A língua é, antes de tudo o mais, vivida e experimentada
e não uma aprendizagem abstrata.
Bernard Dufeu
As preferências
que os aprendentes de L2 têm
por determinadas formas de aprendizagem
(os chamados “estilos de aprendizagem”)
podem influenciar a sua orientação
para um certo tipo de tarefa ou tipo de input
Rod Ellis
Pode compreender-se como o indivíduo destaca da sua experiência
os conceitos, as regras e os princípios
que orientam as suas ações em situações
novas
e como ele modifica os conceitos para melhorar a eficácia.
David
Kolb
Os
resultados de várias pesquisas demonstram que, geralmente,
cada pessoa detém um estilo próprio de aprendizagem
definido em função do seu perfil psicológico,
das suas atitudes, objetivos, necessidades, histórias de vida,
etc. Com efeito, partindo do princípio que são as necessidades
e os objetivos que orientam a forma como o indivíduo aprende,
os estilos de aprendizagem são, por isso mesmo, muito pessoais,
tanto no que diz respeito à sua orientação, como
no que se refere ao seu processo. Um matemático pode privilegiar
os conceitos abstratos enquanto um poeta pode optar pela experiência
concreta. Um quadro dirigente poderá favorecer a aplicação
de conceitos, enquanto um naturista se pode tornar particularmente
observador (Kolb, 1978, pp. 40-41). Neste contexto, é de toda
a utilidade que, por um lado, o professor conheça a forma como
os seus alunos aprendem e identifique as forças e fraquezas
do seu processo natural de aprendiza-gem e, por outro lado, que ele
próprio conheça o que privilegia na sua forma de ensinar.
No modelo de aprendizagem experiencial proposto por Kolb e Fry (1975),
prevê-se o desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem
em quatro etapas, cada uma delas com características próprias
e imprescindíveis ao processo de aquisição de
saberes teóricos e práticos, tendo em conta que o indivíduo
destaca da sua experiência os conceitos, as regras e os princípios
que orientam as suas ações para novas situações
e modifica os conceitos a fim de melhorar a eficácia.
Às quatro etapas previstas no modelo de Aprendizagem Experiencial,
a experiência concreta, a observação reflexiva,
a conceptualização abstrata e a experimentação
ativa adicionámos, respetivamente, outras tantas áreas
de competências-chave que, a nosso ver, lhes estão associadas:
Saber Ser, Saber Conhecer, Saber Pensar e Saber Fazer e Comunicar.
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A
Experiência Concreta corresponde ao desenvolvimento
de competências da área do Saber Ser, relativa
à primeira etapa do ciclo de aprendizagem, em que o
indivíduo se motiva para a aprendizagem de uma língua,
a partir da sua própria experiência de vida e
a perceção subjetiva que tem da língua
não-materna que deseja aprender, através da
realização de experiências pessoais, estudo
de casos passados ou atuais, análise de aprendizagens
e modos de aprendizagem passados, expectativas futuras, dilemas,
confrontos problemáticos, etc. A Experiência
Concreta fornece a matéria prima para as aprendizagens
ulteriores. É a chamada etapa da motivação,
da sensibilização aos temas e explicitação
do sentido das aprendizagens propostas. O estudante implica-se
na procura de soluções para problemas que lhe
são significativos e, partindo da sua própria
experiência e da perceção que dela tem,
formula novos questionamentos. É tendo em conta esta
necessidade, que o professor deve partir dos percursos existenciais
de cada estudante e das suas experiências linguísticas
anteriores, para motivá-los para as aprendizagens de
uma língua estrangeira, segunda ou não-materna.
A acumulação de experiências não
basta para que uma pessoa aprenda porque, nesse caso, se limita
a repetir mais ou menos aquilo que conhece, acabando, grande
parte das vezes, por desmotivar-se se a experiência
concreta for a única etapa do processo, como muitas
vezes acontece. Os professores têm a tendência
para submeter os indivíduos a uma gama variada de experiências
que se sucedem umas às outras, sem ligação
entre elas e sem continuidade. Para que a experi-ência
concreta adquira um valor pedagógico torna-se necessário
fazer uma retroação sobre essa mesma experiência
concreta, onde a observação, a análise
e a reflexão crítica se afiguram decisivas.
Entra-se, assim, na segunda etapa do ciclo de aprendizagem. |
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A
Observação Reflexiva, a que correspondem as
compe-tências da ordem do Aprender a Aprender e a Estudar,
que designamos por Saber Conhecer é a etapa do ciclo
de aprendizagem, em que o estudante lê, explora, seleciona
informação e partilha conhecimentos. É
o primado dos saberes e dos fenómenos cognitivos que
não se podem dissociar do próprio conceito de
competência linguística, como muitas vezes se
quer fazer querer. Nesta etapa, o aprendente confronta as
experiências concretas proporcionadas por aprendizagens
anteriores com novos saberes, o que permite o distanciamento
crítico e maior objetividade face aos temas de estudo
que se reveem na pesquisa da realidade, na partida à
descoberta do conhecimento, pela leitura, escuta ativa, demonstração,
identificação das carcaterísticas do
objeto de estudo, etc.
