Ler Poesia com Paulo da Costa
Reportagem de
Kathy Santos


A Secção de Estudos Portugueses e Brasileiros da Direcção de Programas de Línguas e Culturas Inglesas e Estrangeiras e o Departamento de Literaturas e Línguas Modernas da Faculdade das Artes e Ciências da Universidade de Montreal promoveram, no pretérito dia 2 de Novembro, um encontro com o poeta Paulo da Costa preenchido com a leitura de poemas do poeta e um debate, animado por Luís Aguilar. O evento decorreu na simpática e acolhedora sala Carderera da Universidade de Montreal que se tornou pequena para acolher, estudantes, convidados e professores em dia de greve de professores, mas acabou por tornar o ambiente mais íntimo, para a leitura e comentários de alguns poemas do último livro de Paulo da Costa, Notas de Rodapé, único que o autor escreveu em língua portuguesa e que, apesar de incluir os seus primeiros poemas, é o seu último livro e único em Língua Portuguesa.

Pretendeu-se, acima de tudo, com este encontro, dar a conhecer à comunidade montrealense, em geral e à comunidade lusófona e universitária, em particular, a obra do escritor português no estrangeiro, dos mais premiados. Com efeito, o seu primeiro livro de contos, The Scent of a Lie, foi publicado em 2002, tendo sido galardoado com o Primeiro Prémio do Caribbean & Canada Commonwealth Writers Prize 2003 e em 2002, com o W.O. Mitchell City of Calgary Book Prize.. Foi vencedor do prémio Cannongate 2001 para o conto, no Festival Internacional do Livro de Edimburgo – Escócia. A sua poesia e prosa foram galardoadas com o 1° Prémio ProVerbo - 2003.

Paulo da Costa tem prontos outros livros em Português, mas encontram-se no prelo: As Borboletas de Prudêncio Casmurro e Rosas, Lírios e Crisântemos (contos e poemas), Eco(lógico) e O Perfume da Mentira (ficção). Os seus trabalhos de ficção e poesia estão traduzidos em Italiano, Esloveno, Espanhol, Servo e Português.

A antologia de poesia que acaba de sair, a comemorar o décimo aniversário da morte de Ken Saro Wiwa contém um dos poemas de Paulo da Costa em Inglês, sobre as minas de Angola. Por seu turno, a revista literária britânica Granta também vai publicar um conto do autor, na sua antologia de novos valores literários da Língua Inglesa, antologia essa que sairá em 2006. Paulo da Costa explicou que esta compilação de poemas e prosas é o resultado da viagem que fez à volta do Mundo, trabalhando aqui e ali, durante dois anos.

Paulo da Costa nasceu em Luanda (Angola) e viveu a sua juventude em Vale de Cambra, na Beira Litoral (Portugal), reside, desde 1989, na costa Oeste do Canadá, anteriormente em Calgary, mas agora em Vitória, na Columbia Britânica. Questão inevitável para os angolanos que frequentam o Mineur en langue portugaise et cultures lusophones era a de saber se Paulo da Costa se sente acima de tudo, angolano, português ou canadiano. Respondeu que se considera 100 % de cada uma dessas nacionalidades e que a sua identidade não é por exclusão, mas, pelo contrário, envolve a complexidade de todas essas dimensões. E continuou, dizendo que gostaria de viver num mundo que envolvesse todas as heranças, em que se falassem três ou quatro línguas, sem que se sentisse que alguma delas estivesse a prejudicar as outras. Este seu desejo exprime-o bem no poema intitulado Bifocal que, de facto, são dois poemas, um Inglês e outro Português, mas em que todas as palavras são partilhadas pelas duas línguas. Com esta fusão de palavras em várias línguas, Paulo da Costa tenta mostrar-nos as pontes que nos unem e sejam motivo de inspiração para as nossas comunidades que estão sempre à procura, mais do que aquilo que nos une, o que drasticamente nos separa.

A segunda leitura foi a do poema Gelo Canadiano, no qual se inscrevem as suas recordações, da primeira vez que chegou ao Canadá, num gélido mês de Dezembro.

- Porque decidiu vir viver para Calgary? Perguntam-lhe. Paulo da Costa refere uma viagem à volta do Mundo em que Cupido se meteu pelo meio. Conheceu uma canadiana que o trouxe pelo coração até estas gélidas terras, por onde se perderam os irmãos Côrte Real. Quis, por outro lado, ficar na costa Oeste, porque é mais selvagem e torna-se mais próximo da sua África: o poder da terra está presente no dia à dia. Mesmo tendo saído de Angola aos 5 anos, diz estar bastante ligado e marcado pela cultura da terra onde deu os primeiros passos, sentiu os primeiros odores marítimos e balbuciou as primeiras palavras na língua de Pepetela. É por isso que necessita de estar perto da natureza. Hoje vive em Vitória, que fica perto do mar, um elemento que também é essencial ao seu bem-estar, influência esta da sua vivência em Portugal. Também é para ele um dos melhores sítios para escrever, pois todos os sentidos ali se activam.

A literatura e a arte da escrita são, para Paulo da Costa, um laboratório onde pode desrespeitar as regras e as normas de uma língua, corrompendo-a para criar neologismos e outras rupturas linguísticas. Hoje em dia, essa é uma tarefa essencial de um escritor, disse ele, pois a unificação e oficialização das línguas torna impossível a sua sobrevivência. Lembra-se, a propósito Cardoso Pires: Uma das maiores ambições num escritor é corromper a língua.

Acha bonito o calão e a gíria, considerando, igualmente, que a linguagem tem sempre sentidos ideológicos que um escritor deve conhecer para poder brincar com ela. Um escritor, que o poeta diz fazer justamente isto, é Mia Couto, que é uma fonte de inspiração para o que escreve: Estamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.

Uma outra questão incontornável, foi a de saber quando descobriu que era artista. Contou que, aos 11 anos, um professor notou a qualidade dos seus textos e disse-lhe que tinha um dom e que devia trabalhá-lo. O escritor acha importante que cada um de nós se capacite a viver a sua paixão. E muito reconhecido se sente, por fazer o que mais gosta. Assim foi para o seu primeiro livro de contos, The Scent of a Lie, duplamente premiado. Apesar de todo o reconhecimento que granjeia aqui no Canadá, os seus trabalhos ainda não são reconhecidos em Portugal. Paulo da Costa diz que as comunidades imigrantes ainda têm, perante o país de origem, um estatuto de menoridade cultural. Paulo da Costa só tem contado até agora com o apoio do governo canadiano. No fim é o que se passa com muitos artistas nesta sina nossa de se ser português, primeiro ser-se reconhcido lá fora e só depois no nosso “exigente” país – lembra o professor Luís Aguilar e cita alguns nomes que vão de Manoel de Oliveira, a António Damásio, passando por Lobo Antunes e Saramago.