Jogos de Papéis


Não se trata de abandonar o universo do imaginário
em favor do universo da realidade...
mas antes definir os meios pelos quais
o indivíduo pode adquirir
um completo domínio de uma situação,
vivendo nas duas vias
e capaz de passar de uma para a outra.

Jacob-Levy Moreno


O Jogo de Papéis tem características específicas que o distinguem de qualquer outra abordagem expressiva. Esta especificidade pragmatiza-se em várias premissas, princípios ou características.
O Jogo de Papéis é uma forma de expressão e comunicação em que o indivíduo age em vez de dizer o que pensa, o que critica ou o que o magoa. Mostra-o em actos, na fogueira da acção e na primeira pessoa. A acção tem como veículo um espaço dramático, uma cena, um cenário de jogo, definido de forma rudimentar ou elaborada, de forma improvisada ou pré-determinada.

Decorrente do princípio anterior, um segundo pressuposto pragmático pode especificar a prática do Jogo de Papéis: tudo se passa aqui e agora independentemente do grau de preparação que possa ter antecedido a acção. Esta regra de ouro do Jogo de Papéis, a do aqui e agora, aplica-se a situações novas que nunca se passaram e que, certamente, não voltarão a acontecer.

Nesta perspectiva a expressão de cada participante, situa-se no momento, aqui e agora e traduz-se numa acção. Richard Courtney (1980), propõe três categorias para essa acção: Eu Sou, Eu Faço e Eu Crio.

Ao acrescentar o Eu Sou ao Eu Faço e ao Eu Crio, Courtney (idem) alarga assim o campo proposto por Dewey (1976) relativamente ao aprender fazendo. Aprender fazendo, sim, mas numa dimensão de Ser. Na expressão de cada pessoa, o Eu Faço, pressupõe o Eu Sou, não fazendo pois sentido, a expressão de um Saber-Fazer, sem a expressão de um Saber-Ser. É assim que, Eu Sou e Eu Faço, definem-se num mesmo espaço-tempo: a expressão de si próprio, partilhada ou não com os outros, com os objectos e com o meio, com ou sem a intenção explícita de criar um produto. A organização do ensino de uma língua estrangeira deve pois garantir esse espaço-tempo de expressão do SER, do FAZER e do CRIAR que, pressupõe uma estrutura espacio-temporal semelhante à que o estudante encontra no universo das relações sociais, e que facilite a estruturação da sua experiência de vida.

Comunicar com o outro através do desempenho de papéis, expressar com o corpo e a voz as criações do seu mundo interior e exterior, accionar o mecanismo do como se mágico, estabelecer um ritual lúdico aqui e agora com os outros, tais são as características principais de um jogo de papéis, onde quer que ela seja praticada e sejam quais forem os objectivos traçados para a sua realização.

Da relação entre a realidade e a simbolização da realidade poderemos enunciar um terceiro princípio: o Jogo de Papéis, ao permitir a recriação, a simbolização e a representação de situações do quotidiano, real ou imaginado, é a forma de expressão que mais se aproxima da vida. Uma vez que não poderemos ter à mão o país cuja língua os estudantes aprendem criemos então situações em que os alunos poderão viver numa cena fictícia tão próxima da realidade futura com que se vâo deparar. É verdade que o Jogo de Papéis não é a realidade. Constitui, por assim dizer, uma segunda realidade a viver (evitamos aqui empregar o sempre equívoco conceito de ficção). Neste contexto o Jogo de Papéis é uma espécie de segundo mundo que explica, que transforma e que reflecte o primeiro, o da realidade, colocando esta muitas vezes no seu lugar: uma forma possível de existência entre outras possíveis. Um parêntesis desenvolvido no fluído percurso do quotidiano?

O Jogo de Papéis e a realidade são distintas como distintas são uma fotografia e uma pintura, por muito realista que esta se possa apresentar. Com efeito, o jogo dramático, ao proporcionar a comunicação, através de personagens imaginárias, prepara o indivíduo para o contacto com os outros, atrvés de uma língua comum. Este aspecto colectivo e imagético do Jogo de Papéis, promove e acelera todas as aquisições linguís ticas e comunicativas mediadas pelo universo social. É certo que o domínio de uma língua estrangeira é possível em múltiplas actividades mas, adquire no Jogo de Papéis um carácter mais subtil, profundo, constante e global. O Jogo de Papéis prefigura a sociedade e, nesse sentido, funciona como um parêntesis na vida social, onde é possível jogar, pensar e exercitar a língua no universo da vida comunitária.

A prática de Jogo de Papéis por muito que se apresente espontânea, necessita de um animador, de um espaço convencionado e de uma técnica e de um método que neste capítulo vamos dar a conhecer.