Da Revolução dos Cravos
à Revolução das Palavras e Azulejos

por

Vitália Rodrigues

Fotos de Vitália Rodrigues, Manuel Carvalho e Jules Nadeau


Parque de Portugal, uma das primeiras marcas da presença portuguesa em Montreal

(Foto de Manuel Carvalho)

Os doze bancos em granito onde se inscrevem pequenas frases de escritores portugueses foram ilustrados com azulejos por quatro artistas plásticos que por aqui vivem e criam.


(Foto de Manuel Carvalho)

Alguns dos estudantes e colega de Luís Aguilar da Universidade de Montreal,
que participaram na escolha das frases e vieram assistir à inauguração


(Foto de Jules Nadeau)




Veja aqui as frases e as criações de azulejos


Sobre este acontecimento ler também:

Saturnia
Voz de Portugal

Mundo Português
Ville de Montréal
Le Plateau

Création du quartier portugais



Um dos três livros oferecidos pelo Consulado-Geral de Portugal em Montreal

Ao contrário de outros anos, em que as comemorações da Revolução dos Cravos se tornou num ritual passadiço, este ano as celebrações do 25 de Abril, data histórica para o Portugal democrático e moderno, tiveram a dignidade e o cunho revolucionário que este dia deveria impor sempre. Este ano as comemorações tiveram honras da diplomacia portuguesa (embaixador e cônsul-geral) e de altos dignitários da política, da cultura e das letras montrealenses, de que se destacam os escritores Sergio Kokis e Robert Boivin, os políticos Helen Fotopulos, Luís Miranda, os deputados Thomas Mulcair e Alexandra Mendes, a directora do departamento de línguas e literaturas modernas, da Universidade de Montreal, Monique Moser-Verrey e Georges Bastin, o seu sucessor. E muitos outros.

Uma revolução que se celebrou este ano com outra revolução: a dos capitães de Abril há 35 anos em Portugal e a dos homens e mulheres das artes e das letras, aqui, em solo frio da América do Norte, que souberam impor dois dos maiores tesouros portugueses, a sua pujante literatura e a arte do azulejo. Assinaturas portuguesas que agora ficam expostas em 12 bancos de granito, colocados ao longo de uma das ruas mais movimentadas desta metrópole, onde reside grande número de portugueses. Ao Parque de Portugal, uma das primeiras marcas da presença portuguesa em Montreal e o primeiro parque comunitário da cidade, juntam-se agora doze pequenos textos dos autores mais representativos de cada período da literatura portuguesa, do século XIV aos nossos dias: D. Dinis, Gil Vicente, Luís Vaz de Camões, Padre António Vieira, Bocage, Eça de Queirós, Antero de Quental, Fernando Pessoa, Miguel Torga, Natália Correia, José Saramago e António Lobo Antunes. Os doze bancos em granito onde se inscrevem pequenas frases desses escritores portugueses foram ilustrados com azulejos concebidos por quatro artistas plásticos que por aqui vivem e criam: Joe Lima, Joseph Branco, Miguel Rebelo e Carlos Calado.

E, assim, pouco a pouco, se vão gravando memórias, porque estas, como diz Agustina Bessa-Luís, procriam como se fossem pessoas vivas. Há quem preferisse o pagode chinês ou a pizzalajaria italiana, com fronteiras e clichés a marcar a presença das respectivas comunidades. Há quem preferisse um paradigma de afirmação agressiva e patrioteira com o Galo de Barcelos no leme de uma qualquer caravela, com joaquinzinhos desembarcando um padrão das descobertas.

E se é verdade que os homens e mulheres de Abril não sabiam que era impossível derrubar o regime fascista implantado durante 48 anos, também Isabel Santos e as suas tropas não sabiam ser possível assinalar a presença portuguesa em Montreal com literatura e azulejos. E, porque não o sabiam impossível, fizeram-no. E, aquilo que pareceu ser uma utopia a muitos, uma afronta a outros, uma intelectualisse a bastantes, aí estão diante dos olhos de toda a gente, doze bancos de granito, de bom senso e bom gosto, assentes nos passeios da cidade de Montreal, percorrendo o boulevard Saint Laurent.


O sonho de demarcar um bairro português em Montreal é antigo e a sua concretização tornou-se um pesadelo de promessas sucessivamente acesas perto das eleições e apagadas logo depois pelo desinteresse dos políticos do burgo e de alguns portugueses mais dados a paleio ebairrismos bloqueadores do que a obra feita. Um "velho sonho" referido pelo político Luís Miranda, que não se deu conta de que aquilo que anunciava em nome do Presidente da Câmara de Montreal não passava de um sonho velho da comunidade portuguesa na cidade, originando vários movimentos que não alcançaram o resultado desejado, como há tempos referia a Lusa.

Sem que tivesse a ver com as démarches anteriores frustradas, Isabel dos Santos apresentou ao Conselho do Bairro do Plateau Mont-Royal, a 6 de Fevereiro de 2006, uma proposta de criação de um Bairro Português, integrado no plano de requalificação da centenária rua de Saint-Laurent, proposta que viria a ser aprovada por unanimidade. A ela cabe de resto o mérito de ter concretizado um projecto inovador, e tanto mais inovador é, quando comparado com os dois bairros de comunidades étnicas já existentes que recorreram a fronteiras assinaladas com pórticos para a sua delimitação. O nosso bairro será um espaço sem fronteiras, no qual as pessoas irão aperceber-se de que estão numa zona portuguesa pelo seu ambiente próprio e pelos tópicos da identidade lusa, explicou à Agência Lusa, Isabel dos Santos. A vereadora criou um grupo consultivo representativo do maior número de sensibilidades que, desde logo, propos, para além das frases inscritas no boulevard, um tipo de estandartes sinalizadores de que se está no Bairro Português, a colocação de quiosques idênticos aos que existem em Portugal, a plantação de oliveiras e um local próprio para instalação da bandeira portuguesa, proposta do então Conselheiro das Comunidades, Francisco Salvador. As bandeiras e os bancos já lá estão, aguarda-se a concretização dos outros projectos.

