OS FALSOS AMIGOS

na aprendizagem de uma língua estrangeira

por

Pierre Rossi



A semelhança entre duas línguas, a materna e a de aprendizagem, é, sem dúvida, uma vantagem para as aquisições linguísticas da uma língua estrangeira, quando esta está próxima da língua materna ou de qualquer outra que o aprendente domine. Mas esta semelhança e a consequente proximidade esconde, não raras vezes, armadilhas de natureza diversa, que prejudicam a aprendizagem de uma nova língua. As afinidades históricas e a similitude que comportam, por exemplo, as línguas românicas, produto da mesma origem latina e de vários factores culturais e históricos, criam situações difíceis para os estudantes, cuja língua materna é uma delas. Um dos principais efeitos da interacção de sistemas linguísticos é a falsa analogia que produz a semelhança entre alguns termos que provêm de línguas diferentes, criando uma das maiores dificuldades para os estudantes e tradutores neófitos. Formalmente, chamam-se heterossemânticos, mas são coloquialmente conhecidos por falsos amigos. Na verdade, a semelhança de forma ou a equivalência aparente leva os aprendentes a estabelecer uma correspondência de significados, fazendo fé numa relação de amizade que é semanticamente falsa. Tanto mais graves as dificuldades provocadas pelas semelhanças se o aprendente de uma segunda ou terceira língua tentar utilizar palavras da língua de aprendizagem como se fossem da sua língua materna.

É sabido que várias línguas possuem palavras com a mesma etimologia, o que nos leva a considerá-las cognatas ou amigas, porque têm o mesmo radical e a mesma origem. Apesar de serem, geralmente, consideradas sinónimas, as duas expressões não traduzem exactamente os mesmos fenómenos (Marilei Amadeu Sabino, Falsos Cognatos, Falsos Amigos ou Cognatos Enganosos? Desfazendo a Confusão Teórica através da Prática). Evoluindo no tempo, as palavras cognatas são palavras que, mesmo que sejam semelhantes ou idênticas em duas ou mais línguas têm, contudo, origens diferentes (Ana Margarida Vaz da Silva e Guillermo Rodríguez Vilar, Os Falsos Amigos na Relação Espanhol - Português). Por exemplo, accent e acento têm a mesma origem latina (de accentu), mas em Português acento não tem o sentido de sotaque (pronúncia peculiar de uma região ou de uma nação) que tem em Francês. Em Português acento significa, sinal gráfico. Por isso ouvimos, erradamente, dizer-se por aqui que fulano tem um acento brasileiro, enquanto que beltrano tem um acento português. Mas o que ambos têm é um sotaque do Brasil ou de Portugal. Depuis (em Francês) e depois (em Português) são falsos cognatos, já que, são semelhantes graficamente, é certo, mas têm, contudo, origens e sentidos diferentes. Embora as duas palavras compostas sejam de origem latina não derivam da mesma palavra: depuis (preposição e advérbio) foi formado pela preposição de e o advérbio puis (desde em Português), enquanto depois foi formado por de e post.

As interferências linguísticas, por seu turno, são uma espécie de invasões parciais e momentâneas de uma língua noutra, devido à falta de uso do vocabulário aprendido. Nestas situações o estudante insere o termo da sua língua na língua estrangeira. O decalque e o empréstimo são dois tipos de interferência linguística. São também procedimentos de enriquecimento lexical dado que muitos neologismos se formam e entram nas línguas assim. Decalque, por exemplo, é um empréstimo do Francês decalque e arranha-céus é um decalque do Inglês skyscraper.

Mas, afinal, o que são os falsos amigos? São aquelas palavras, termos, vocábulos ou signos linguísticos que, apesar de terem uma origem comum e uma grafia idêntica ou semelhante, em duas línguas, evoluíram de forma diferente, total ou parcialmente, quanto ao significado sem que tivessem mudado substancialmente a grafia. O conceito de falsos amigos foi estabelecido em 1928 pelos linguistas franceses Maxime Koessler e Jules Derocquigny no livro Les Faux-Amis ou Les trahisons du vocabulaire anglais. O elemento mais importante no processo de modificação é o conteúdo semântico, precisamente a cadeia significante>significado” que “nos permite compreender [...] o conflito entre essas duas facetas da palavra (1) .

