Fado
Tropical
de Chico Buarque e Ruy Guerra
cantado por Chico Buarque
1972-1973
Oh, musa
do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
(Mas) não sejas tão ingrata
Não esqueças quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
“Sabe(s),
no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma
boa (dose) dosagem de lirismo...
(além
da sífilis, é claro)*
Mesmo quando as minhas mãos estão
ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente
chora..."
Com avencas
na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Meu
coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago
as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção
e gesto
E se o meu coração nas mãos
estreito
Me assombra a súbita impressão de
incesto
Quando me
encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadura à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença
se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração
perdoa..."
Guitarras
e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Desagua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal (um império
colonial).
* trecho original, vetado pela censura
|