Mas a aprendizagem não se compadece nem com a acu-mulação
de experiências, nem com um aglomerado sucessivo de
aquisições gramaticais, lexicais ou com demonstrações
e objetivações de experiências e conhecimentos
linguísticos acumulados. Estes necessitam de uma integração,
um processo que a etapa relativa à conceptualização
abstrata deve desenvolver. |
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A
Conceptualização Abstrata é a etapa do
ciclo de aprendizagem que desenvolve competências da
categoria Saber Pensar, em que os estudantes são levados,
naturalmente, a estabelecer as ligações possíveis
entre os diversos aspetos linguísticos da sua língua
materna com os da língua estrangeira que estão
a aprender. Tornam-se, assim, simultaneamente, mais conscientes
das estruturas dessas duas ou mais línguas. Isto implica
o despertar da compreensão de certos aspetos da linguagem,
do interesse e da curiosidade a ela relativos. Assim, o professor
poderá discutir com os alunos o que é a linguagem,
como característica fundamental e distinta da espécie
humana, a sua estrutura, o modo como se apreende e como se
utiliza, em que é que uma língua difere de uma
outra (Blondin et al, 1998, p.32). Nesta etapa, o estudante
especula sobre os saberes adquiridos, enquadrando-os num universo
mais amplo do conhecimento, explora a informação,
compara abordagens e assuntos idênticos de sistemas
diferentes. Feita a motivação ao tema de estudo,
realizadas as pesquisas informativas, desenvolvidas as demonstrações
e observações dos fenómenos, concluídas
as pesquisas, é tempo de passar à aplicação
prática, à etapa do ciclo de aprendizagem relativa
à experimentação ativa. |
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A Experimentação
Ativa abarca o desenvolvimento de competências do
âmbito do Saber Fazer e Comunicar, que se caracteriza
pela formulação de hipóteses que passam
pela prova de fogo da verificação, pois que,
pelas ações experimentais e pesquisas realizadas,
o aprendente confronta a conceção que tem
de um determinado facto com os conhecimentos e experiências
de vida, refletidos, explicados e generalizados e com a
aplicação prática, testando, assim,
a eficácia da aprendizagem anterior, identifi-cando
os seus pontos fortes e fracos, etc. Esta etapa do processo
de aprendizagem refere-se, pois, à transferibilidade
a novas situações do real, dos saberes e das
competências adquiridas nas outras etapas e ou nas
aprendizagens anteriores, sem as quais qualquer aprendizagem
parece não ter sentido. Com efeito, uma aprendizagem
conseguida é uma aprendizagem transferível
(Develay, 1994, p.18), em que se verifica que o verdadeiro
saber não é a simples memorização
de um conjunto de enunciados, mas a capacidade do aluno
lhe atribuir sentido (Rey, 1998), o que pressupõe
que detenha capacidade de aplicação adquirida
no confronto com saberes, saberes-fazer e saberes-ser, em
contexto real.
E todo o ciclo
é retomado.
O processo de desenvolvimento de quaisquer unidades didáticas
de um modelo de competências linguísticas e de
um ensino e aprendizagem centrado na experiência e na
resolução de problemas, que acabamos de descrever,
é, obviamente, entendido como ideal, já que
se sabe que tanto o formador como o formando têm tendência
a privilegiar esta ou aquela etapa e a evidenciar maiores
dificuldades noutras. Consequentemente, raras são as
vezes em que podemos identificar na ação pedagógica
as quatro etapas acima descritas, mesmo nas práticas
que se dizem inspirar em métodos ativos. Uns ao suscitarem
as experiências concretas dos formandos, passam à
observação reflexiva, queimando as outras duas
etapas do ciclo de aprendizagem, outros, mais experimentalistas,
partem diretamente da experiência concreta do formando
para a experimentação ativa, ignorando as etapas
relativas à observação reflexiva e à
conceptualização abstrata, como muitas vezes
sucede nas abordagens psicológicas, psicossociológicas,
nomeadamente, as que se reportam a experiências de grupos
de formação, realizadas no âmbito da Dinâmica
de Grupos.
Podemos representar, da seguinte maneira, o processo de ensino
e aprendizagem de uma língua não-materna, centrada
na experiência.
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Modelo de Aprendizagem
de uma Língua Centrado na Experiência
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EXPERIÊNCIA
CONCRETA
Saber Ser e Comunicar
Experiências pessoais, histórias de vida, passados
ou atuais, expectativas futuras, dilemas, confrontos problemáticos,
fornecem a matéria prima para as aprendizagens linguísticas
ulteriores. Parte-se daquilo que o aprendente conhece já,
através do seu saber de experiência e da sua
motivação para a aprendizagem de uma língua.
