No Quarto de Vanda havia já trazido Pedro
Costa a Montreal, no Festival du Nouveau Cinéma et des nouveaux
media de 2001 que homenageando então, os novos cinemas portugueses,
possibilitou o visionamento de 21 filmes lusos. No Quarto da Vanda,
e não de Vanda explica Denis Bellemare, um grande cinéfilo
quebequense e amigo dos novos cinemas portugueses. Cinemas Portugueses
e não Cinema Português, sim, porque há vários
cinemas portugueses, diz, com gosto e um sorriso. Um desses cinemas
esteve representado pelos cinco filmes de Pedro Costa, na Cinémathèque
québecoise , de 12 a 16 de Fevereiro. Esta retrospectiva sobre
Pedro Costa e o novo Cinema Português, teve o patrocínio
do ICAM - Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimedia, de Contracosta
Produções, do Consulado-Geral de Portugal em Montreal, da
Caisse d'économie des Portugais de Montréal. Teve
ainda o apoio dos Estudos
Portugueses da Universidade de Montreal.
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Pedro Costa trouxe todos os seus filmes a Montreal
e impressionou os espectadores que procuram uma alternativa ao grotesco
cinema hollywoodesco.
Nos filmes mostrados, alguns, por várias
vezes, pode dizer-se que Costa segue as peugadas do seu mestre na
Escola Superior de Cinema do Conservatório Nacional de Lisboa,
António Reis, cujo processo de criação é
documentarista. Mas tal como todos os discípulos estão
predestinados a ir mais longe do que o mestre, Pedro Costa, à
excepção, talvez, do seu primeiro filme, Sangue,
filme que, aliás hoje ele renega, imprime na sua maneira
de filmar profundas modificações e evoluções,
no que se vulgarizou chamar filme documentário.
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Uma evolução é certa nos filmes apresentados
como certa é a marca, o estilo, a denúncia, a coragem,
a irreverência e a intransigência de quem quer mostrar
o outro lado das coisas, revelar, o que pavlovianamente a sociedade
nos cega, de expressar o não dito, de quem sabendo que justiça
não há neste mundo, quer distribuir a injustiça
igualmente por todos, de quem, enfim, considera que para se fazer
cinema não é necessário nem imaginação
nem comunicação, mas saber ver, saber olhar e revelar
como revelou Pedro Costa à Rádio Centre-ville,
em duas entrevistas, excelentemente conduzidas, uma pela Carla Oliveira,
em português, e outra por Guy Menard e Pierre Pageau, em francês,
que deixaram o anónimo e o não-comunicador cineasta
protagonizar e comunicar. |
Pierre Jutras, Directeur, Conservation et Programmation
da Cinémathèque québecoise na primeira fila
ouve atentamente a leitura que Pedro
Costa faz dos seus filmes e dos processos de criação.
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O que comemos hoje, frango
ou peixe? Onde se vai colocar a câmara de filmar? Perguntas
que os seus actores lhe fazem quotidianamente. -
Sei lá!, responde.
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De uma clássica 35 mm até
à simples utilização de uma câmara numérica,
vários mundos deste mundo são mostrados por Pedro Costa
que descobre e desvenda, deslumbrado, os anónimos humanos,
reais personagens que ele faz protagonistas, ainda que para tal se
tenha de votar ao anonimato, para vertiginosamente escapar ao voyeurismo
para o qual o querem remeter os críticos de cinema mais distraídos,
quer dizer mais comprometidos com o que Pedro Costa chama o sistema.
Entre entregar-se ao cinema militante e ter de quotidianamente responder
às questões que lhe põem os seus actores de acasião
(- O que comemos hoje? Frango ou peixe? |
E onde vai colocar a câmara?) e o cinema onde as estrelas
soletram milhões e compõem castings (- quantos milhares
ou milhões precisamos para este filme?), Pedro Costa diz não
querer, neste momento, responder a essas díspares questões.
Desaparece e deixa emergir. Vai para o canto do seu quarto, com uma única
certeza: não transigir, não fazer concessões com o
cinema enlatado, clichado, pronto a meter no micro-ondas.
Da sua obra temos, ainda na retina, a força das
imagens de Sangue, o som outro e outra língua, valores e
sentimentos de A Casa de Lava, a denúncia de Ossos
e a beleza da decomposição e profunda revelação
de intimidades de No Quarto da Vanda, a sua obra prima.
Pedro Costa olha para os seus personagens em carne viva
fazendo-os deslocar-se de espaços claustrofóbicos para lugares
agorafóbicos, da mesma maneira que eles o vêem ora encerrado,
prisioneiro de si mesmo, ora imensamente livre na amplitude da sua solidariedade
interiorizante que os restitui à dignidade.
A expressão das mãos ou dos dedos dos pés
dizem mais da brutalidade, da doçura, da sensualidade e da beleza
dos seus personagens que os seus rostos macilentos, as suas vozes apagadas,
roucas, em que se adivinha pelo não dito, pelo não olhado,
pelo vão expresso, a transcendência do sonho, penetrando
a realidade nua e crua, salpicada de intervalos, acre-doces, de intensimidades
...
Pedro tenho ali uma série de coisas que gostaria
que levasses para os nossos amigos em Lisboa! brincamos nós,
lembrando-nos dos actores dos seus filmes que lhe fazem este tipo de pedidos
bem reais, no fim das filmagens. Sem se aperceber que estávamos
a brincar, preparava-se para, tal como o fizera para com as famílias
dos emigrantes cabo-verdianos em Portugal, transportar os nossos inúmeros
embrulhos imaginários para a capital do Império, o Quinto,
que aqui em Montreal concretizou o sonho utópico de Bandarra, Vieira
e Pessoa: a afirmação de Portugal pelo humanismo universalizante
e espiritual da sua cultura.
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A esta barrigada de Cinema Português de Pedro Costa, em Montreal,
a comunidade portuguesa marcou a sua ausência em salas repletas
de presenças culturais e quebequenses de outros desvairados
gostos. E dos poucos portugueses que lá estiveram, nem por
isso se pode dizer que todos tenham gostado do que viram. É
a vida! É o cinema a preto e branco. Que agrada a gregos mas
deixa os troianos gregos. |
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