SUBIA A RUA DO CARMO COM TANTA ALEGRIA

Não sabia que a minha alegria se via tanto quando estava em Lisboa!

Por
Renald Bujold

 

 


Matilde

Se eu não morresse nunca!
E eternamente buscasse e conseguisse
a perfeição das coisas
.
Cesário Verde

 

Matilde, cara Matilde, doce Matilde, no Natal, escreveu-me de Lisboa: Lembro-me sempre do senhor subindo a rua do Carmo com tanta alegria! Desde o outro lado da rua tinha-me chamado em vão: não te tinha visto nem ouvido. Depois em sua casa que era minha, na rua do Salitre, tinha-me contado. Com alegria subia a rua. Não sabia que a minha alegria se via tanto quando estava em Lisboa!

Uma noite, sentado na esplanada do Passeio da Avenida, um café da Avenida da Liberdade, perto dos Restauradores, meditava longamente na verdade do café, o slogan da Delta. Uma bica por favor. Uma bica e bagaço, não… bagaceira! Se faz favor: uma São Domingos ! Duas vezes assim na Ginjinha Popular da rua das Portas de Santo Antão, e já não é mais um estrangeiro. Averdade do café.

Sempre na Avenida da Liberdade, o monumento de Simón Bolivar, herói da independência da América Hispânica: "La libertad es el unico objecto digno del sacrificio de la vida humana. Outra longa meditação. A Avenida desta Liberdade só para que só vale a pena tomar uma vida ou sacrificar a sua...

Subia a rua do Carmo com tanta alegria.

Em Lisboa há sempre: Hoje há caracóis… Há bifanas... Há Berbigão... Há Marisco... Há Pregos... Há Codornizes... .Há Sandes Diversas... Sim, em Lisboa, Matilde, há sempre.... coração de alfacinha. E sempre haverá!..

Em Lisboa há grafitis, em qualquer lugar, até nos muros decorados de azulejos nas estações de metro. Mas vale a pena. Julguem por si mesmos: Sem verdade, tu és perdedor.. ou Há quantos anos trabalhas para pagar coisas inúteis...ou Não mais um Donut para as esquadras....ou A publicidade toma-nos por estúpidos....ou Se o voto melhorasse as condições de vida, seria proibido votar...ou Ontem estudante, hoje explorado...amanhã desempregado!!! Em Lisboa há grafitis que dizem muito!

Em Lisboa, é alvo de publicidade: Se o Verão aquecer, não te esqueces da roupinha! Porque coras, Matilde..? Nunca usou roupinhas? O pai do teu filho morreu antes do seu nascimento, Matilde, ó Matilde, na guerra de Moçambique, com 28 anos...Mas disso, Matilde, não quer falar.... vale mais esquecer, esquecer...

Que acabem com essa terra e suas guerras e venha o Reino de Deus! O lobo pastará com o cordeiro, mas nous nous serons morts, mon frère! Não posso abandonar-te, Matilde, testemunha de Jeová; respeito-te Matilde, doce Matilde, boa Matilde, nas tuas crenças... Por sua causa, Matilde, no outro dia, na rua do Carmo, parei para ouvir uma velhinha falar-me do Reino: ouvi-a, com respeito Matilde, pela primeira vez, por sua causa sua, por sua causa...

Subia a rua do Carmo com tanta alegria.

Nos corredores da estação de metro Universidade, hoje em dia, os estudantes passam e voltam a passar sem vê-las. Mas eu vi-as e chorei..., como chorei quando vi Notre-Dame de Paris ou o Grande Canhão. Duas citações nos muros. À primeira vez que as vi, fiquei como petrificado: num estado de espírito em que me encontrava, nesse dia, parecia que tinham sido escritas para mim!. Uma dizia: Não sou nem Ateniense, nem Grego, mas sim, um cidadão do mundo. (Socrates) E a outra: Se eu não morresse nunca ! E eternamente buscasse e conseguisse as perfeições das coisas (Cesário Verde). Nem Ateniense, nem Grego, nem Português, nem Canadiano, nem sequer Quebequense: Cidadão do mundo! Não morrer! Viver eternamente, buscar e conseguir as perfeições das coisas. Sim, tudo isso tivesse tido para mim!

Lembro-me sempre do senhor subindo a rua do Carmo com tanta alegria. Se o senhor pudesse ver como o Rossio é um espanto, escrevia-me a Matilde, a doce Matilde..., doce testemunha de LISBOA!