Esperança

Além do desespero - como foi já mostrado em dois poemas que exprimem o sofrimento - os poemas seguintes não deixam a esperança para um "amanhã melhor". A consciência e percepção de ser vítima é o início do caminho para a libertação. Muitos poemas atravessam o lugar de vítima para alcançar um futuro com liberdade e autodeterminação, e até mesmo com patriotismo.

O poema Chagas de Salitre, escrito em 1972 por Ruy Duarte de Carvalho, um português radicado em Angola, retrata, em imagens escuras e muito realista, as chagas e feridas do efeito da colonização. E vê os indícios que anunciam transformações políticas. Vislumbra um futuro novo construído sobre a história da colonização "esboroada". O ritmo do poema exprime-se na repetição da mesma frase que começa cada estrofe. No poema Húmus de Amanhã, Juvenal Bucuane de Moçambique aceita o seu tormento, para que o seu filho tenha um futuro sem lágrimas. Em vez de rebelião contra a injustiça política, aceita-a como sacrifício pessoal para o seu filho. Uma vez mais, sentimos o ritmo específico na repetição das frases ("não quero que", "deixa") que acrescentam tormento sobre tormento em imagens fortes.


Chagas de Salitre
de
Ruy Duarte de Carvalho

Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roídos pelo vegetar
da urina e do suor
a carne virgem mandada
cavar glórias a grandeza
do outro lado do mar.

Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosionada.

Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos de espesso deslizar
dos braços e das mãos do meu país.

Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.

Olha-me noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.

Humus de Amanhã
de
Juvenal Bucuane

Não quero que vejas
nem sintas
a dor que me amargura;
Não quero que vejas
nem vertas
as lágrimas do meu pranto.
Deixa que eu chore
as mágoas e as desilusões;
deixa que eu deambule;
deixa que eu pise
a calidez do chão desta terra
e o regue até com o meu suor;
deixa que me toste
sob este sol inóspito
que me dardeja o lombo sempre arqueado...
Este penar
é o resgate da esperança
que em ti alço!
Este penar
é a certeza do amanhã que vislumbro
na tua ainda incipiente idade!
Não quero que vejas
nem sintas
meu tormento
ele é o húmus do Homem Novo.