antigo Ceilão), entre outras.

O quarto mundo do universo lusófono integra o imenso grupo de lusófilos que, não pertencendo a qualquer dos universos citados, se dedica à aprendizagem da Língua Portuguesa e ou ao estudo de temas das várias culturas lusófonas. São os lusófilos que, de Patrick Quellier, Paul Teyssier ou António Tabucci, aprenderam e ou estudaram a Língua Portuguesa e, cada um à sua maneira, se interessou pelas culturas em Língua Portuguesa. Pertencem ainda a este mundo do universo lusófono os milhares de estudantes universitários que, por esse mundo fora, aprendem o Português como língua estrangeira e ou se interessam, significativamente, pelas diferentes lusografias e culturas dos países ou regiões assinaladas nos outros três mundos, a que, antes, fizemos referência.

É tendo em conta esses quatro mundos do universo lusófono, que poderemos (i)limitar a Lusofonia, traduzindo-se esta como visão sobre as relações de amizade e de enriquecimento cultural, entre os vários habitantes do universo lusófono, profetizado por Bandarra, mais tarde desenvolvido por António Vieira e, mais recentemente, idealizado por Fernando Pessoa, que define para esse movimento cultural que a língua portuguesa seja uma das poucas línguas universais do século XXI, enquanto língua falada em todas as partes do mundo e com um grande País, o Brasil, seu falante. Complementarmente, mas num tempo outro diz-nos o poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim: o resto são “as malhas que o império tece” Rasguemo-las de vez. Em merengue de samba com chigubo e fado, tudo a marinar em morna de sonhar, na madrugada que desponta. Há-de despontar.

Produto do Império Português, a Lusofonia é hoje um movimento pequeno, se comparado com a imensidão dos sonhos que lhe deram origem. Mas hoje há que entender a Lusofonia não como uma herança, como teimam os portugueses em considerá-la, nem como uma oportunidade de negócio futuro, como a vêem os brasileiros, nem como um trauma neo-colonialista que dispensa os colonos, como a entendem os africanos, mas como um desafio que se deseja partilhado, uma construção e invenção ( e não invasão) de vários mundos do universo lusófono que falam do interior deles próprios, recebendo, simultaneamente, influências das áreas geográficas e culturais onde a língua portuguesa é falada. Ou como sugere Celso Cunha: uma república do português sem capital demarcada. Não está em Lisboa, nem em Coimbra, não está em Brasília, nem no Rio de Janeiro. A capital da língua portuguesa está onde estiver o meridiano da cultura.

Nesta óptica de reciprocidade, a Lusofonia aborda-se, então, como espaço de circulação pelos cinco continentes desde que os portugueses aceitem sem reservas que a sua língua também se fala, e bem, no Brasil, como sugere Ivo Castro que, igualmente, considera que em caso de dúvidas, basta pensar que Camões, com muita probabilidade, se sentiria mais à vontade a conversar com Vinicius de Morais do que com Fernando Pessoa.

Terminamos sem que possamos prever, nem esse é o fim desta pequena comunicação, em que medida é que as algumas (ainda poucas) intervenções de políticos e homens de cultura dos espaços lusófonos, a que nesta comunicação nos referimos no sentido da promoção de um espaço comum de falantes de Português, esse porto sempre por achar de que nos fala Fernando Pessoa, poderão vir a dar frutos, num futuro não muito distante.
Por mais optimistas e entusiastas que tivéssemos sido, quando andamos a pregar aos peixes, em Montreal, sobre a necessidade de promover iniciativas que juntassem aqueles que falam Português por estas bandas e quando tivemos a ousadia de propor à Universidade de Montreal a criação de uma cadeira de Lusofonia, como obrigatória, estávamos longe de imaginar os excelentes desenvolvimentos, tanto do ponto de vista da pesquisa universitária como no da prática comum e continuada dos falantes de Português de Montreal: luso-descendentes, imigrantes, angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, moçambicanos, guineenses, timorenses, são-tomenses, mas também goeses, macaenses, cingaleses, etc., bem assim todos os que pelas razões mais diversificadas decidiram aprender a língua portuguesa e se interessaram pelas culturas dos países e/ou regiões consideradas lusófonas.

Vão longe, pois, os tempos em que nos coube o estatuto de pioneiros na organização dos primeiros encontros lusófonos, tanto a nível universitário como no domínio sociocultural. A nossa acção encontra-se, agora, bastante facilitada, com a emergência de várias iniciativas de carácter lusófono.

Em Montreal apresentam-se hoje, um jornal que se reclama da Lusofonia, o bi-mensário LusoPresse, a Equipa Lusófona da Rádio Centre-ville e duas associações em franca e crescente actividade: o Carrefour des Jeunes Lusophones du Québec e, mais recentemente, a Associação dos Estudantes Lusófonos da UQÀM que acaba de promover a Feira Lusófona que teve a duração de três dias na Agora da UQÀM. Mas se é verdade que todos estes elementos são bons indicadores para o desenvolvimento de uma prática lusófona, não é menos verdade que muitas iniciativas se têm pautado pela superficialidade, pelo equívoco voluntário ou mesmo pelo negócio, promovidos estes por conhecidos lusófobos. Mas deste triste fado já Camões nos dava conta há mais de quatrocentos anos: Perde-se-me um remédio que inda tinha;/ Se por experiência se adivinha,/ Qualquer grande esperança é grande engano.

Duas palavras dirijo ao diplomata que representa Portugal nesta metrópole norte-americana: uma de agradecimento pelo acompanhamento do trabalho que desenvolvo na Universidade de Montreal e pelo encorajamento sistemático e empenhado que tem sabido dar aos nossos estudantes, com a sua presença nas múltiplas actividades culturais desenvolvidas, em que tem participado e outra de elogio pelo que tem feito no sentido de reenviar as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, para a iniciativa popular e associativa, retirando-as das características protocolares e elitistas dos anos anteriores, em que eram as mesmas celebradas num grande hotel desta metrópole. Aproveito, igualmente, para agradecer a medalha com que distinguiu o meu trabalho nos domínios do ensino do Português a estrangeiros e promoção das culturas portuguesa e lusófonas em Montreal.