Cedo compreendeu Isabel dos Santos que teria de nomear outro grupo para a escolha das frases, o denominado grupo os Frasistas, responsável pela selecção das citações inscritas nos bancos. Este grupo conheceu várias etapas que dá a conhecer num jornal que editou, primeiro em suporte papel e, agora, também em formato digital. Complementar a este grupo uma outra equipa foi formada, a equipa responsável pela tradução para francês das frases em Português.

Perante uma assistência de duas centenas de pessoas, Sua Excelência o embaixador de Portugal no Canadá, Pedro Moitinho de Almeida enalteceu este projecto de palavras e azulejos, realçando o contributo decisivo dos dois professores da Universidade de Montreal, o professor Luís de Moura Sobral e o dr. Luís Aguilar. Para o primeiro, em declarações à Lusa, esta proposta da comunidade portuguesa é radicalmente inovadora e parece estar já a servir de exemplo para outras propostas de comunidades culturais. Do ponto de vista estético, são obras que podiam estar em qualquer parte do mundo, inclusivamente em Portugal, exactamente com as mesmas características estéticas. Revejo-me como português nestes bancos tal como me revejo na obra dos criadores [portugueses] actuais, numa Paula Rego, Júlio Pomar e outros.
Já para o dr. Luís Aguilar, em declarações à TVPM de Montreal e ao jornal A Voz de Portugal disse: - Fui solicitado a integrar este projecto na sequência de um pedido de colaboração endereçado ao Instituto Camões, à Coordenadora do Gabinete de Apoio Pedagógico da Direcção de Serviços de Coordenação do Ensino do Português no Estrangeiro, dra. Fernanda Barrocas, que passou para mim a missão de participar no projecto, em nome daquela instituição responsável pelo ensino, promoção e difusão da Língua Portuguesa no exterior. Estava longe de imaginar o trabalho que iria ter e que ultrapassou largamente o pedido inicial de ajudar a escolher frases para os bancos. Confesso hoje, que valeu a pena. Foram horas de discussão sobre critérios de difusão da ideia pelos media, de tempo a responder, de procura do contacto exacto em que cada frase havia sido produzida, discussões sobre quotas de autores açorianos, etc. Hoje orgulho-me de ver, ao contrário do que é habitual, a assinatura portuguesa traduzir-se na divulgação de alguns dos maiores nomes da nossa literatura e de constatar o orgulho que sentem os portugueses e luso-descendentes pelas marcas literárias que descansam nos bancos ornados de azulejos e a vontade de se apropriarem do conteúdo de cada citação e de cada autor. Gente que antes víamos vibrar com os feitos da selecção portuguesa de futebol, vemos agora ufanos por saberem que os seus melhores escritores permanecen ali mesmo, à mão de semear dos passantes. Orgulhosos por saberem que os quebequenses e membros de outras comunidades étnicas elogiam o projecto.

Alexandra Mendes, deputada no Parlamento federal em Otava, manifestou à Lusa estar encantada com o resultado: este é um dos poucos projectos que realmente representa o que nós [Portugueses] somos, sem ser folclórico. Tem a nossa cultura, as nossas artes, disse.

As frases e as respectivas ilustrações em azulejo foram apresentadas numa brochura de grande qualidade gráfica e de conteúdo que, quanto a nós, mereciam melhor papel e maior tiragem. Merecia melhor esta inauguração quanto à apresentação das frases por duas meninas que as trocaram ou omitiram a seu bel-prazer num tom arrastado de escola primária.

E as celebrações continuaram no restaurante português e bar de petiscos Portus Calle, onde a chefe Helena Loureiro juntou à arte do azulejo e da literatura a sua arte: a gastronomia portuguesa.

Um momento especial viria a ser o da oferta de três livros escolhidos a dedo pelo dr. Carlos Oliveira, cônsul-geral de Portugal em Montreal. Três livros ricos de simbolismo e adequados ao momento. Aliás, se no início, deste projecto o cônsul-geral de Portugal em Montreal havia sido posto um pouco à margem, o empenho do diplomata mais uma vez, se tornou decisivo à consecução de muitas etapas que o mesmo teve de transpor como referiu a própria vereadora Isabel Santos que, nomeadamente agradeceu os esforços do diplomata na obtenção da isenção dos direitos de autor .

No quadro das actividades que desenvolvemos na empresa Amarrage sans frontières, tivemos a oportunidade de testar o impacto das novas assinaturas portuguesas no Boulevard Saint Laurent, junto de dois grupos que animámos e podemos dizer que as impressões são excelentes, mas não isentas de críticas de que daremos conta na segunda parte desta reportagem. Daremos, igualmente, conta das reacções de várias pessoas a este artigo e ao que nele se retrata. Porque, como nos lembra José Saramago, na sua Jangada de Pedra, cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos vêem o que querem, os olhos fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas, ainda que sejam de pedra, e altas proas, ainda que sejam de ilusão.


II Parte da Reportagem :
Até que Chegue o Bairro Português há Bancos de Granito no Boulevard, com Frases Literárias e Azulejos

Promenades littéraires portugaises
Marcher au long du Boulevard Saint Laurent comme dans les pages des livres des grands auteurs de la littérature portugaise du XIVe siècle jusqu'à aujourd'hui.