Corresponde à fase de motivação.
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EXPERIMENTAÇÃO
ATIVA
Saber-Fazer
Aplicação
prática dos conhe-cimentos linguísticos, refletidos,
explicados e generalizados. Ação centrada, por
um lado, na realização de exercícios
práticos e, por outro, na comunicação
e nas relações interpessoais, através
do jogo de papéis, do trabalho em grupo, etc.
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OBSERVAÇÃO
REFLEXIVA
Saber-Conhecer
Pesquisa sobre a realidade. Partida à descoberta do
funcionamento da língua, pela leitura, pela escuta
ativa, pela consulta de dicionários, etc. Identificação
das características linguísticas, das normas
gramaticais, das particularidades vocabulares, etc.
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CONCEPTUALIZAÇÃO
ABSTRATA
Saber-Pensar
Formação de conceitos abstratos sobre a experiência
de aprendizagem da língua, a partir da reflexão
que dela o estudante faz. Explicação de realidades
linguísticas semelhantes e diferenças entre a
língua materna do estudante e a língua de aprendizagem.
Esta etapa caracteriza-se, igualmente, pela síntese de
um debate ou de uma troca de opiniões, sobre um determinado
assunto de comunicação, que se caracteriza pelo
estabelecimento de um tronco comum de ideias que todos podem
subscrever.
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O
processo que acabámos de descrever esquematicamente sobre
as várias etapas de ensino e aprendizagem, em geral,
e de uma língua estrangeira, em particular, é
aqui entendido como ideal. Na prática, sabe-se que tanto
o professor como o estudante tem tendência a privilegiar
uma das etapas e a evidenciar dificuldades noutras.
Temos podido verificar que cada pessoa tem tendência a
queimar etapas do ciclo de aprendizagem que acabamos de descrever.
Uns mais experimentalistas, partem diretamente da experiência
concreta para a experimentação ativa, ignorando
as etapas relativas à observação reflexiva
e à conceptualização abstrata. Outros,
pelo contrário, quedam-se pela observação
reflexiva e pela conceptualização abstrata, não
passando à prática aquilo que aprendem.
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O processo que acabámos
de descrever esquematicamente sobre as várias etapas de ensino
e aprendizagem, em geral, e de uma língua, em particular,
é aqui entendido como ideal. Na prática, sabe-se que
tanto o professor como o estudante tem tendência a privilegiar
uma das etapas e a evidenciar dificuldades noutras.
Compreender o que se privilegia no processo de aprendi-zagem de
uma língua é, antes do mais, conhecer-se melhor e
identificar as forças e as fraquezas do seu próprio
processo natural de aprendizagem; é, ao fim e ao cabo, fazer
o diagnóstico da sua própria situação,
enquanto estudante de uma língua estrangeira. A identificação
das suas potencialidades e a remoção das dificuldades
de aprendizagem encontram, muitas vezes, obstáculos, derivados,
geralmente, de problemas predominantemente psicológicos,
autênticas barreiras ao desenvolvimento de cada indivíduo,
nas múltiplas facetas que o compõem e que o diferenciam
dos outros. Certa resistência que se manifesta na crença
de que se trata de um passado dominador e dominante que tem como
consequência a negação da pessoa (Haramein,
1994, p. 124).
Nesta unidade de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira,
o professor levará, sobretudo, os alunos a desenvolver competências
relacionais e comunicativas em interação com o seu
desenvolvimento pessoal e social. Antes, ou paralelamente, o estudante
de uma língua estrangeira aprende a aprender de acordo com
as suas características pessoais, habitua-se a planificar
as suas próprias aprendizagens de acordo com os seu ritmo
e estilo individual, a gerir o seu tempo disponível e a fazer
opções metodológicas sobre a maneira a estudar.
A aquisição destes hábitos deve ser orientada
e gerida pelo professor, considerando, para o efeito, o estilo individual
de aprendizagem de cada estudante.
As atividades, que neste capítulo propomos, reportam-se aos
aspetos diferenciados de aprendizagem, aos estilos próprios
de autoeducação e às formas de comunicação
na sala de aula.
REFERÊNCIAS
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Ensino e Aprendizagem do Português, Língua Estrangeira.
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l’école maternelle ou primaire. Paris-Bruxelles:
De Boeck.
DEVELAY, Michel
(1994). Peut-on former les enseignants?
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DUFEU, Bernard
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(1972). Ces enfants: nos maîtres ou la subordination
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Neuchatel: Delachaux & Niestlé.
HARAMEIN, Ali
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une interaction sans acteurs. Actes du 2e congrès
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Université de Sherbrooke
KOLB, David &
FRY, Ronald (1975). Toward an Applied Theory
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John Wiley and Sons.
KOLB, David, RUBIN, Irwin &
McINTYRE, James (1978). Psicologia Organizacional.
São Paulo: Atlas.
McCLELLAND. David
C.,(Ed.) (1955). Studies in Motivation.
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