Vida Política
(Patriotismo, Guerra Civil)

Os poemas anteriores já demonstraram que a poesia transcende fronteiras de países, mas na medida em que um povo inteiro aguenta acontecimentos que despertam emoções fortes, ou enfrenta temas que o ocupam e lhe dão impressões profundas, exprimidas em poesia, talvez neste caso possamos falar de poesia nacional. Isto é o caso de Angola e de Moçambique. A descrição e reflexão sobre os horrores da guerra civil fazem parte das suas poesias nacionais, também poemas que são elegias à cidade de Luanda. Como falar dos horrores duma guerra civil? Como descrever o que é indescritível? Carlos Zimba de Moçambique, no poema Sorrisos Mutilados, mostra o impacto da guerra civil. Com poucas palavras, faz uma reflexão sobre um problema central nesta guerra. Incluindo-se no grupo "nós", o poeta torna as observações abstractas numa experiência pessoal e urgente. De mesma maneira no poema sem esperança, Ensaio de Lágrimas, de Hélder Muteia de Moçambique. O poeta percebe que é o ódio que não permite o fim da guerra, o fim das lágrimas. O "ensaio", normalmente um texto abstracto, é apresentado como uma conversação banal do poeta com a mãe. É evidente que é esta simplicidade que produz um impacto emocional maior. José Craverinha, de Moçambique, nos seus poemas também precisa de formas específicas de falar da guerra civil. Em Eles Foram Lá, o poeta utiliza uma voz ingénua, a de criança. Ela avisa a sua vovó dos acontecimentos no hospital, sem emoções, porque já é uma coisa tão comum e não compreende as consequências. No outro poema, Torresmos à Machimbombo Queimado, o poeta apresenta o poema como uma notícia de jornalista, que só escreve factos observados sem envolvimento ou reflexão. É justamente por esta ausência de emoção que o poema dera o choque intencionado.

 

Sorrisos Mutilados
de
Carlos Zimba

No meu país
a (in)competência doentia
mutila-nos o sorriso
e nós teimosamente
arranjamos muletas e sorrimos
deitados à sombra da esperança
esculpida pela nossa paciência
coragem, gente
pois galopa celere o instante
em que sorriremos sem muletas!

 

Pelo Dever
de
José Craverinha

Vovó
amanhã não precisa
ir ao hospital.

Ontem eles foram lá
deram manigue tiros
partiram tudo, tudo
mataram doentes
mutilaram o senhor enfermeiro
e violaram a senhora parteira.

Outros doentes privilegiados
foram carregar na cabeça
farinha açúcar e arroz
da cooperativa

...foram.


Ensaio de Lágrimas
de
Hélder Muteia


Se as nossas lágrimas
apagassem o ódio que nos cerca
e apagassem também o fogo que nos mata
mãe
eu perdiria as lágrimas de todos
sangrando as pupilas.

Mas temo, mãe
que nos afoguemos um dia
dentro das nossas lágrimas


Torresmos em Machimbombo Queimado
de
José Craverinha

À partida o machimbombo parecia
um ónibus lotado de gente
em viagem.

Lá para o quilómetro 20 a ou este da Gorongosa
chaparia e respectivo tejadilho ficaram
fuliginoso similar de frigideira
fritando várias doses de torresmos
derivantes fósseis de passageiros
interrompidos antes do terminal.

Sobra este prosáico odor da sintomática
machimbombesca fotocópia de esquife.

O impaciente estardalhaço dos tiros
ainda por cima esfrangalhou o original.