Imaginários da Diáspora:

em busca de um lugar entre o passado e o futuro

pela Professora Doutora Ana Paula Coutinho

Terça-feira, 20 de Fevereiro de 2007 - das 18h30 às 20h00

na sala Multiusos do Consulado-Geral de Portugal em Montreal

Reportagem de

Daphné
Santos-Vieira

 

A dra.Ana Paula Coutinho com o dr. Luís Aguilar à esquerda e o
dr Carlos Oliveira, cônsul-geral de Portugal em Montreal, à direita

Dra. Ana Paula Coutnho na Universidade de Montreal

Ninguém tem mais pátria que aquele que a perdeu
e a vive como perdido
.

Eduardo Lourenço

Nesta conferência, a Dra. Ana Paula Coutinho Mendes, Professora Associada da Faculdade de Letras do Porto doutorada em Literatura Comparada, membro investigador da I&D “Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, abordou algumas características do universo de alguns autores diaspóricos – por emigração, exílio ou por descendência dessas circunstâncias – pondo em evidência os desafios interculturais que lhe estão subjacentes. A organização do evento foi da responsabilidade conjunta do Consulado-Geral de Portugal em Montreal e da Secção de Estudos Portugueses e Brasileiros da Direcção de Programas de Línguas e Culturas Inglesas e Estrangeiras, no quadro do curso (Mineur) de Língua Portugusa e Culturas Lusófonas -que integra as licenciaturas de Estudos Ibero-Americanos e Estudos Mediterrâneos -do Departamento de Literaturas e Línguas Modernas da Faculdade das Artes e Ciências da Universidade de Montreal.

São conferências deste género necessárias para uma comunidade como a nossa que reflecte actualmente sobre os seus mais de cinquenta anos de presença nesta parte do mundo, ainda que sejam temáticas das quais tenha andado arredada e a testemunhar esta triste realidade a pouca afluência, preferindo, certamente os nossos compatriotas a conversa de café, a disputa futebolística, etc. o que não augura nada de bom para o futuro.
Na nossa opinião, tínhamos muito que aprender com o que Dra. Ana Maria Coutinho veio comunicar-nos, relembrando-nos, logo de inicio, que todas as comunidades portuguesas têm propriedades e características diferentes umas das outras, mas parece que no que diz respeito ao interesse pela literatura todas elas são parecidas e não se preocupam o suficiente com esse aspecto da vida cultural lusófona. Pior ainda, os que ousam participar activamente na literatura da diáspora não encontram nenhum eco em Portugal que não parece interessar-se pelo que se faz em português fora do país. Mas, diz também a dra. Ana Paula Coutinho que as coisas parecem estar a mudar, facto que nos deixa satisfeitos pois que, segundo revelou a conferencista o jornal O Sol já tem uma página sobre os portugueses no estrangeiro a par de outra também interessante sobre estrangeiros em Portugal. Este tipo de abertura já é encorajador, mas é claramente insuficiente.
Umas das coisas que ficámos a saber e que reputamos de interessante foram as três observações gerais sobre o imaginário da diáspora destacadas pela dra. Ana Paula Coutinho: a dispersão, a heterogeneidade dos vários tipos de migração e a exiguidade de representações artísticas. O que é certo é que o migrante acaba por não ter nenhum lugar, nem na terra de origem - onde nunca mais será considerado da mesma forma - nem na terra de acolhimento - que nunca será realmente dele. Esse é um sentimento que nós que não somos emigrantes, sentimos quando voltamos à terra dos nossos pais. Aqui somos sempre “a Portuguesa” por causa das origens e lá sempre nos apelidam de Canadiana por termos nascido em Montreal. Sentimo-nos pois uma mistura das duas culturas que estão ambas muito presentes em nós. Gostei imenso da imagem que nos deu Maria Graciete Besse onde dizia que Lisboa está cada vez mais suja, mas que é limpa pelas memórias dos que a deixaram para outra metrópole. Outro aspecto triste das comunidades portuguesas em geral e da montrealense, em particular, revelado na conferência é o de essas comunidades não se manifestarem muito, impedindo a sua pela sua descrição, elementos importantes da cultura do seu país de origem. Felizmente, com acontecimentos como a Expo 98 e o Euro 2004, isto tem vindo a mudar um pouco, no que à visibilidade de Portugal no mundo diz respeito.
Uma das coisas mais tristes que sobressaiu nesta alocução é o facto de os imigrantes (e também os seus filhos) não terem interesse pela cultura literária portuguesa e pelos estudos em geral. Isso é realmente um grande problema com que se confronta a nossa comunidade e pelos vistos de muitas outras comunidades que formam a diáspora. Mas, apesar de tudo, começam a emergir produções culturais lusófonas, da literatura ao cinema, passando pela fotografia. A maior parte deles são provenientes do que a dra. Coutinho chamou de segunda geração de imigrantes, ou seja os filhos de imigrantes já nascidos no país de acolhimento. Esta nova geração que a conferencista reputa de muito interessante porque, enquanto os imigrantes da primeira geração escreviam sobretudo sobre a experiência da saudade, a nostalgia e ilusão que mantinham de Portugal, estes novos artistas deixam-se inspirar por novos temas. O que é mais triste com esta geração mais nova é provavelmente o facto de falarem mais “emigrês” do que português. Essa contaminação de registos é realmente uma praga. Os luso-descendentes sentem-se presos entre duas línguas e muitos acabam por escolher escrever (ou exprimir-se) na língua em que estudaram ou seja a língua do país. Entre os inúmeros exemplos dados pela conferencista sobre a mudança que se está a operar, ainda que lentamente citamos o da produção fílmica de um jovem luso-descendente, Nicolas Fonseca com o seu filme-documentário Bien Mélangé. Esta nova geração não quer necessariamente regressar a Portugal (porque já não nasceu lá), mas coloca outras questões como o facto da cultura portuguesa se estar a perder para eles que estão fora do país de origem.
E de novo é citado Jorge Sena, a propósito da língua. Chocante, mas exemplar
:
Ouço os meus filhos a falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
e todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar que não é deles.
Venham falar-me dos mistérios da poesia,
das tradições de uma linguagem, de uma raça,
daquilo que se não diz com menos que a experiência
de um povo e de uma língua. Bestas.
As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguez daqueles que as herdaram.

Triste pessimismo este o de Jorge de Sena, também ele emigrante, mas verdadeiro, já que facilmente verificamos que filhos de emigrantes que foram criados ouvindo e falando português quando crescem não hesitam em falar preferencialmente Francês ou Inglês entre eles; em vez de fazerem o esforço necessário para não esquecerem a língua das origens... Gostaria de ter visto mais luso-descendentes a assistirem à conferência, porque isso demostraria um interesse pela cultura ou pela arte em geral. A arte em geral é reveladora: tem uma função heurística e identitária, ela faz emergir o que não sabemos que somos ou seremos um dia. Com efeito, a identidade é um processo em aberto e mais ainda no caso dos luso-descendentes que têm a riqueza de viverem num contexto de pluralidade cultural. Fica-nos na memória uma frase tão batida quanto sentida: há que resistir à homogeneização para preservar a diversidade cultural porque aí se encontra o verdadeiro tesouro identitário.