Existem dois tipos principais de falsos amigos: os estruturais e os lexicais. Os falsos amigos estruturais são estruturas gramaticais, de modo especial sintácticas [...], que apesar de possuírem uma semelhança exterior, essa não se verifica no sentido e ou uso (2). Os exemplos mais típicos são os tempos verbais cujo uso varia segundo a forma dos verbos: por exemplo, transitivos directos em português em vez de indirectos em outras línguas e vice-versa. Os falsos amigos estruturais são em menor número do que os lexicais, mas são mais difíceis de trabalhar, porque estão no uso inconsciente da língua, sobretudo quando se desenvolve em contextos mais informais. O problema que se coloca é o de saber como dominá-los. Os campos semânticos dos verbos tornar e tourner sobrepõem-se parcialmente. Ambos são de origem latina (do Lat. tornare, trabalhar no torno), mas na sua forma reflexiva – tornar-se (transformar-se) – o verbo Português pode ser traduzido para devenir em Francês. Assim não só muda de sentido mas também de estrutura porque em Francês não necessita de forma reflexiva e tourner significa, não transformar mas voltar. Sem intervenção específica para identificar o problema e corrigi-lo muitos estudantes hesitarão por um período mais ou menos prolongado, em que vão cometendo o mesmo erro, utilizando o termo tornar quando pretendem dizer voltar.

A par das dissemelhanças semânticas, os falsos amigos lexicais afastam-se em aspectos ou parâmetros externos (ortografia e fonética) e internos (género gramatical e registo linguístico), o que denota a cadeia significante>significado dos pares de palavras, cujo conflito chama a atenção para as suas diferentes facetas. O aspecto externo permite ao estudante reconhecer a distinta forma das palavras que se desdobram noutra das duas facetas, oral e escrita; o aspecto interno denota os valores gramaticais e culturais dos pares em questão. Falso amigo de tipo lexical: O Francês e o Português têm palavras que se formam com raízes e sufixos semelhantes; por exemplo os sufixos -eur em Francês e –or em Português. Mas na maioria dos casos, as palavras francesas são femininas, enquanto que as portuguesas são masculinas. Isso pode constituir um problema para a aprendizagem, porque um grande número de estudantes terá tendência a flexionar as palavras de modo semelhante à da língua materna.

l(a)’odeur e o odor -– la valeur e o valor -– la vigueur e o vigor

A forma ou a grafia das palavras subalternizam-se em relação ao conteúdo linguístico que permanece único, de forma a não cair no problema da polissemia ou da sinonimia. Além disso, sobretudo para o ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira, os pares escolhidos têm que ser de uso real e quotidiano nas línguas padrão, de nada servindo os pares de palavras que compartilham uma só acepção primeira e uma menor ou restrita no seu uso. Também a oposição dos respectivos significados não é suficiente para expor o equívoco semântico porque o contexto geral no qual se insere o possível falso amigo, pode já alertar o estudante para o facto de uma determinada palavra na sua língua não poder ser usada no âmbito da comunicação noutra língua (3) . Por exemplo, anecdote e anedota tornam-se falsos amigos já que a palavra anedota em português tem o sentido de joke, blague, brincadeira, o que não sucede com anecdote em Francês, que significa historieta. Como pode um incauto não misturar os dois termos tão próximos? Trabalhando e lendo muito para reconhecer as matizes das línguas, nesse caso da portuguesa e francesa. Em que momento preciso conseguimos identificar um falso amigo? Quando as estruturas externas das palavras em questão são semelhantes ou equivalentes; quando causam um verdadeiro equívoco semântico, tanto isoladamente como no contexto da fala; quando os dois termos pertencem às duas línguas-padrão e quando a disparidade semântica procede da primeira ou da segunda significação.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.. VAZ DA SILVA e RODRIGUES VILAR, op. cit., p. 4.

2. CEOLIN, op. cit., p.41.

3.VAZ DA SILVA e RODRÍGUES VILAR, op. cit., p. 12.