CRÓNICA DE UMA VISITA A LUANDA
Cidade da "Gasosa", das Cores, do Encanto, do Desejo Irresistível de Voltar


Por
Lurdes Jerónimo


Luanda , a Marginal
Vinha de há muito, a vontade de conhecer Angola. Uma mistura de curiosidade feita de promessas misturadas com afectos, em conversas intermináveis sobre as cores quando nasce e quando se deita o sol, o ocre da terra que contagia de prazer os corpos, o azul do mar, tão azul e interminável que não se sabe se é ele que prolonga o céu ou o contrário, e a alegria das pessoas que, com pouco, com muito pouco, nos ensinam que a vida é uma dádiva que é preciso celebrar em permanência, com todas as cores do arco íris

emocional que tão exuberantemente exibem. Aconteceu em Novembro último, e as expectativas não foram goradas, embora me tivesse ficado pela capital e uns dias no Mussulo, a ilha, um dos paraísos perdidos da terra que, se não fosse a guerra, traria óptimas receitas turísticas aos angolanos.
Mesmo sabendo que a África idílica não existe mais, não pude deixar de ser "apanhada" por algumas surpresas que me sacudiram a consciência com interrogações várias, no contacto com a realidade brutal de um quotidiano feito de casos extremos de uma pobreza miserável e riquezas exorbitantes.
-"Tia, dá uma gasosa", foi a primeira frase que me foi dirigida, e embora estranhando o pedido pela simples razão de não haver, no aeroporto, nenhum café, nenhuma máquina de refrigerantes, ninguém a vender chá, café, laranjada ou gasosa, rapidamente percebi que a metáfora servia para, delicadamente, pedir uma gorjeta. Repetiu-se diariamente, a qualquer hora, por homens e por mulheres, por crianças e por velhos, não como uma súplica, essa só visível no olhar ávido das crianças, mas antes com toda a dignidade que a necessidade justifica. A "gasosa" também funciona nas transacções comerciais, para apressar processos que não andam, para polícias sedentos que podem, sem ela, deixar um cidadão incauto horas infindáveis à procura de documentos inúteis num trânsito mais do que caótico, e ao mais alto nível político a gasosa é outra, mas está lá!
Quis o acaso que uns dias antes, o presidente do Instituto Camões, Dr. Jorge Couto, se tivesse ali deslocado, para inaugurar um Centro de Língua Portuguesa, na província do Lubango. Era comentado, entre os portugueses residentes, que a caminho do aeroporto de Luanda para a viagem de regresso a Portugal, o carro em que se deslocava foi baleado. Que os angolanos não deram importância ao facto, prova-o a inexistência de notícias locais; mas que também Portugal tenha feito o mesmo já me parece de estranhar mais. No próprio Instituto Camões consta que "o Sr. Presidente foi alvo de um assalto e que nenhum dos ocupantes foi ferido porque apareceu alguém que os salvou de mal maior, mas não ganharam para o susto." Ora só quem não conheça aquela realidade, poderá aceitar tal como verdadeiro. É que os carros diplomáticos circulam ali com um sistema de segurança altamente "sofisticado", precedidos e seguidos de outros onde os canudos de metralhadoras, visíveis da rua, servem para disparar a qualquer sinal suspeito, inclusivamente para amedrontar olhares excessivamente curiosos. A verdade parece ser outra: ou as autoridades portuguesas não souberam proteger os seus representantes, descurando regras elementares de bom senso num país onde grassa a insegurança, embora custem muito caro ao país iniciativas do género, ou então a política cultural do Instituto Camões não foi apreciada, e o discurso de Jorge Couto transpirou demagogia. É que inaugurar centros de Língua e Cultura Portuguesas, sim, mas abandoná-los depois à sua sorte, sem uma política de acompanhamento, de contextualização sociocultural e de não reconhecimento e apoio a quem, na verdade, ama e divulga a cultura portuguesa, não! A França sabe-o bem, e por isso aposta, dia a dia, numa política de influência que espera, lhe traga os benefícios de se tornar a nova língua oficial daquele país.