Mensagem
(Maria Bethânia)
e Todas as Cartas de Amor São Ridículas
(Álvaro de Campos-heterónimo
de Fernando Pessoa) , poemas interpretados
por Maria Bethânia
Quando
o carteiro chegou e o meu nome gritou
Com uma carta na mão
Ah! De surpresa, tão rude,
Nem sei como pude chegar ao portão
Lendo o envelope bonito,
O seu sobrescrito eu reconheci
A mesma caligrafia que me disse um dia
"Estou farto de ti"
Porém não tive coragem de abrir
a mensagem
Porque, na incerteza, eu meditava
Dizia: "será de alegria, será
de tristeza?"
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha uma carta nos traz
E assim pensando, rasguei sua carta e queimei
Para não sofrer mais.
Todas
as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não
fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de
amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Quem
me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
Mas,
afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
A verdade é que
hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente Ridículas.)
Porém
não tive coragem de abrir a mensagem
Porque, na incerteza, eu meditava
Dizia: "será de alegria, será
de tristeza?"
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha uma carta nos traz
E assim pensando, rasguei sua carta e queimei
Para não sofrer mais.
Quanto
a mim o amor passou
Eu só lhe peço que não
faça como gente vulgar
E não me volte a cara quando passa por
si
Nem tenha de mim uma recordação
em que entre o rancor
Fiquemos um perante o outro
Como dois conhecidos desde a infância
Que se amaram um pouco quando meninos
Embora na vida adulta sigam outras afeições
Conserva-nos, escaninho da alma, a memória
de seu amor antigo e inútil.