Natália Correia
(1923-1993)
Da Menina mais Bonita de Lisboa à Senhora da Rosa dos Açores,

a hierofântide do século XX




Selo comemorativo dos CTT


Páginas Web

sobre Natália Correia

a Visitar:


Biblioteca Nacional

Obras de Natália Correia
Poemas de Natália Correia
Natália Correia, Dez Anos Depois por Álvaro Laborinho Lúcio
Natalia Correia; Poet, 69 in New York Times

Obras de Natália Correia nas Bibliotecas da Universidade de Montreal:

Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses
UdeM L.S.H. Cote: PQ 9155 C67 1978

Em breve Natália Correia terá uma citação sua num dos bancos do Boulevard Saint Laurent, no que virá a ser o bairro português de Montreal:

Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!


Como citar esta página:

Aguilar, Luís. Natália Correia. In Teia Portuguesa. [Em Linha].
http://www.teiaportuguesa.com/literaturanataliacorreia.htm
(
Página consultada em 25 de Janeiro de 2008).


Texto, selecção de poemas e organização de conteúdos:
Luís Aguilar

 

Natália Correia, poetisa, romancista, ensaísta, dramaturga, guionista, ficcionista, jornalista, editora, tradutora e política (foi deputada à Assembleia da República), nasceu na Fajã de Baixo, na Ilha de São Miguel, arquipélago dos Açores, em 1923 e morreu em Lisboa em 1993. Natália Correia, embora nascida nos Açores, é para José Augusto França a menina mais bonita de Lisboa, enquanto para Maria Amélia Campos, que traça o seu percurso literário, a escritora é a Rosa dos Açores. Com a excentricidade que o caracterizava, Luiz Pacheco, considerou Natália Correia a hierofântide do século XX. Quanto à Natalidade de Natália, Fernando Dacosta diz que é um desses seres que não cabem no espaço que lhes foi destinado. Não me arrependo do que vivi, dizia bastas vezes, a sacerdotisa do nosso tempo, que se descrevia do seguinte modo:

Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exilio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

 

Natália Correia
in Poesia Completa, 1999

Retrato Talvez Saudoso da Menina Insular

Tinha o tamanho da praia
o corpo era de areia.
Ele próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.

E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.

Largou o sonho nos barcos
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.

E quando o seu corpo se ergueu
Voltado para o desengano
só ficou tranquilidade
na linha daquele além.
Guardada na claridade
do olhar que a retém.

Natália Correia


Natália Correia, que se considerava aluna das ervas e frequentadora do curso nocturno do amor... gritava a quem a quisesse ouvir: Ó, subalimentados do sonho! A poesia é para comer! Sirvamo-nos pois da caldeirada de estilos: o surrealismo com pitadas brechtianas, salpicado, aqui e ali de traços Vicentinos. Na sua sartriana forma de ser, a sacerdotisa do Amor, Natália Correia, rebelde congénita e frequentadora assídua e militante dos caminhos ingratos da Liberdade, para quem o valor das palavras na poesia é o de nos conduzirem ao ponto onde nos esquecemos delas, e o ponto onde nos esquecemos delas é onde nunca mais se pode ter repouso, pode dizer-se, andou de maluqueira em maluqueira (palavra esta que lhe era querida):

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia
in Poesia Completa, 1999

Ode à Paz

Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego,
dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!

Natália Correia
in O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, II

 

A Defesa do Poeta

Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que puseste
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem ?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho !
a poesia é para comer.

Natália Correia

Sete Luas

Há noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas
Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.
Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.

Natália Correia

Falavam-me de Amor

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.


Natália Correia
in O Dilúvio e a Pomba, 1979

Fiz um Conto para me Embalar

Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.

Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.

Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhuma soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

Natália Correia

 




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