O Ser Africano

África, o continente preto, já uma metáfora que significa a exploração, o sofrimento e a escravidão, mas também o universo mágico e encantatório. É o continente das saudades e do mistério. Quem representa esta África? E o que é o ser africano?
Muitos poemas descrevem a mulher negra como símbolo de África: exótica, sedutora, e violada. O amor para a mulher africana significa o amor e as saudades para este continente feiticeiro e sedutor. Nunca os poetas dos cinco países africanos se identificaram com o seu país natal, mas sentem-se africanos, mesmo que alguns sejam luso-descendentes ou tenham um pai português. Eles sentem-se parte da toda a África, pertencem ao continente mágico e não a um país com fronteiras nacionais. Geraldo Bessa Victor de Angola exprime o seu sentimento pela África na elegia Poema para a Negra. Tem uma forma tradicional, com cinco estrofes de quatro versos, e mantém os versos dois e quatro. Podemos aperceber-nos uma vez de mais da repetição da frase, com a qual cada estrofe começa. Descreve as qualidades do corpo e da graça da mulher negra que cantem "os outros", enquanto o poeta senta o "ser africano" nestas qualidades. Alda Lara, em Presença Africana, descreve a essência africana, a Mãe-África, que se vê em imagens pitorescas de natureza e no potencial do povo. Ela tem laços fortes com sua terra e o seu povo. Armando Artur, de Moçambique, no seu poema Pelo Dever, descreve qualidades africanas, a perseverança e paciência, que fazem parte desta essência africana. Por necessidade, os africanos, cujas existência, cujas utopias foram destruídas repetidamente, aprenderam uma perseverança indestrutível como a erva daninha. E para o poeta e pintor Neves e Sousa no poema Angola, ser africano é um sentimento forte de identificação, que transgride fronteiras de países e da cor de pele. Em todos os poemas, ser africano é ter amor por esta terra.

Poema para a Negra
de
Geraldo Bessa Victor

Poema para a Negra
Deixa que os outros cantem o teu corpo
que dizem feiticeiro e sedutor,
e, na volúpia vã do pitoresco,
entoem madrigais à tua dor.

Deixa que os outros cantem teus requebros
nos passos de massemba e quilapanga,
e teus olhos onde há noites de luar,
e teus beiços que têm sabor de manga.

Deixa que os outros cantem os teus usos
como aspectos formais da tua graça,
nessa conquista fácil do exotismo
que dizem descobrir na nossa raça.

Deixa que os outros cantem o teu corpo,
na captação atónita do viço
e fiquem sempre, toda a vida, a olhar
um muro de mistério e de feitiço...

Deixa que os outros cantem o teu corpo
- que eu canto do mais fundo do teu ser,
ó minha amada, eu canto a própria África,
que se fez carne e alma em ti, mulher!

 

Pelo Dever
de
Armando Artur


de resistir e caminhar
pelos destroços da nossa utopia,
eis-nos aqui de novo, acocorados,
aqui onde o tempo pára
e as coisas mudam.

E para que o nosso sonho renasça

com a levitação do vento e do grão,
eis-nos aqui de novo,
passivos como os espelhos,
no tear da nossa existência.

Este sempre será

O nosso amanhecer.
E a nossa perseverança
é como a da erva daninha
que lentamente desponta na pedra nua.

Presença Africana
de
Alda Lara

Presença Africana
E apesar de todo,
ainda sou a mesma!
Livre esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou,
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou, a Irmã-Mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto...

A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendêm
nascendo dos abraços das palmeiras...

A do sol bom, mordendo
chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...

Sim!, ainda sou a mesma.
A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11! ... Rua 11...)
pelos meninos
de barriga inchada e olhos fundos...

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força deste dia...

E eu revendo ainda, e sempre, nela,
aquela
longa história inconsequente...

Minha terra...
Minha, eternamente ...

Terra das acácias, dos dongos,
dos colios baloiçando, mansamente...
Terra!
Ainda sou a mesma.

Ainda sou a que num canto novo
pura e livre
me levanto,
ao aceno do teu povo!

Angolano
de
Neves e Sousa

Ser angolano é meu fado, é meu castigo
branco eu sou e pois já não consigo
mudar jamais de cor ou condição...
Mas, será que tem cor ou coração?

Ser africano não é questão de cor
é sentimento, vocação, talvez amor.
Não é questão nem mesmo de bandeiras
de língua, de costumes ou maneiras...

A questão é de dentro, é sentimento
e nas parecenças de outras terras
longe das disputas e das guerras
encontro na distância esquecimento!